segunda-feira, 17 de outubro de 2016

A importância de Coimbra na Saúde




 Há precisamente uma ano, dei aqui nota de um facto excepcional para Portugal, mas muito mais ainda para Coimbra. Portugal tinha acabado de ser admitido como 14º país e 5º membro da Europa na Aliança M8 que é o mais importante fórum de reflexão na área da saúde a nível mundial. Além de Portugal, os países europeus que fazem parte da Aliança M8 são a França, a Inglaterra, a Alemanha e a Suíça. Escrevi nessa crónica de há um ano que “a Aliança M8 constitui uma rede de excelência de Centros Médicos de Saúde Académicos, Universidades e Academias Nacionais, a partir da qual se organiza anualmente a Cimeira Mundial da Saúde, onde se analisam e discutem os cuidados de saúde”.
A instituição portuguesa aceite na Aliança M8 é o consórcio “Coimbra Health” formado pelo Centro Hospitalar de Coimbra (CHUC) e pela Universidade de Coimbra. Entre as outras instituições representadas estão a Bloomberg Escola de Saúde Pública John Hopkins dos EUA, o Imperial College do Reino Unido, a Sorbonne de França ou a Universidade de São Paulo do Brasil, o que diz bem da importância da participação neste fórum para as instituições de Coimbra.
A Aliança M8 promove anualmente a realização das Cimeiras Mundiais da Saúde em Berlim, cidade sede da associação, mas organiza também as Conferências Intercalares da Cimeira Mundial da Saúde em outras cidades por todo o mundo. Na assembleia geral da Aliança M8 realizada no início desse mês, a cidade escolhida para a realização da Conferência Intercalar em Abril de 2018 foi Coimbra.

Desta forma, Coimbra receberá em Abril de 2018 cerca de 700 especialistas do mundo inteiro que debaterão o tema “Medicina de Fronteira”. Mais uma vez se deverá salientar o papel nesta decisão do Dr. José Martins Nunes, profundo conhecedor dos meandros da política da saúde a nível internacional, a cujo trabalho diplomático persistente se deveu primordialmente a inclusão do consórcio de Coimbra na Aliança M8.
Como normalmente sucede nestes encontros internacionais de grande relevância, para além dos conferencistas há todo um elevado número de pessoas da organização, de apoio técnico aos conferencistas e de jornalistas, para além dos acompanhantes pessoais que se deslocam à cidade onde se realiza o evento. Coimbra receberá assim, durante vários dias, um número de visitantes muito superior aos previstos 700 conferencistas.
Para além do impacte de notoriedade mundial para a nossa Cidade, relacionado com a Ciência e com uma área de relevância social, económica e política como é a Saúde, é evidente a importância económica do evento para Coimbra, quer na área da hotelaria, quer na restauração e demais actividades ligadas com o turismo, para além do comércio em geral.
Claro que a existência do Centro de Congressos do Convento de S. Francisco é crucial para que um encontro destes seja possível em Coimbra, ficando assim demonstrada a justeza das várias decisões, ao longo dos anos, que permitiram a construção deste equipamento.
O sucesso da conferência em Abril de 2018 está evidentemente garantido pela organização. Diferente será que esse sucesso se traduza igualmente para a Cidade e para os seus diversos actores económicos que acima referi. Para que tal suceda não basta informar que o evento se irá realizar. Não será, mesmo, de se deixar de encarar a formação de uma equipa de projecto que, em ligação com os CHUC/Universidade, construa um programa em diálogo com as entidades culturais da Cidade e una os representantes das diversas actividades económicas que podem tirar dividendos económicos com o evento, catalisando as potencialidades existentes. Abril de 2018 é já ali, daqui a um ano e meio.
A autarquia possui as infraestruturas físicas que possibilitam a realização do encontro internacional. Mas, para além disso, sabendo-se embora que a organização do mesmo não está a seu cargo, pode e talvez deva fazer com que toda a Cidade fique a ganhar com a Conferência Intercalar da Cimeira Mundial da Saúde de Coimbra em Abril de 2018.

domingo, 16 de outubro de 2016

Orçamento de esquerda

O ministro das Finanças afirmou que este Orçamento é de esquerda. Como se nós não o soubéssemos. Mas ainda bem que o disse, fica registado para quando as consequências surgirem.

segunda-feira, 10 de outubro de 2016

O Gosto pela Música





Entre 1956 e 1985, isto é, durante praticamente trinta anos, João de Freitas Branco manteve um programa na estação de rádio pública portuguesa, primeiro Emissora Nacional e depois Rádio Difusão Portuguesa, em que divulgou, explicou e ensinou a gostar da música dita clássica ou erudita. Gerações de portugueses adquiriram o gosto pela música ao conhecerem-na melhor, desenvolvendo em consequência disso espírito crítico, exigência e capacidade de discernimento perante a oferta musical.
Eram tempos em que os músicos profissionais portugueses encontravam poucas saídas para o seu trabalho, embora as poucas orquestras existente fossem de altíssimo nível. Lisboa e Porto eram as cidades-sede dessas orquestras. A actual situação é completamente diferente. Há diversas orquestras profissionais com diferentes formações mais ou menos completas um pouco por todo o país, desde o Norte ao Algarve.
Isso tornou-se possível por, em primeiro lugar haver escolas superiores a garantirem a adequada formação musical e depois pela livre circulação de pessoas na Europa que trouxe até nós muitos músicos que escolheram Portugal para viver e trabalhar.
Embora ainda não seja apoiada pelo Estado como outras orquestras designadas regionais, contando fundamentalmente com o apoio financeiro da sua Câmara Municipal também Coimbra tem, há 15 anos, uma orquestra profissional a trabalhar de forma ininterrupta, hoje com uma formação clássica, a Orquestra Clássica do Centro.
Durante a última semana, a OCC teve dois concertos importantes que demonstram a sua importância para Coimbra e para a região Centro. No Dia 1 de Outubro em que se assinala o Dia Internacional da Música, a OCC apresentou-se na antiga Igreja do Convento de S. Francisco em Coimbra após a conclusão das obras de recuperação do edifício. O programa incluiu uma Abertura do compositor português Marcos Portugal que, curiosamente foi sempre mais tocado e conhecido no estrangeiro, nomeadamente em Itália, do que no nosso país, a Sinfonia nº 35 de Mozart e o Concerto para piano nº3 de Beethoven com o solista Artur Pizarro. O entusiasmo do público traduzido pelos aplausos no fim de todas as peças foi evidente. A actuação da orquestra dirigida pelo Maestro José Eduardo Gomes foi a prova de quanto a falta do apoio do Estado à OCC é incoerente, injusta para a orquestra e culturalmente lesiva para a cidade de Coimbra. Sendo actualmente reconhecido como um dos maiores pianistas portugueses, Artur Pizarro foi brilhante em Beethoven e ainda no Chopin que, fora do programa, ofereceu aos que naquela noite se deslocaram a Santa Clara.
Uma semana depois, a OCC foi a Castelo Branco apresentar-se noutro concerto, no Cine-Teatro Avenida daquela cidade. Tratou-se de um concerto completamente diferente, demonstrando a amplitude do seu actual repertório. O programa incluía a Abertura Coriolano de Beethoven, o Concerto de Piano de Grieg e três obras da autoria do compositor luso-cabo-verdiano Vasco Martins incluídas no último CD editado pela OCC. O concerto resultou da colaboração entre a OCC e a ESART que é a Escola Superior de Artes Aplicadas do Instituto Politécnico de Castelo Branco, tendo vários alunos daquela escola sido incluídos na orquestra. O solista ao piano neste concerto foi o brasileiro Steven Chervenkov que, embora jovem, apresenta já um notável currículo internacional.
Castelo Branco, tal como Aveiro, são cidades da zona centro que possuem ensino superior na área da música, ao contrário de Coimbra onde existem Conservatórios que fazem um excelente trabalho mas cujos alunos que pretendam seguir os seus estudos superiores na área da música têm que procurar outra cidade para esse fim. Esta é uma situação estranha, tendo em conta a oferta de ensino superior em Coimbra, sabendo-se que os músicos profissionais, como por exemplo os da OCC, têm hoje em dia estudos superiores com licenciaturas, mestrados e doutoramentos nas suas áreas de trabalho.
As actuações da OCC um pouco por toda a Região Centro, mas também fora dela, têm sido uma constante ao longo da sua existência. O gosto pela música constrói-se, tocando-a e levando-a junto dos públicos. Para que tal seja possível é necessária vontade e o esforço de muitos, porque uma orquestra é um organismo extremamente complexo, a diversos níveis, incluindo o financeiro. Razões para que a OCC passe rapidamente a ser uma orquestra regional, garantindo-lhe a estabilidade necessária para continuar a construir “gosto pela música”.

segunda-feira, 3 de outubro de 2016

Navegar com coordenadas erradas e sem Norte



O comandante do navio bem dava ordens de rumo ao marinheiro do leme, mas havia sempre alguém a dizer-lhe que a derrota andava bem longe da que devia ser, embora as condições meteorológicas até fossem as habituais naquele mar. Temia, aliás, que o soberano que tinha as suas próprias antenas a bordo começasse a desconfiar que algo estivesse a correr mal na navegação que pudesse colocar em causa que o fim da viagem fosse o destino marcado na carta de navegação.
Resolveu chamar os dois imediatos para fazer uma análise da situação e decidir quais as melhores ordens a dar, porque ainda não estando percorrida nem metade da viagem, o navio parecia ter alguns problemas não habituais. Claro que não gostava nada de ter dois imediatos, mas quando o soberano lhe havia dito não ser ele a primeira escolha para comandar aquele grande navio, não teve outra hipótese senão fazer aquela partilha de comando, confiando que os imediatos o acompanhariam empenhadamente até ao fim da viagem.
Quando se reuniram à volta da mesa das cartas na ponte, não percebeu a carta que lá estava e perguntou de onde tinha vindo, porque era muito diferente das habituais onde ele tinha aprendido a trabalhar e que sempre lhe tinham servido para preparar a navegação. Um dos imediatos respondeu-lhe de imediato que as cartas velhas tinham sido atiradas ao mar, que hoje já não serviam por os tempos serem outros e não se poder estar a seguir as regras ditadas por almirantados estrangeiros caducos, que colocavam em causa a soberania. 

As velhas coordenadas estavam calculadas em função de critérios obsoletos e levavam sempre aos mesmos resultados definidos por outrem, que não estavam de acordo com os novos objectivos definidos. O comandante ficou atrapalhado, mas logo se recompôs. Afinal, tinha muita experiência e não era por uns novatos o querem levar pelos seus próprios caminhos que se iria perder. Lembrando-se dos seus velhos cálculos logo ali decidiu, sem o comunicar, seguir o seu caminho sem informar os imediatos do facto; para tal, bastava ir ao computador e fazer a simples transformação de coordenadas, que a navegação depressa iria para o rumo que ele próprio pretendia, sem os imediatos perceberem nada.
No entanto, passados uns dias, um marujo de comunicações que estabelecia mais directamente contactos com o soberano, veio informá-lo de que aquele continuava nervoso, convicto que estava de que o rumo do navio continuava a afastar-se do que estava estabelecido. Que diabo pensou o comandante com os seus botões, sempre receoso das reacções do soberano que a qualquer momento podia chamar por alguém que o substituísse no comando. Lá mandou vir outra vez os imediatos à ponte e tentou perceber a razão da continuação do desvio da rota traçada com tanto cuidado. As coordenadas lá continuavam com os respectivos erros compensados da forma que havia calculado, mas havia ainda algo que não batia certo.
Foi quando o outro imediato o informou sobre a agulha. Na realidade, ao largarem do porto tinha mexido na agulha giroscópica porque, tal como o outro imediato no que dizia respeito às coordenadas geográficas, entendia que o norte pré-definido estava errado. Acrescentou que os rumos definidos para aquela viagem necessitavam de um referencial próprio que não tinha nada a ver com uma estrela escolhida há séculos por gente atrasada que, se calhar, ainda pensava que o Sol rodava em volta da Terra.
O comandante mais uma vez se serviu da sua célebre capacidade de resolução de problemas e, manifestando a sua total concordância com os princípios definidos pelos seus imediatos, lembrou-se da velha bússola magnética e tratou de calcular com discrição o erro da giro e de proceder à respectiva compensação.
Claro que, com o tempo entretanto decorrido, a rota seguida tinha-se desviado tanto do ponto de chegada e o navio tinha dado tantas voltas em círculos, que o combustível estava quase acabado e o porto de chegada parecia que tinha fugido para o outro hemisfério. Não valia a pena acenar com o sucesso finalmente conseguido de acertar com o rumo. Esse, embora fundamental, era apenas um instrumento para atingir o destino e, finalmente, o navio teve que encostar no porto mais próximo.

segunda-feira, 26 de setembro de 2016

A verdade da mentira




Adicionar legenda
 O fenómeno que constitui a candidatura de Donald Trump às eleições presidenciais americanas tem sido objecto das mais diversas análises políticas, quer abordando o fenómeno populista que se lhe encontra subjacente, quer tentando compreender como o partido Republicano se deixou transportar para esta candidatura.
Mas há outro aspecto da candidatura de Donald Trump e do seu discurso que vai muito para além disso e tem a ver com a sua relação com a verdade. De facto, o candidato republicano faz constantemente afirmações bombásticas que não têm nada a ver com a realidade dos factos, mas que produzem ondas de choque sociais e que, a certa altura, parecerão evidências a muitas pessoas que, ou já o apoiam, ou acabam a apoiá-lo. O exemplo da afirmação de que Obama é responsável pela criação do “estado islâmico” é paradigmático. Questionado sobre a afirmação e confrontado com o facto de Obama ser contra o EI e até lutar contra ele Trump, longe de se retratar, manteve a afirmação e ligou-a com a saída das tropas americanas do Iraque.
O uso da mentira na política não é novo, a profissão de político mentiroso deve mesmo ser a segunda profissão mais antiga do mundo, como se costuma dizer. A própria utilização de mistificações, ou aquilo que hoje em dia chamamos mitos urbanos também é bem conhecida da História, como a utilização dos famosos falsos “protocolos de Sião” pelos nazis como justificação para os ataques aos judeus. As redes sociais da internet são um meio poderoso para o alastrar da mentira e da manipulação política, já que as pessoas raramente se dão ao trabalho de ir verificar as fontes, a veracidade ou até a data daquilo que é apresentado. Aliás, os próprios “protocolos de Sião” ainda por aí circulam nas redes sociais, havendo muita gente que acredita naquilo.

Mas há um fenómeno que está a alastrar na política a nível mundial e a que David Roberts chamou “pós-verdade”. Trata-se construir todo um edifício discursivo político sem qualquer relação com a verdade.
A utilização da técnica da “pós-verdade” traz imensos problemas. Ao abordar esta problemática, a revista “Economist” de há duas semanas sublinha que “a alteração relativamente às habituais mentiras dos políticos reside em que a verdade não é falsificada ou retorcida, mas passa a ser de importância secundária”. Como mostra a campanha de Donald Trump, os sentimentos passam a substituir os factos. Eis por que os opositores têm tanta dificuldade em combater os políticos da “pós-verdade”: ao fazê-lo, colocam-se no campo deles e a prova de que estão errados torna-se um caminho espinhoso e armadilhado, de onde fugiu qualquer racionalidade.
A campanha do chamado “brexit” é outro bom exemplo da utilização da “pós-verdade” pelos defensores da saída do Reino Unido da União Europeia. Por exemplo, garantiram aos ingleses, e ficou provado que estes acreditaram, que o seu país pagava 350 milhões de libras por semana à União Europeia, que poderiam ser gastos no Serviço Nacional de Saúde britânico que atravessa graves problemas de financiamento. O efeito sentimental conseguido pela imagem do “desvio” do dinheiro dos burocratas europeus para o serviço de saúde foi completo, ainda que não tivesse qualquer relação com a realidade. Hoje em dia muitos britânicos, que não foram votar ou que o fizeram pela saída, estão arrependidos por concluírem que foram miseravelmente enganados, mas agora é tarde. Como somos sempre muito rápidos a copiar o mau, este problema também já está entre nós. Quando há poucos anos um ex-primeiro ministro começou a acusar a oposição de usar uma “narrativa”, não estava a fazer mais do que informar toda a gente que o seu discurso constituía ele próprio uma efabulação à volta de pressupostos sem qualquer relação com a realidade. Difícil de desmontar, essa técnica política veio a ter, como bem sabemos, consequências pesadíssimas para todos nós.
Claro que, como se vê, a realidade acaba sempre por fazer o seu aparecimento com toda a força; já Abraham Lincoln dizia ser possível enganar a todos por algum tempo, bem como enganar alguns por todo o tempo, mas ser impossível enganar toda a gente o tempo inteiro. Mas, entretanto, já foram provocados muitos estragos embora os próprios inventores da mentira continuem, com toda a certeza, a manter o seu discurso, sempre acusando outrem das consequências.
Um dos maiores estragos será certamente o minar da confiança dos cidadãos nas instituições democráticas. E aqui não podemos ter contemplações perante este tipo de exercício da política: não é por ser “o nosso mentiroso” isto é, o que ajudámos a eleger pelo voto que uma mentiroso deixa de o ser. A nossa obrigação de cidadania é não calar a mentira total e denunciá-la, custe o que custar. Até porque a verdade existe.