segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

EUROPA, a ponte

A opinião dos portugueses sobre a Europa já terá conhecido melhores dias. De facto, o mito da Europa, isto é, de que a adesão à União Europeia constituiria só por si garantia de que os portugueses passariam a pertencer para sempre ao clube dos mais ricos com a respectiva qualidade de vida, esfumou-se com uma crise que, de aguda, se transformou em crónica, para mal dos nossos pecados.
Foi certamente com essa visão mítica, algo ingénua e mesmo um pouco deslumbrada sobre a Europa que, nos anos 90, Coimbra avançou com o nome “Europa” para uma necessária ponte a construir na zona da Boavista. Aquela ponte encontrava-se prevista no Plano Rodoviário Nacional e o PDM de Coimbra classificava-a como de “importância regional”. Os estudos então feitos apontavam para aquele local como o mais adequado para a nova ponte, tendo em atenção a necessidade ligar a EN 17 (a chamada estrada da Beira) à EN1 (IC2) e a falta de uma nova ligação rodoviária urbana entre as margens do Mondego a montante da Ponte de Sta. Clara.
Se até aí correu tudo bem, a partir da escolha do local correu tudo mal. Uma empreitada que foi adjudicada por cerca de 29 milhões de euros veio a custar, na realidade, mais de 65 milhões de euros. A abertura da ponte ao tráfego, inicialmente prevista para Dezembro de 2001 só se veio a verificar em Junho de 2004, depois de um atraso de dois anos e meio. Tudo isto numa obra que o então ministro do Equipamento Social afirmou alto e bom som que seria exemplar: “nem mais um dia, nem mais um centavo!”
Os problemas resultaram de uma questão crucial: a adjudicação foi feita, não com base num projecto de execução como deveria ser, mas sim apenas com um anteprojecto; o projecto de execução veio a ser entregue ao empreiteiro 3 meses depois da consignação da obra. Para quem queria que esta fosse uma obra pública exemplar, está tudo dito. Ou quase. Porque mesmo esse projecto não foi devidamente revisto por uma entidade competente para o fazer e veio a verificar-se ser impraticável, causando os adiamentos e aumentos de custos referidos.
A ponte veio a mudar de nome para Ponte Rainha Santa Isabel. Homenagem da Cidade à sua padroeira, abandonando uma designação que remetia para uma atitude reverencial a algo a que pertencemos de direito e de facto, não necessitando de homenagens serôdias. É uma ponte bonita, que resulta particularmente expressiva quando iluminada à noite, pelo efeito de vela dos cabos de sustentação.
No entanto, é incompreensível que uma ponte urbana não possa ser atravessada a pé, nem sequer de bicicleta. Não tem passeios, mais parecendo uma ligação de uma auto-estrada que não existe. O projecto inicial previa uma passagem pedonal sob o tabuleiro da ponte, que nunca veio a funcionar como tal, supostamente porque a alteração do projecto reduziu a altura útil da passagem, impedindo a circulação normal de peões e bicicletas.
A ironia do destino veio a ditar que a designação “Europa” para a ponte estivesse associada a incompetência técnica, incapacidade de decisão e decisões políticas erradas. Como se vê, em completa consonância com a Europa de hoje. Valha a verdade, antes o simbolismo da Santa Padroeira que transformou pão em rosas, com quem a Cidade tem uma relação de confiança há centenas de anos.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 25 de Fevereiro de 2013

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