segunda-feira, 18 de março de 2019

A ACADEMIA DE COIMBRA NAS INVASÕES FRANCESAS


A Academia de Coimbra tem uma longa História, contando com alguns episódios que bem mereciam sair do esquecimento generalizado. A actuação do “Corpo Militar Académico de Coimbra” durante as Invasões Francesas constitui um marco histórico e demonstra como a Universidade pode não se manter alheia da Cidade e, antes pelo contrário, participar decisivamente na vida colectiva, mesmo nos momentos mais difíceis.
Na primeira Invasão, Junot chegou a Lisboa à frente do seu “exército da Gironda” em 30 de Novembro de 1807, apenas para ter a decepção de ver ao longe os últimos navios que, rumando ao Brasil, levavam a corte portuguesa que assim se furtou a ter que receber os invasores. Bem depressa as promessas de boa colaboração e respeito por parte de Junot se esfumaram, sendo o símbolo maior a substituição das bandeiras das quinas pelas tricolores no Castelo de S. Jorge. E, em 1 de Fevereiro seguinte, a regência portuguesa foi substituída por um governo em nome de Napoleão. Não demorou muito para que o povo se começasse a rebelar contra os franceses, um pouco por todo o país, com início no Porto, mas tendo Coimbra aderido a esse movimento, logo em 23 de Junho de 1808. A guarnição francesa que se encontrava aquartelada no antigo Colégio de S. Tomás, ao fundo da então chamada Rua de Sta. Sophia foi atacada e aprisionada, tendo o povo subido à Universidade e nomeado seu governador o Vice-Reitor Manuel Aragão Trigoso que designou José Freire de Andrada como governador militar. Como primeira acção militar foi definido o ataque ao Forte da Figueira da Foz, onde se encontrava uma guarnição francesa que dispunha de artilharia que fazia falta para a defesa de Coimbra. O comando da unidade encarregada do ataque foi entregue a um aluno da Universidade, o sargento Zagallo que, à frente de uma pequena força composta por algumas dezenas de voluntários, na sua maioria estudantes, se dirigiu à Figueira da Foz, tendo-se-lhe juntado uns 3.000 populares pelo caminho. O sucesso total da operação foi apenas o início de uma notável actuação do “batalhão académico” ao longo da tragédia que as três invasões francesas significaram para Portugal e para o seu povo.
No início daquele Verão de 1808 Coimbra preparou-se energicamente para dar luta às forças comandadas por Loison (o tragicamente célebre “Maneta”) que se acreditava estarem em Viseu preparadas para vir atacar a cidade. Foi assim que o Lente de Química Doutor Tomé Rodrigues Sobral transformou o laboratório da Universidade numa fábrica de pólvora e o Doutor José Bonifácio Andrada e Silva dirigiu uma equipa de professores e alunos da Universidade para fundir balas, enquanto noutro local se fabricavam armas e outros apetrechos para a guerra. Formou-se então o “Corpo Voluntário Académico” que uniu professores e estudantes da Universidade em 6 companhias de infantaria, uma companhia de cavalaria e outra de artilharia. O comando foi entregue ao Lente de Matemática Tristão Álvares da Costa Silveira. Estes voluntários foram fardados condignamente, sendo identificados por uma chapa com os dizeres: “Voluntário Académico” e “Vencer ou morrer por D. João VI”.
O “Corpo Voluntário Académico” viria a ter acção destacada nas duas primeiras invasões, tendo participado também na terceira, na defesa preventiva de Coimbra, perante a retirada das tropas de Massena.
De entre os numerosos voluntários académicos que participaram valentemente na guerra das Invasões Francesas, é de referir dois deles, pelo destaque que viriam a ter posteriormente, durante o liberalismo: Rodrigo da Fonseca, aluno do 1º ano de Matemática e Filosofia e Joaquim António de Aguiar, aluno do 1º ano jurídico.
Perante a tragédia, Cidade e Universidade foram capazes de se fundir inteiramente e responder ao terrível desafio colocado, provando que unidas são mais fortes. Que nos sirva de lição, a todos.
NOTA AOS LEITORES: Algum grau de pormenorização desta crónica só foi tornado possível pela informação preciosa contida no opúsculo comemorativo do 1º Centenário da Guerra Peninsular publicado em 1918, da autoria de Fernando Barreiros, intitulado “Notícia Histórica do Corpo Militar Académico de Coimbra (1808-1811).
Texto publicado originalmente no Diário de Coimbra em 18 de Março de 2019

segunda-feira, 11 de março de 2019

A REGIONALIZAÇÃO, DE NOVO


De uma forma ainda algo encapotada, a questão da regionalização vai sendo reintroduzida na agenda política nacional. Vem um pouco à boleia da chamada “descentralização” aprovada pelo actual governo e que consiste, basicamente, na transferência, para os municípios, de determinadas competências que hoje são governamentais. Contudo, as propostas de transferência não foram acompanhadas do envelope financeiro necessário para que as autarquias possam exercer as novas competências, embora se prometa que tal se fará mais tarde. Não estando essa despesa prevista no Orçamento Geral do Estado a desconfiança sobre o processo de financiamento é inteiramente legítima. Umas por essa razão, outras por não concordarem com as próprias competências a transferir, uma parte das autarquias recusou a “oferta. Não certamente por acaso, já se começou a ouvir falar na necessidade de criação de taxas para tornar sustentáveis as novas competências das autarquias. Ora, tratando-se de transferência de competências hoje asseguradas e se as autarquias vão ser compensadas financeiramente para as receber, a que propósito é que os cidadãos vão suportar ainda mais impostos/taxas?
Todo este processo é um mau indicador para a discussão da regionalização, que começa a aflorar. Como é sabido, a criação de regiões administrativas encontra-se prevista na própria Constituição de 1976. Já houve uma tentativa para criar as regiões em 1998 mas o respectivo referendo, obrigatório por revisão constitucional de 1997, não foi vionculativo devido à elevada abstenção; de qualquer forma, a rejeição da proposta de criação de 8 regiões administrativas por mais de 60% dos votantes deu uma boa indicação do que os portugueses pensavam então sobre a proposta que tinha sido aprovada pelo PS, PCP e PEV na Assembleia da República.
As perguntas a fazer pelos portugueses e que terão de ser respondidas serão: quais são realmente os obstáculos que têm impedido o crescimento da nossa economia nos últimos trinta anos, em particular desde o início do século? A regionalização é uma solução para esses problemas? Será mesmo a melhor solução, isto é a mais eficiente? Relativamente ao ordenamento do território, há hoje necessidade de criar um patamar intermédio entre o Estado central e os Municípios e as CIM’s?

Na realidade, o ordenamento do território não parece hoje precisar de um patamar de decisão política intermédio. O país já está dotado de um número de equipamentos muito superior às necessidades pelo que a economia de escala deveria ter sido adoptada há trinta ou quarenta nos, estando hoje ultrapassada, por excesso. Quando se fala em regiões pensa-se sempre na distribuição de fundos europeus. Pois bem, mesmo aí a questão essencial não é espacial e sim funcional. A economia é que necessita de financiamento porque, com as actuais dívidas monstruosas ao estrangeiro, o capital é a principal carência do país. Bem podemos alindar as vilas e cidades que não será isso que criará riqueza, nem atrairá populações para as zonas interiores.
A criação das regiões administrativas não irá, por si, resolver os problemas graves que temos a nível de justiça, de educação, de saúde, de produção económica, de competitividade, não constituindo, portanto, um ganho de eficiência a nível nacional. Nem sequer trará a reforma administrativa de que o país necessita a nível de municípios e freguesias. Tal como não resolverá os problemas do actual sistema eleitoral, que promove o afastamento dos eleitores dos seus representantes.
As regiões administrativas iriam criar um novo nível de decisão política, afastando ainda mais os decisores nacionais dos problemas concretos e das populações. De caminho resolveriam, isso sim, o problema dos numerosos políticos que hoje já não encontram lugar no sistema e que teriam acesso a toda uma nova oferta de lugares que se abriria. E que, não tenhamos dúvidas, necessitaria de mais dinheiro dos impostos, só para existir.
Por outro lado não deixa de ser significativo que, mesmo prevista na Constituição, a regionalização administrativa nunca foi concretizada. E isso devia acender as luzes vermelhas da prudência e levar a perguntar sobre os verdadeiros motivos que levam a levantar esta questão.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 11 de Março de 2019

domingo, 10 de março de 2019

Oliveira do Hospital

Esta era imagem de fundo da minha meninice. A Serra da Estrela vista de Oliveira do Hospital, no Inverno. De uma beleza extraordinária.

Retirada de https://www.facebook.com/groups/347692406080944/?ref=group_header


Retirada de https://www.facebook.com/groups/347692406080944/?ref=group_header

segunda-feira, 4 de março de 2019

POIS É, MAS…



São interessantes estes tempos que vivemos. No fim de uma legislatura cuja governação assentou num claro equívoco que salvou do esquecimento o líder de um partido que, em vez de vencer claramente como era suposto, acabou por ter uma derrota humilhante, os problemas laboriosamente escondidos teimam em sair para a luz do Sol. Os partidos que num acordo parlamentar negativo, porque assente apenas na rejeição de quem tinha ganho, ofereceram uma tábua de salvação a António Costa, lutam agora desesperadamente por mostrarem não ser aquilo que foram durante três anos.
Um dos claros sinais é a intensa utilização da conjunção coordenativa adversativa “mas” que parece ter chegado para ficar na linguagem política e que, se aparentemente poderá significar uma honesta posição de análise perante diferentes pontos de vista, muitas vezes mostra a hipocrisia generalizada destes dias.
É assim que “os enfermeiros têm razão, mas foram longe demais na forme de greve que adoptaram”. Ou, “os professores têm razão, mas não há dinheiro para lhes pagar aquilo a que têm direito”. Ou então, “realmente não fica bem familiares directos serem ministros do mesmo governo, mas sendo competentes não podem ser prejudicados por isso.” Realmente a linguagem toma muitas vezes o lugar do que deveria significar, assim transformando a própria realidade. E vêm-nos falar constantemente de “fake news”. Como diria o saudoso diácono Remédios, “não havia necessidade”, com aquele seu jeito delicioso de trocar os “s” por “x”.
A maioria sonhada ali ao alcance da mão parece fugir diariamente à medida que a realidade se vai impondo, obrigando a encarar assuntos difíceis que sublinham perante os olhos de todos a contradição entre o que se disse e o que se faz. Se a austeridade acabou e se foi possível construir outro caminho para o crescimento, por que razão não se paga aos professores aquilo a que todos reconhecem ter direito, isto é, a contagem do tempo de serviço que efectivamente prestaram? Tal como acontece com os enfermeiros que, se não cumpriram a lei da greve, não é por isso que deixam de ter razão nas reivindicações.
O argumento do cumprimento do défice só serve mesmo para União Europeia ver uma vez que, cá dentro, toda a gente já percebeu de que forma são feitas as contas para chegar àquele grande sucesso. A maior contração de investimento público de que há memória, associada ao fecho da torneira para as despesas correntes e necessárias através de cativações e a não autorização de despesas orçamentadas está a deixar o país exangue e com dificuldades respiratórias. A notícia recente de que o hospital de Chaves teve que adiar cirurgias por falta de “fio de sutura” é a prova cabal do que escrevo mostrando que estamos a assistir ao maior ataque de sempre ao SNS.

Os portugueses não têm culpa nenhuma do complexo das “más contas” que cai sobre o partido governamental e da sua necessidade de se apresentar na Europa como bom aluno da ortodoxia orçamental, nem que para isso tenha que dar cabo do funcionamento normal do país sete anos depois de ter chamado a troica de má memória. Nem, muito menos, têm que sofrer para alimentar as ambições europeias do ministro das Finanças através do “martelanço” evidente das contas públicas e de uma carga fiscal como não há memória.
Há ainda outros “mas” em Portugal, e de grande significado. O desemprego que descia desde 2014 deu a volta no fundo e já voltou a subir o que aliás é normal que aconteça. O “mas” da descida do desemprego é que foi obtido com empregos de fraca qualidade, puxando o salário médio para valor próximo do salário mínimo que, incrivelmente, deixou se o ser para o sector público numa diferenciação inaceitável, porque injusta.
Por fim, e ao contrário do que foi prometido, não foi o consumo interno que promoveu o anémico crescimento dos últimos anos que em breve nos colocará como lanterna vermelha da União Europeia, MAS sim as exportações, isto é a economia privada. Sim, aquela que produz riqueza, que todos os dias é vilipendiada e que aguenta com uma carga fiscal tremenda que a impede de crescer o que podia.
 Texto publicado originalmente no Diário de Coimbra em 3 de Março de 2019