segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

UM HOMEM INVULGAR E UM POLITICO EXEMPLAR

Quando nasceu em 18 de Julho de 1918 em Mviza, no remoto Transkei na África do Sul, o seu pai deu-lhe o nome Rolihlahla o qual, traduzido para português, significa “provocador de sarilhos”. Foi um professor que mais tarde passou a chamar-lhe Nelson.
Nelson Mandela faleceu na semana passada, mas tinha-se tornado há muito um mito, com tudo o que isso significa de bom e de menos bom.
Se o racismo é já, em si, uma das maiores vergonhas da humanidade, o regime de “apartheid” instituído na África do Sul desde os inícios do século XX que consistia num sistema de classes que limitava os direitos dos negros sul-africanos face à minoria branca Afrikaner descendente dos antigos colonos ingleses e holandeses, era absolutamente insuportável sob todos os pontos de vista.
A adesão ao ANC que lutava contra o apartheid de diversas formas, inclusivamente violentas, levou Nelson Mandela à prisão e lá esteve 27 anos por esse motivo. Durante quase 20 anos, esteve preso na prisão de Robben Island, onde as duras condições a que foi sujeito afectaram a sua visão de forma permanente.
Foi no sacrifício da prisão que foi desenvolvendo uma nova atitude para com os opressores. Como ele dizia, teve primeiro que se “vencer a si próprio” e perceber que se queria a paz e a democracia para o seu país, o racismo e a intolerância seriam os grandes empecilhos para tal, inclusivé pelo lado dos negros sul-africanos. Foi ainda na prisão que percebeu a força do perdão.
Para grande escândalo inicial do ANC, Mandela iniciou a certa altura negociações com os responsáveis do Governo branco, levando à prática todo o novo quadro mental entretanto por si desenvolvido.
A sua libertação deu-se em 11 de Fevereiro de 1990, na sequência de uma campanha internacional, mas só aceitou sair da cadeia depois de garantir que todos os seus camaradas saiam também. As negociações com o então Presidente F.W de Klerk já iniciadas anteriormente, levaram ao fim do apartheid apenas quatro anos depois, sendo Mandela eleito Presidente numa eleição geral multi-racial. Quando tantos previam que uma guerra sangrenta se seguiria ao fim do regime do apartheid, nada disso sucedeu, o que se deve em grande parte aos esforços de pacificação e de instalação de clima de tolerância por Nelson Mandela.
Como exemplo, fica a imagem poderosa mas simultaneamente simples de Mandela envergando a camisola da equipa sul-africana de Rugby, levando a assistência quase toda branca a levantar-se e gritar entusiasticamente o seu nome: ele tinha a consciência clara de que libertar os brancos dos seus medos seria ainda mais importante para obter a paz do que libertar os negros da escravidão. A criação de uma África do Sul democrática e não racial ficará certamente como o grande sucesso da sua vida.
No fim do seu primeiro mandato presidencial em 1999, declinou ser de novo candidato, ele que seria presidente toda a vida se assim o quisesse. De novo deu uma lição de humildade democrática e, acima de tudo, de cidadania, mostrando que o processo de democratização da África do Sul era maior do que qualquer pessoa, ele próprio incluído.
Mandela não era um santo, sabia disso e assumia-o. Dizia que os homens vão e vêm, mas acreditava na justiça durante a vida. Era tolerante com tudo, excepto com a intolerância.
Mais que glorificar o Homem que parte, aprendamos todos com o seu exemplo.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 9 de Dezembro de 2013

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