A empresa chinesa “China Three Gorges”, que já detém 23,2% do capital da
EDP, apresentou uma OPA para compra do resto do capital daquela que é a maior
empresa portuguesa. Poder-se-ia pensar que se trata de um negócio privado que
só podemos esperar que corra bem. Contudo, na realidade, não é disso que se
trata. A empresa chinesa não é uma empresa privada, pertencendo ao Estado. E,
como bem sabemos, nada do que se passa no Estado chinês foge ao controlo férreo
do Governo e do único partido do país, o Partido Comunista Chinês. Acresce que
a outra grande empresa portuguesa da área da energia, precisamente a REN que é
a empresa responsável pela rede de distribuição do nosso país, tem também uma
participação maioritária de uma empresa estatal chinesa, a “State Grid”. Isto
é, há uma verdadeira possibilidade de o sector energético português vir a ser
propriedade do governo chinês passando a sua estratégia a ser de quem o domina
politicamente.
Torna-se assim óbvio que um assunto da maior importância para o país e
para a nossa soberania só na aparência será resolvido pelo mercado, dependendo
na verdade de factores externos que têm mais a ver com a política
internacional, com o próprio domínio do mundo, em que a nossa dimensão é tão
reduzida que as ondas passam-nos por cima e são tão grandes que nem lhes podemos
fugir, quanto mais dominá-las. E, uma coisa é entregarmos voluntariamente soberania
a uma União de Estados de que fazemos parte e onde temos voz para discutir
tudo, inclusive opções económicas e financeiras. Outra coisa muito diferente é
entregarmos uma fatia decisiva da nossa soberania a outro país, com um regime
político completamente diferente, que usa e manipula os mercados apenas para se
auto-promover como grande potência e atingir os seus próprios objectivos
globais.
E qual a atitude de quem tem o dever directo e primário de defender os
interesses do país? O primeiro-ministro já veio informar que o governo “não tem
reservas à oferta chinesa”. Pelo seu lado o seu ministro-adjunto informou que “não
irá intervir em matérias relacionadas com o sector eléctrico enquanto a
operação se encontrar em curso”. Eventualmente, porque já interveio antes, ao
fazer parte da “Estrutura de Missão para a capitalização das Empresas” que
propôs ao Governo as alterações feitas ao Código dos Valores Imobiliários em
Junho de 2016 que vieram facilitar em muito esta OPA à EDP dos chineses da “China
Three Gorges” e ainda por ser à altura sócio da Linklaters, a sociedade de
advogados que assessorou os chineses na preparação desta operação. Torna-se
evidente que há meses que os nossos governantes têm conhecimento da preparação
desta OPA da “China Three Gorges” tendo mesmo havido negociações a coberto de
sigilo e às escondidas dos portugueses, embora a EDP seja uma empresa privada.
Desde 2014 que existe legislação que criou um regime de salvaguarda de activos
estratégicos essenciais, visando garantir “a defesa e segurança nacional e a
segurança do aprovisionamento do País em serviços fundamentais para o interesse
nacional, nas áreas da energia, dos transportes e comunicações.”. Se há serviço
estratégico para o interesse nacional é o fornecimento da energia que nos
ilumina e nos aquece. No entanto, não há notícia de que as nossas autoridades
encarem a possibilidade de invocar esta garantia muito antes pelo contrário, o
que se percebe é uma vontade de estender uma passadeira vermelha aos chineses
para o domínio total da EDP, incluindo a estrategicamente apetecível EDP
Renováveis.
Isto é, com esta posição governamental, a defesa dos nossos interesses
nacionais está nas mãos de diversas instituições cujas funções e objectivos não
têm directamente a ver com o país mas com a defesa de mercados a nível nacional
e comunitário, mas também transnacional incluindo outros países onde a EDP
desenvolve actividades. A envolvente de um negócio de mais de dez mil milhões
de euros com matizes políticas deveria ser muito mais transparente para que os
portugueses sintam que os interesses nacionais estão a ser completamente
defendidos por acções e não apenas por palavras.
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