quinta-feira, 13 de agosto de 2020

Procuradoria Europeia

A União Europeia decidiu criar uma Procuradoria Europeia com o objectivo de, entre outros, combater a fraude no uso de fundos europeus. Como está bom de ver, os estados são os principais visados, já que são eles os principais responsáveis pela utilização desses fundos. Para a escolha dos novos Procuradores Europeus, a União estabeleceu um processo: cada Estado indicaria uma lista de 3 personalidades que depois seriam objecto de análise por um júri europeu para escolha do Procurador. O Governo português indicou 3 personalidades, o júri europeu escolheu a Procuradora Ana Carla Almeida e….., bem o Governo português não aceitou a escolha e decidiu que o Procurador escolhido seria José Guerra.

Escuso-me de indicar aqui as razões por que o Governo não terá aceite Ana Carla Almeida bem como as razões por que preferiu José Guerra. Estão à vista de todos e dizem bem da preocupação deste Governo em não ter chatices com a nova instituição europeia.

“Et pour cause”…

 

PETIÇÕES

 

 

Esteve muito bem o Presidente da República ao mandar para trás a alteração legislativa da Assembleia da República que passava o número mínimo de assinaturas das petições públicas de 4.000 para 10.000 para que tenham que ser discutidas na AR. Muito mal andou o PSD ao aprovar esta alteração e, ainda por cima, ser mais papista que o papa, quando propôs 15.000 em vez de 10.000.

PIOR É IMPOSSÍVEL

segunda-feira, 10 de agosto de 2020

MEMÓRIAS E VIDAS

 

A marcha do tempo que às vezes nos parece tão vagarosa mas que ao olhar para trás mais parece uma corrida louca num túnel prega-nos, por vezes, partidas onde menos as esperávamos. O regresso a locais da infância e da juventude, ao fazer reviver aquelas gratas recordações que guardamos na memória e, fundamentalmente, no afecto a que os antigos chamavam coração, pode constituir um choque no dia-a-dia que vamos vivendo.

E é assim que no regresso a determinados locais um turbilhão de sensações nos atinge como uma tempestade que não previmos e de que não podemos fugir. Dos campos de ténis incrivelmente existentes numa aldeia florestal da Beira Baixa, onde há cinco décadas se aprendeu a jogar com jovens estudantes ingleses em férias estivais, restam uns vestígios com umas redes desfeitas, sem qualquer préstimo para os jovens de hoje. Tal como o fontenário onde se levavam cântaros ao fim do dia para encher o depósito em casa por não haver água canalizada, onde se juntava gente com o mesmo fim e se aproveitava o tempo para conversar e, porque não dizê-lo? para um ou outro namorico. O tanque com a torneira continua lá, mas quem passa não imagina quão importante foi em tempos e de como servia também como agregador de relações. O caminho entre pedras e água da ribeira que levava ao Rio Zêzere onde grupos de jovens passavam tardes quentes de Verão desapareceu debaixo de um matagal impenetrável que mostra a facilidade com que os incêndios surgem e se desenvolvem em montes e vales onde não se vê vivalma. Eram tempos de convívio fácil e conversa imediata, com utilização despreocupada de locais paradisíacos da natureza, curiosamente sem quaisquer explorações comerciais, cancro que mina hoje todas as actividades, mesmo as de lazer simples.

Hoje em dia quase parece impossível que esses tempos foram uma realidade e o simples facto de o recordar é provável que suscite no leitor desta crónica um sentimento de que o autor foi possuído por um espírito saudosista ou mesmo nostálgico. Nada de mais errado. O texto é apenas resultado de uma consciencialização de que um tempo que já passou sobrevive hoje apenas na nossa memória e de que filhos e netos poderão visitar os mesmos locais que as suas experiências serão tão diferentes que dificilmente entenderão uma descrição do passado. As memórias pessoais suscitadas por elementos materiais concretos transformaram-se com o tempo noutras que se assemelham às memórias de cheiros ou de músicas ouvidas há muito, que foram e são apenas sensações vividas no nosso cérebro que, adormecidas, acordam de súbito para emergir na consciência em determinadas circunstâncias, como passagem em certos locais.

Mesmo na actualidade, o contraste de vivências que, de uma forma ou de outra, foram as nossas até há poucos meses, com o tempo presente marcado pela pandemia é marcante. O contacto inter-pessoal praticamente desapareceu, com os abraços e apertos de mão a serem substituídos por cotoveladas patéticas. O surgimento de novos relacionamentos está prejudicado pelo encerramento de locais de convívio e os simples cafés parece terem perdido o seu papel de facilitador de conversas despreocupadas. As pessoas adquiriram medo umas das outras, sendo possível ver alguém perto de umas escadas rolantes num centro comercial afastar-se com receio assim que alguém se aproxima, ainda que ambos usem máscara e estejam a vários metros de distância. Um sentimento difuso de culpa colectiva acompanha o medo generalizado, fazendo lembrar os tempos inquisitoriais em que era impossível estar certo de não se ter cometido alguma falta.

Poderá haver, e haverá certamente, comportamentos sociais trazidos pela pandemia que serão, mais cedo ou mais tarde, abandonados ou corrigidos com a evolução do combate à doença que lhe deu origem. Mas não voltaremos aos tempos de antes, que agora percebemos serem de felicidade simples. E as novas gerações, atordoadas com uma evidente dificuldade em estabelecer padrões escolares saudáveis dificilmente terão capacidade para fugir a uma «normalidade» doentia que tanto lhes coloca os pais permanentemente em casa a trabalhar no computador, como os retira das salas de aula e os separa de colegas e amigos.

O Homem é um animal de memórias, que necessita de experiências vivenciais e as utiliza para se organizar e evoluir. Que memórias se têm de criança e de jovem será, provavelmente, um factor decisivo na construção da personalidade. Pensemos nisto, nestes tempos difíceis por que passamos, porque as consequências das atitudes sociais ver-se-ão daqui a umas dezenas de anos, quando já forem uma consequência impossível de alterar.
 
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 10 de Agosto de 2020

sexta-feira, 7 de agosto de 2020

BENFICA INACREDITÁVEL

 Parece que a viagem de regresso de Jorge Jesus a Portugal, a expensas do Benfica, custou 230.000 euros. Mais uma cavadela no buraco do futebol português de onde a vergonha anda há muito tempo arredada.



segunda-feira, 3 de agosto de 2020

OLHAR O FUTURO

A pandemia COVID 19 veio abalar a normalidade das vidas em todo o mundo e também entre nós e na Europa o que nos interessa sobremaneira. Em Portugal as alterações a nível económico e político ainda não são claramente visíveis, mas vão ser profundas. Até porque não será mais possível manter um sistema disfuncional e, porque não dizê-lo frontalmente, corrupto, que não nos deixa crescer até finalmente nos podermos considerar na média europeia, já que acima disso parece ser mesmo uma impossibilidade.

A União Europeia, finalmente, foi ao mercado financiar-se para entregar dinheiro aos estados membros em aflição por causa do coronavirus. Muita gente bateu palmas a esta atitude em que, pela primeira vez, a U.E. distribui dinheiro não proveniente dos orçamentos dos estados membros, não percebendo que se está a dar um passo gigantesco rumo ao federalismo que, se calhar, não querem. E que, neste momento, a União não tem um governo democrático eleito pelos cidadãos europeus, pelo que a regra universal das democracias de «no taxation without representation» não está a ser seguida na União, o que vai ter consequências.

Pelo menos as últimas duas dezenas de anos têm sido um desastre para Portugal. A vinda da troica em 2011 não caiu do céu aos trambolhões: foi consequência de opções políticas erradas, mas fundamentalmente da captura do Estado por inúmeras corporações. O que se passou com o BES, com a PT e o que se vai agora descobrindo, também com a EDP, significou uma capacidade de criar rendas para alguns à custa dos portugueses. A perda de valor com o BES e com a PT está a ser paga pela falta de crescimento da economia portuguesa, sistematicamente descapitalizada, apesar dos milhares de milhões vindos da União Europeia desviados pelo Estado do crescimento económico para financiar o seu funcionamento corrente, para o qual não chega uma carga fiscal gigantesca. As rendas das PPP rodoviárias que se mantêm, os CMEC (custos de manutenção de equilíbrio contratual) da electricidade, as garantias de preços das eólicas são alguns dos pesos que os portugueses e o resto da economia têm de suportar e que não os deixam levantar a cabeça. O que se passa agora com a venda de activos do Novo Banco é apenas o «resto» dos custos do BES, que o Estado resolveu assumir contratualmente de forma ínvia, para se livrar do problema. Tudo o resto que se discute é areia atirada para os olhos dos portugueses pela classe política, do governo à oposição.

Apesar de os líderes políticos, desde o presidente da República ao primeiro-Ministro passando pelos líderes da oposição, tudo fazerem para transmitir segurança provavelmente assustados com o que vão sabendo, na verdade a realidade, apenas colocada a nu mais cedo pela pandemia, vai-se impor a curto prazo de uma forma avassaladora e pouco restará do que tem sido a nossa «normalidade». Um sintoma disso mesmo foram as duas entrevistas a dois políticos socialistas fora do actual sistema, Francisco Assis e Sérgio Sousa Pinto que vieram neste momento agitar as águas políticas, mostrando que, muito provavelmente, o futuro do PS não passará nem por Pedro Nuno Santos nem por Fernando Medina, lídimos representantes do PS que nos trouxe até aqui. A mão dada por Rui Rio a Costa com a mudança dos debates parlamentares com o PM de quinzenais para de dois em dois meses é igualmente sinal de fragilidade perante as mudanças profundas que se anunciam. Que o desconforto comece dentro do partido do poder é perfeitamente normal, porque é o que, de momento, mais tem a perder.

A evidência de que não temos capacidade financeira para enfrentar as consequências da pandemia no produto, no desemprego e no desaparecimento de empresas surgiu patente na necessidade absoluta de mais transferências urgentes da União Europeia. O plano/catálogo apresentado por um consultor do Governo é uma lista de «desejos» a maior parte deles irrealizável, já que se os dinheiros europeus chegarem para recuperar da pandemia rapidamente já não será mau. Apresentar como salvação nacional uma relação de todos os projectos de investimento público que têm sido falados ao longo de dezenas de anos, a que se juntam alguns novos, de novo rentistas, como o hidrogénio verde, é pensar que a «normalidade» vai continuar e fechar os olhos perante a realidade. Ainda não perceberam, ou tentam desesperadamente evitá-lo, que o sistema de que têm vivido à custa do crescimento vai ser inevitavelmente desmantelado.

O passado e o presente deveriam fazer parar os responsáveis para tentar perceber o que nos trará o futuro. Tal não está a acontecer, estando os actuais políticos apenas a pensar no seu próprio futuro imediato, ainda que, de vez em quando, vão reconhecendo que esta é a maior crise desde o «crash da bolsa» de 1929, ou mesmo pior. Vão ser destroçados por uma realidade que se imporá sem contemplações e que não deixará pedra sobre pedra do actual sistema.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 3 de Agosto de 2020