segunda-feira, 20 de abril de 2020

A POLÍTICA NA COVID-19


A actual pandemia que nos traz a todos numa aflição tem, na sua complexidade, aspectos diversos que aqui tenho tentado abordar ao longo das últimas semanas. Para o fim deixei a abordagem política que, como é natural, acaba por influenciar todas as outras. A situação provocada pela pandemia COVID-19 caracteriza-se por ser nova e única. Como tal, a abordagem política reveste-se de uma grande dose de incerteza, já que não se pode ir aos livros buscar soluções sendo necessário abrir novos caminhos para percorrer. E os académicos apenas podem apresentar dados parciais, competindo aos decisores políticos tomar decisões que a todos importam e arcar com as respectivas consequências. Para o bem e para o mal. Dir-se-á que é para isso que se candidataram e foram eleitos, para governar nos bons e maus momentos e é verdade. Mas não podemos deixar de ter consciência da extrema dificuldade dos momentos que atravessamos até regressarmos à vida que era a nossa ainda há escassas semanas e de ter isso em mente quando abordamos as decisões políticas, cá e na União Europeia que são as que nos interessam mais directamente.
A resposta política à ameaça do novo coronavírus na quase totalidade dos países traduziu-se, basicamente, em confinar os cidadãos às suas residências e no congelamento da economia. A que se veio juntar, entre nós, a declaração de estado de emergência, com limitação de várias liberdades individuais.
Depois destas intervenções cabe igualmente à política preparar a recuperação da economia, para além de repor as situações sociais anteriores, logo que a evolução sanitária da pandemia o permita. Esse retirar da economia do congelador não vai ser instantâneo, porque não existe um botão LIGAR/DESLIGAR para esse efeito. Muitas empresas demorarão a retomar a sua velocidade de cruzeiro e outras não retomarão a actividade, pura e simplesmente.
A paragem da economia traduz-se numa queda brutal do produto em
2020, que só será recuperado nos anos seguintes. Embora todos os países estejam com este problema, Portugal encontra-se numa situação crítica para o enfrentar, dado não ter aproveitado os últimos anos de crescimento (as tais vacas gordas a que se refere o Primeiro-Ministro) para realizar reformas estruturais da economia e reduzir significativamente a dívida pública, que é um pouco superior a 118% do PIB. Vamos precisar de financiamento externo para pagar os apoios às empresas durante a crise e depois para a recuperação. A nossa dívida vai assim subir por dois motivos: novos empréstimos e descida do PIB, podendo atingir o patamar dos 135%, já no próximo ano. Isto, apesar de as verbas que temos previstas para apoiar a economia serem, em termos relativos, metade do que Espanha está a fazer e ainda menos que os outros países da União Europeia.
Como a nossa capacidade própria de financiamento ainda está debaixo do chapéu da acção do BCE, será através da União Europeia que nos chegará o dinheiro necessário para financiar tudo isto. A última reunião do Eurogrupo aprovou uma verba para cada país no montante de 2% do PIB de cada um o que é manifestamente pouco, para além de verbas menores específicas para apoiar emprego e empresas. O instituto utilizado para estas transferências, que são empréstimos (a juntar à dívida e a pagar futuramente), é o Mecanismo Europeu de Estabilidade, uma espécie de FMI interno da União.
Não chegou ainda o tempo da emissão de dívida comum europeia, os tão ansiados Eurobonds, nem mesmo em versão mitigada e específica de «coronabonds». Chegou, contudo, o tempo de começar a discuti-los e encontrar condições para o seu surgimento. Essa novidade terá que ser aprovada por unanimidade pelos estados membros e, quando surgir, trará necessariamente agarrada uma alteração política profunda da União Europeia com novas e fortes transferências de soberania dos países para a União. As dificuldades são imensas mas os responsáveis políticos europeus, incluindo os portugueses, têm que, urgentemente, encontrar bases de entendimento, com cedências mútuas, que permitam responder a um problema novo, de uma dimensão enorme e que toca a todos. A alternativa, pelo menos para nós, seria uma tragédia de empobrecimento inominável.


Publicado originalmente na edição do Diário de Coimbra de 20 de Março de 2020

domingo, 19 de abril de 2020

A MOLEIRINHA de Guerra Junqueiro

Recordado, através de Rentes de Carvalho. Aqui.

"A Moleirinha" de Guerra Junqueiro:


 Pela estrada plana, toc, toc, toc,
Guia o jumentinho uma velhinha errante.
Como vão ligeiros, ambos a reboque,
Antes que anoiteça, toc, toc, toc,
A velhinha atraz, o jumentito adiante!...

Toc, toc, a velha vae para o moinho,
Tem oitenta anos, bem bonito rol!...
E comtudo alegre como um passarinho,
Toc, toc, e fresca como o branco linho,
De manhã nas relvas a córar ao sol.

Vae sem cabeçada, em liberdade franca,
O gerico russo d'uma linda côr;
Nunca foi ferrado, nunca usou retranca,
Tange-o, toc, toc, a moleirinha branca
Com o galho verde d'uma giesta em flor.

Vendo esta velhita, encarquilhada e benta,
Toc, toc, toc, que recordação!
Minha avó ceguinha se me representa...
Tinha eu seis anos, tinha ella oitenta,
Quem me fez o berço fez-lhe o seu caixão!...

Toc, toc, toc, lindo burriquito,
Para as minhas filhas quem m'o dera a mim!
Nada mais gracioso, nada mais bonito!
Quando a Virgem pura foi para o Egipto,
Com certeza ia n'um burrico assim.


Toc, toc, é tarde, moleirinha santa!
Nascem as estrellas, vivas, em cardume...
Toc, toc, toc, e quando o galo canta,
Logo a moleirinha, toc, se levanta,
P'ra vestir os netos, p'ra acender o lume...

Toc, toc, toc, como se espaneja,
Lindo o jumentinho pela estrada chan!
Tão ingenuo e humilde, dá-me, salvo seja,
Dá-me até vontade de o levar á egreja,
Baptisar-lhe a alma p'ra a fazer cristan!

Toc, toc, toc, e a moleirinha antiga,
Toda, toda branca, vae n'uma frescata...
Foi enfarinhada, sorridente amiga,
Pela mó da azenha com farinha triga,
Pelos anjos loiros com luar de prata!...


Toc, toc, como o burriquito avança!
Que prazer d'outrora para os olhos meus!
Minha avó contou-me quando fui creança,
Que era assim tal qual a jumentinha mansa
Que adorou nas palhas o menino Deos...

Toc, toc, é noite... ouvem-se ao longe os sinos,
Moleirinha branca, branca de luar!...
Toc, toc, e os astros abrem diamantinos,
Como estremunhados cherubins divinos,
Os olhitos meigos para a ver passar...

Toc, toc, e vendo sideral tesoiro,
Entre os milhões d'astros o luar sem veo,
O burrico pensa: Quanto milho loiro!
Quem será que moe estas farinhas d'oiro
Com a mó de jaspe que anda alem no ceo!...
Novembro de 1889

Maria Callas Villa Lobos Bachianas Brasileiras n 5

segunda-feira, 13 de abril de 2020

«PILARES DA CRIAÇÃO»

Fotografia da NASA através do Hubble, mostrando as formações de gás e areia da nebulosa Águia.
Como eles dizem, de perder a respiração.