segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

Um problema complexo


Passado que está o período de eleições legislativas e formação do Governo que, embora minoritário, foi aprovado por maioria na AR, é tempo de pensar no que interessa ao futuro dos portugueses.
Na sequência de quatro anos de austeridade ditada pela troika chamada por Portugal num momento de incapacidade de assumir os seus compromissos internos e exteriores, a evolução dos principais indicadores económicos e sociais chegou aos pontos de inflexão e começou finalmente a permitir encarar o futuro com outra confiança. Índices de desemprego e de emprego, produto e exportações deixaram a sua evolução negativa e passaram para o lado favorável. Os únicos factores em que a soberania nacional permite mexer depois da entrada no Euro, a despesa pública e a dívida pública, entraram também no caminho do controlo, o que permite que se larguem gradualmente as medidas de austeridade.
Mas não estamos numa zona de facilidades, nem devido à nossa situação de contas públicas, nem pela situação económica na União Europeia e no resto do mundo, pelo que o nosso caminho futuro ainda está cheio de perigos.

Continua a ouvir-se de forma bem audível que o caminho para Portugal deverá ser o crescimento económico induzido pelo consumo, assim se substituindo a desnecessária austeridade que se diz ter servido apenas para atrasar o país, por um caminho dito verdadeiramente virtuoso. Argumenta-se que cortar no défice corresponde apenas a cumprir ordens da União Europeia, em particular da Alemanha, pelo que atingido o patamar dos 3% a descida deverá ser mais lenta, sendo o correspondente aumento da dívida uma necessidade a renegociar, logo que possível.
Acredita-se na via keynesiana milagrosa: o crescimento económico vai fazer baixar o défice de forma gradual, através de aumento das receitas fiscais e diminuição de despesas sociais, por via da diminuição do desemprego. E como surgirá esse crescimento económico? Fomentando o consumo pelo aumento do dinheiro disponível. Acredita-se que, gastando-se mais, a economia crescerá automaticamente, como se ainda fossemos um país fechado ao exterior, com importações limitadas administrativamente e não um país pertencente a uma união económica e que importa grande parte do que consome.
No entanto, a verdade é que a questão fundamental da economia está nas empresas e na sua capacidade de produção de forma competitiva. É no ambiente favorável ao bom funcionamento das empresas que está o segredo do nosso crescimento económico. Os impostos altos sobre as empresas reflectem-se de 4 formas: preços mais altos nos bens que produzem, menos lucros, menos empregos ou salários mais baixos. Os estimados neo-keynesianos, chamemos-lhes assim, hoje acompanhados entre nós por marxistas-leninistas assumidos e ainda por trotskistas, poderão estar convencidos que a taxação alta das empresas é absorvida por menos lucros dos investidores ou que será possível aumentar os preços e venda dos produtos. A realidade não é essa: quem perde são os trabalhadores com menos empregos e salários mais baixos. A rarefacção do dinheiro, a extrema competitividade dos mercados globalizados e a fraca capitalização das empresas leva a isso, não haja dúvidas. E não vai melhorar, por mais que os esquerdistas radicais sonhem que a economia num regime de capitalismo (agora é politicamente correcto chamar-lhe liberalismo económico) funciona ou pode funcionar de acordo com as suas ideologias ou sonhos utópicos.
Percebe-se a aversão que muitos neo-keynesianos e companheiros de estrada têm à União Europeia e ao Euro. Já não podemos pôr as rotativas a trabalhar e fazer notas para pagar obras ou mesmo distribuir dinheiro. 
Há apenas uma alternativa, como a Grécia demonstra: cumprir regras ou abandonar o Euro. Fora disto, apenas a “apagada e vil tristeza” do eterno ciclo dos resgates a querer dar razão ao general romano que falava daquele povo na Ibéria que não se governa, nem se deixa governar.

O célebre jornalista Henry Louis Mencken disse um dia que “para qualquer problema complexo existe uma resposta que é clara, simples e errada”. É nisso que devemos pensar quando todos os dias ouvimos tanta gente a querer mostrar que os nossos problemas, designadamente os da economia que, lembre-se, gera os impostos que pagam tudo, desde o Estado Social ao funcionamento da máquina do Estado, funcionários e pensionistas incluídos, se resolvem de forma simples, pelo aumento do consumo interno e automático crescimento económico. O caminho de um futuro risonho é estreito e cheio de dificuldades. Não escolhamos o que parece óbvio e mais fácil, mas que todos teremos que pagar com juros no futuro.
Nota: Gráfico da autoria de Jorge Costa. 

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 14 de Dezembro de 2015

segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

Consumo de energia e clima

O que se passou na Alemanha nas últimas dezenas de anos relativamente às políticas energéticas é bem a imagem do drama causado pelas alterações climáticas e pela pressa e falta de bom senso nas tentativas desastradas de inverter a situação. A Alemanha é hoje um dos países do mundo com maior capacidade de produção de “energia verde” do mundo, mas é também um exemplo dos problemas trazidos pela política energética de subsídios a essa energia.
Depois de anos e anos a subsidiar fortemente a instalação de “quintas eólicas” e instalações solares, o consumo de carvão em centrais de energia está novamente a subir fortemente na Alemanha, porque a linhite é muito barata e o sistema energético montado precisa de suporte às energias do vento e do sol. De facto, quando em pleno funcionamento, as centrais eólicas e solares produzem muita energia a um preço muito baixo. Mas é só quando isso acontece, o que é impossível de prever. Sucede que, infelizmente, os picos de funcionamento dessas centrais é errático e o consumo de energia não o é, tendo flutuações diárias e anuais conhecidas, mas que só por acaso se podem aproximar da variação do fornecimento de energia “verde”. Tradicionalmente, as barragens dos rios serviam para “compensar” estes desvios e armazenar a energia produzida pelas centrais eólicas e solares quando a sua produção não é consumida pelo sistema. Esta reserva está no entanto esgotada nos países ricos, por questões ambientais ligadas com efeitos desastrosos nos eco-sistemas fluviais e mesmo alterações de costa, como nós portugueses sabemos muito bem. Dado que o preço da “energia verde” é muito baixo (tirando o investimento de instalação subsidiado pelo Estado), tal atira as centrais de gás natural para fora do mercado, obrigando ao seu encerramento, em favor das centrais a carvão. A decisão política de encerrar até 2022 as centrais nucleares alemãs que, como é sabido, produzem um kilowatt-hora de electricidade muito barato, vem também ajudar ao consumo cada vez maior do carvão que, ainda por cima, está cada vez mais barato, acompanhando a descida dos preços dos combustíveis fósseis provocada pela grande exportação americana do “shale-gas”. Isto, quando a queima de carvão produz duas vezes mais CO2 que a queima de gás natural. O exemplo alemão, com as suas contradições graves merece ser conhecido, porque demonstra as consequências do erro de uma passagem demasiado brusca dos sistemas energéticos clássicos para os “verdes”, resultado daquilo a que os políticos chamam muitas vezes “desígnios” que vêm a sair muito caros para os mesmos de sempre que são os consumidores e pagadores de impostos. Enquanto os consumidores domésticos alemães pagam hoje €0,30 por cada kilowatt-hora, os seus vizinhos franceses pagam €0,16, consequência das respectivas políticas energéticas nacionais.

Existem ainda muitas dúvidas sobre qual o papel efectivo da actividade humana no aquecimento global. Os cientistas que se dedicam ao estudo do clima não conseguiram até hoje criar um modelo que explique o funcionamento do clima mundial dada a complexidade do sistema em causa, de que se destaca o actual desconhecimento do funcionamento das nuvens, essencial para o circuito da água e das variações térmicas. No entanto, dois factos são indesmentíveis: o primeiro é o aquecimento global nos últimos cem anos, com um factor de crescimento acrescido a partir de meados do século XX; o segundo é o crescimento exponencial da emissão de CO2 causada pela actividade humana a partir dos anos 50, que continua nos dias de hoje com consequências, essas já bem conhecidas, no efeito de estufa na atmosfera terrestre.

É essencialmente a prudência que dita a necessidade e mesmo urgência na adopção de alternativas energéticas. A conferência internacional que está reunida em Paris acontece depois de ter terminado em 2012 o chamado protocolo de Kyoto de 1997. Os resultados deste não foram grande coisa. Se em 1995, ano da conferência que deu origem a Kyoto, a concentração de CO2 na atmosfera era de 361 partes num milhão, em 2014 esse valor tinha subido para 399, sendo esse igualmente o ano com temperaturas à superfície mais altas desde que são medidas. Até agora o acordo dos países presentes na conferência, é de que a subida da temperatura desde o início da industrialização não poderá exceder os 2º centígrados, quando até hoje essa subida foi de 0,9º. Todos sabemos o valor destes limites artificialmente impostos, que é diminuto ou nenhum. Mas, ao menos, que a conferência sirva para mostrar os erros passados e actuais e que demonstre a necessidade de investir fortemente na procura de alternativas fortes para produção e armazenagem de energia no futuro, não caindo nas asneiras de que a Alemanha é hoje exemplo.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 7 de Dezembro de 2015

segunda-feira, 30 de novembro de 2015

A Golpada

Com diminuta frequência, pelo menos relativamente àquela que eu preferiria, tenho de vez em quando comentado nestas crónicas algumas obras de arte que me chamam mais a atenção, umas vezes livros, outras pinturas, mais vezes composições musicais. Por alguma razão que eu próprio não descortino, nunca sucedeu escrever acerca de um filme, embora o cinema esteja claramente dentro dos meus interesses e seja na actualidade uma das formas de arte mais relevantes pelo impacto que tem na sociedade e em cada um de nós.
Na passada quinta-feira, um dos canais de televisão passou um filme que me deu muito gosto rever, alguns anos depois de o ter visto pela primeira vez. Com o nome original “The Sting”, o filme recebeu em Portugal o nome de “A Golpada”.e foi um tremendo êxito de bilheteira logo após a sua estreia em 1973, tendo mesmo recebido vários Óscares. Trata-se de uma comédia dirigida pelo realizador George Roy Hill baseada na actividade de dois vigaristas que resolvem montar um esquema para enganar um banqueiro poderoso. Os papéis dos dois personagens principais são representados pelos actores Paul Newman e Robert Redford, a mesma dupla fabulosa do não menos fantástico filme “Butch Cassidy and the Sundance Kid”, sendo a vítima da burla representada por Robert Shaw, o que diz logo da qualidade da representação.
Ao longo do filme, que se passa na Chicago dos anos trinta com o que isso tem de significativo em si mesmo, vão surgindo as diversas fases da construção da “golpada” que passa por ir convencendo e dando confiança crescente á vítima, em preparação para o grande golpe final em que irá perder uma enorme quantidade de dinheiro. Desde a montagem de um cenário fictício em que todos os supostos intervenientes como empregados, jogadores, etc. são participantes da farsa, até à própria participação da polícia também ela enganada e envolvida nos esquemas montados com vista a demonstrar credibilidade junto do enganado, tudo vai acontecendo de forma programada para atingir o objectivo final. O conto do vigário, em que a vítima é levada ao convencimento de que ela é que está a levar o vigarista ao engano, é a demonstração de como a mente humana perversa é a que mais facilmente se deixa levar por quem a sabe manipular. O realizador vai-nos conduzindo pelo enredo, à medida que os factos se vão desenrolando, não se sabendo se o que vamos vendo é verdade ou apenas o engano de cada um dos personagens
O filme foi feito com base num romance de David Maurer aparentemente inspirado em factos reais pelo que, mais uma vez, a arte segue a vida real e não o contrário. Nas mais variadas áreas da vida surgem pessoas que conseguem definir objectivos difíceis e mesmo genericamente tidos como impossíveis, atingindo-os através da manipulação inteligente de adversários e acompanhantes. Nestas actividades, antes de se chegar ao fim, ninguém sabe em que lado está, podendo imaginar estar num lado quando na realidade está noutro, trocando-se de perspectiva à medida que os enredos avançam, sendo o manipulador o único que sabe onde está e o que pretende, de princípio ao fim. Por vezes, o próprio fim é percepcionado de forma errada pelos intervenientes que, eventualmente, só muito mais tarde se vêm a aperceber do que realmente se passou e a maneira como foram enganados, pensando ter ganho alguma coisa.

Por vezes ficamos com a sensação de que o manipulador tem o seu maior gosto no processo em si e não apenas ganhar o que quer. No diálogo final de a “Golpada” Henry Gondorff representado por Newman, na sequência de uma conversa anterior sobre os motivos daquelas actividades, pergunta a Johnny Hooker representado por Redford se o gozo do sucesso não é realmente suficiente. A resposta do parceiro da vigarice, certamente a pensar no que ganhou, é que não e nesse momento hesita, acrescentando que anda lá perto. Nos filmes, à acção segue-se a passagem das informações sobre o filme, que servem para nos devolver à realidade. Na vida real, o sucesso ou insucesso das manipulações vem depois, para além da acção espectacular, quando normalmente se conclui que não é possível enganar toda a gente ao mesmo tempo, durante muito tempo.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 30 de Novembro de 2015

ICEBERG


Isto é um iceberg. Dá para afundar muita coisa, para além de navios. E a parte mais importante não é a que está à vista.