domingo, 3 de junho de 2018

Ganhar eleições: para quê?

Pois é. Em Espanha o PS também não ganhou eleições. E é governo.
Se calha sou só eu que acho esta democracia um bocado esquisita

segunda-feira, 28 de maio de 2018

Quantos trabalhadores vale um CEO?



Embora a espuma dos dias já a tenha transformado em passado mais ou menos esquecido, a notícia sobre a diferença de salários entre os responsáveis máximos das grandes empresas e os seus restantes trabalhadores merece que se regresse a ela.
Ficámos a saber que o salário médio dos presidentes das empresas cotadas na bolsa portuguesa subiu mais de 40% relativamente ao de há três anos, passando de 700 mil euros para quase um milhão de euros. Em média, os presidentes executivos ganham cerca de 46 vezes mais do que os trabalhadores das suas empresas, quando esse valor, há três anos, era de 33 vezes. Significa isto que um trabalhador médio tem que trabalhar 46 anos (curiosamente, o trabalho de uma vida até se reformar) para receber o que o presidente da sua empresa aufere num único ano. Uma explicação para esta evolução dos ordenados dos gestores residirá na melhoria da rentabilidade das empresas cotadas durante os últimos três anos, dado que os seus lucros acumulados subiram 50% para um total superior a 3,5 mil milhões de euros.
Claro que é uma informação chocante, sobretudo porque os salários médios dos trabalhadores em Portugal não tiveram aumentos semelhantes, aliás nem sequer aumentaram, antes pelo contrário. De acordo com o que se leu na imprensa, o custo médio anual de cada trabalhador dessas empresas é de 32mil euros, tendo mesmo descido 2,7% em relação ao valor de há três anos. Nada que nos possa admirar, porque cerca de 75% dos postos de trabalho criados nos últimos anos aufere o ordenado mínimo nacional. Grande parte dos trabalhadores das empresas portugueses continua a ter salários verdadeiramente indignos quando comparados com os de outros países, reflectindo aliás, uma das pechas da nossa economia que tarda a ser ultrapassada, que é a sua fraca competitividade.
Isto é o que se passa em Portugal. Contudo, se formos ver lá fora, veificamos que a diferença é ainda mais acentuada. Em Espanha os presidentes das empresas cotadas ganham, em média, 60 vezes mais que os seus empregados, na Suiça 130 vezes mais, na Alemanha 150 e nos EUA 190 vezes. Isto é, trata-se de algo que tem a ver com a actual organização económica a nível mundial. Note-se que estamos a falar de empresas cotadas nas bolsas, logo com determinada dimensão que lhes faculta o acesso a financiamento através dos mercados, o que significa também alguma participação no mundo financeiro global, para além da sua actividade económica produtiva.

Toda esta informação, para além dos montantes concretos auferidos pelos presidentes e outros gestores dessas empresas, causou alguma comoção e mesmo indignação, sobretudo a nível das redes sociais, como hoje em dia se tornou usual. E, de facto, saber que o presidente da SEMAPA levou para casa mais de 4 milhões de euros, ou que o presidente da EDP auferiu mais de 2 milhões tal como o presidente da Jerónimo Martins tendo em conta o rendimento médio das famílias portuguesas, é susceptível de provocar escândalo público. Esse sentimento nem sequer é abalado por se saber que noutras actividades esses valores são pequenos face aos rendimentos que proporcionam. Nem seria preciso ir buscar quanto ganha Ronaldo (mais de 50 milhões) ou mesmo os 65 milhões de Messi. Mesmo cá em Portugal o futebol rende a Jorge Jesus uns 6 milhões anuais, batendo aos pontos responsáveis por empresas que têm vendas de 16.000 milhões e mais de 100.000 trabalhadores como a Jerónimo Martins ou a EDP com 11.000 trabalhadores e vendas de mais de 3.000 milhões de euros e, significativamente, tal facto não causa qualquer escândalo ou comoção pública.
A empresa é uma das construções sociais de maior êxito da história da humanidade. Permitiu um desenvolvimento económico e social sem precedentes e mesmo uma distribuição de rendimentos que retirou da miséria milhões de pessoas pelo mundo inteiro. Mas deve ter também um papel importante na Justiça Social, sem o que a sua função na sociedade sairá claramente diminuída. E a diferença chocante entre quem nelas ganha mais e quem ganha menos, que hoje se vai tornando regra, não será certamente a melhor maneira de encontrar esse papel.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 28 de Maio de 2018

CABEÇA NA AREIA

Como pode uma agremiação, por exemplo um partido, viver em paz com a sua história e negar o que toda a gente conhece?
Por exemplo, metendo a cabeça na areia, fingindo que a realidade não existe.


segunda-feira, 21 de maio de 2018

Em Memória A. Arnaut

António Arnaut: relembro texto que escrevi há um ano



É indiscutível ser o Serviço Nacional de Saúde uma das mais importantes aquisições sociais dos portugueses das últimas décadas. Se algumas das decisões políticas que abriram caminho à sua existência surgiram antes do 25 de Abril, elas foram tímidas na prática, cingindo-se à regulamentação das carreiras hospitalares e à criação dos centros de saúde da primeira geração, já nos anos setenta.
O verdadeiro pontapé de saída da criação do SNS deu-se em 1978 com o Despacho ministerial publicado no Diário da República em 29 de Julho, que veio a ficar conhecido como “Despacho Arnaut” do nome do Ministro dos Assuntos Sociais, Saúde e Segurança Social que o fez publicar, António Arnaut que, acompanhado pelo Secretário de Estado da Saúde, o Médico Mário Mendes, ficaram assim ligados a este importante passo com vista a uma maior justiça social. 

O passo dado, que constituiu uma verdadeira antecipação do SNS foi tão mais importante, quanto se sabe do voluntarismo e capacidade de decisão que exigiu do principal decisor contra importantes dificuldades políticas que lhe foram levantadas de vários quadrantes, pelo que é da mais elementar justiça prestar-lhe homenagem e agradecer-lhe por isso. Pela minha parte, aqui deixo com todo o respeito o meu humilde preito e obrigado ao Dr. António Arnaut que, devo dizê-lo com frontalidade, é independente da admiração que por ele tenho no que respeita à sua notável intervenção cívica e literária. De facto, pela primeira vez, foi aberto o acesso aos cuidados de saúde existentes à altura a todos os cidadãos, sem olhar às suas condições económicas, com vista à universalidade e gratuidade da prestação de cuidados de saúde.
Ao “Despacho Arnaut” seguiu-se em 1979 a publicação da Lei 56/79 que veio a concretizar a criação do Serviço Nacional de Saúde e que garantiu o “acesso à proteção da saúde a todos os cidadãos, independentemente da sua condição económica e social, bem como aos estrangeiros, em regime de reciprocidade, apátridas e refugiados políticos”. Esta Lei acaba por trazer também a assinatura de António Arnaut como Vice-Presidente, em exercício, da Assembleia da República, quase que como fecho simbólico do seu papel na criação do SNS.
Ao longo destes quase 40 anos o SNS foi evoluindo acompanhando, umas vezes mal, outras vezes melhor, as alterações da organização social, da economia e mesmo da própria medicina cujas técnicas são hoje, mediante a vertiginosa evolução tecnológica que se tem verificado, muito diferentes do que eram há escassas dezenas de anos.
Os índices que medem a evolução da saúde, desde o aumento da longevidade média à mortalidade infantil, mostram o caminho impressionante que foi possível fazer e que se devem, em grande parte, à organização do SNS que se estende por todo o país. Mas os seus custos subiram também de forma gigantesca, o que leva o Estado à necessidade de tentar optimizar essa organização cortando redundâncias, eliminando custos supérfluos, contratualizando externamente o que faz caro ou mesmo não faz, aumentando a eficiência. Mas, muitas vezes também, cortando onde não deve cortar, nomeadamente tratamentos específicos em doenças raras e de tratamento muito dispendioso. E pratica também, tantas vezes, políticas de gestão que se vêm a voltar contra a própria pretensa poupança, como nos cortes cegos de manutenção de equipamentos e aquisição de peças suplentes, sem falar na substituição de profissionais de saúde por simples e anónimas prestações de serviços.
A vida política leva tantas vezes, na sua vertigem partidária de ataques aos adversários e de defesa automática de correligionários, a desfazer naquilo que deveria ser assumido como aquisição civilizacional, portanto o mais possível pertença de todos.
O Serviço Nacional de Saúde tem e sempre terá, problemas. Alguns deles terão a ver com a sua organização em cada momento, mas também com circunstâncias externas de que sofre as consequências. O que não deverá é deixar de ser considerado como um dos factores mais importantes da coesão social e do nosso desenvolvimento. A sua defesa é, como costuma dizer o Dr. António Arnaut, uma questão sobretudo ética e não de posicionamento político-partidário. Assim os responsáveis políticos de cada momento o sintam e saibam, com verdade, ser consequentes nas decisões que lhes dizem respeito, que são como em tudo na vida também económicas, mas sobretudo de carácter social.

A China e a nossa electricidade



A empresa chinesa “China Three Gorges”, que já detém 23,2% do capital da EDP, apresentou uma OPA para compra do resto do capital daquela que é a maior empresa portuguesa. Poder-se-ia pensar que se trata de um negócio privado que só podemos esperar que corra bem. Contudo, na realidade, não é disso que se trata. A empresa chinesa não é uma empresa privada, pertencendo ao Estado. E, como bem sabemos, nada do que se passa no Estado chinês foge ao controlo férreo do Governo e do único partido do país, o Partido Comunista Chinês. Acresce que a outra grande empresa portuguesa da área da energia, precisamente a REN que é a empresa responsável pela rede de distribuição do nosso país, tem também uma participação maioritária de uma empresa estatal chinesa, a “State Grid”. Isto é, há uma verdadeira possibilidade de o sector energético português vir a ser propriedade do governo chinês passando a sua estratégia a ser de quem o domina politicamente.
Torna-se assim óbvio que um assunto da maior importância para o país e para a nossa soberania só na aparência será resolvido pelo mercado, dependendo na verdade de factores externos que têm mais a ver com a política internacional, com o próprio domínio do mundo, em que a nossa dimensão é tão reduzida que as ondas passam-nos por cima e são tão grandes que nem lhes podemos fugir, quanto mais dominá-las. E, uma coisa é entregarmos voluntariamente soberania a uma União de Estados de que fazemos parte e onde temos voz para discutir tudo, inclusive opções económicas e financeiras. Outra coisa muito diferente é entregarmos uma fatia decisiva da nossa soberania a outro país, com um regime político completamente diferente, que usa e manipula os mercados apenas para se auto-promover como grande potência e atingir os seus próprios objectivos globais.

E qual a atitude de quem tem o dever directo e primário de defender os interesses do país? O primeiro-ministro já veio informar que o governo “não tem reservas à oferta chinesa”. Pelo seu lado o seu ministro-adjunto informou que “não irá intervir em matérias relacionadas com o sector eléctrico enquanto a operação se encontrar em curso”. Eventualmente, porque já interveio antes, ao fazer parte da “Estrutura de Missão para a capitalização das Empresas” que propôs ao Governo as alterações feitas ao Código dos Valores Imobiliários em Junho de 2016 que vieram facilitar em muito esta OPA à EDP dos chineses da “China Three Gorges” e ainda por ser à altura sócio da Linklaters, a sociedade de advogados que assessorou os chineses na preparação desta operação. Torna-se evidente que há meses que os nossos governantes têm conhecimento da preparação desta OPA da “China Three Gorges” tendo mesmo havido negociações a coberto de sigilo e às escondidas dos portugueses, embora a EDP seja uma empresa privada. Desde 2014 que existe legislação que criou um regime de salvaguarda de activos estratégicos essenciais, visando garantir “a defesa e segurança nacional e a segurança do aprovisionamento do País em serviços fundamentais para o interesse nacional, nas áreas da energia, dos transportes e comunicações.”. Se há serviço estratégico para o interesse nacional é o fornecimento da energia que nos ilumina e nos aquece. No entanto, não há notícia de que as nossas autoridades encarem a possibilidade de invocar esta garantia muito antes pelo contrário, o que se percebe é uma vontade de estender uma passadeira vermelha aos chineses para o domínio total da EDP, incluindo a estrategicamente apetecível EDP Renováveis.
Isto é, com esta posição governamental, a defesa dos nossos interesses nacionais está nas mãos de diversas instituições cujas funções e objectivos não têm directamente a ver com o país mas com a defesa de mercados a nível nacional e comunitário, mas também transnacional incluindo outros países onde a EDP desenvolve actividades. A envolvente de um negócio de mais de dez mil milhões de euros com matizes políticas deveria ser muito mais transparente para que os portugueses sintam que os interesses nacionais estão a ser completamente defendidos por acções e não apenas por palavras.