Começa a fazer o seu caminho a ideia de que um “capitalismo sem limites” assentou arraiais no mundo e que é o único responsável pela desigualdade e exclusão social que todos vemos aumentar à nossa volta. O próprio Papa Francisco fala nisso, para grande satisfação dos que há anos culpam o chamado neo-liberalismo por todos os nossos males, incluindo saudosistas do “socialismo real dos amanhãs que cantam”, ingénuos bem pensantes sempre solidários com os sofredores desde que higienicamente bem afastados ou mesmo todos os outros cientistas sociais com soluções milagrosas para todos os males da sociedade. Claro que muitas pessoas há, que solidária e genuinamente se preocupam e sofrem com as dores físicas e íntimas dos semelhantes, sem tentarem usá-las para atingirem os seus próprios fins.
O que vemos à nossa volta quer nas proximidades, quer no resto do mundo, é no entanto demasiado complexo, sério e novo para ser explicado pelos velhinhos manuais simplistas dos ricos a viverem à custa dos pobres.
A economia mundial mudou muito nos últimos anos e ainda vai mudar muito mais, assim como a forma como se faz política, e também cá em Portugal. A globalização e opções políticas erradas patrocinadas pela então Comunidade Europeia levaram à desindustrialização do país, com a miragem dos serviços a substituir com menos esforço os trabalhos duros da agricultura, da pesca e da fábricas.
Entretanto, o mundo foi mudando com grande rapidez. As tecnologias informáticas associadas à desmaterialização do dinheiro permitiram aos detentores e gestores de grandes quantidades de dinheiro como os fundos soberanos e de pensões investir naquela parte do mundo e no momento em que a rentabilidade é a maior. Os investimentos financeiros passaram a ser mais atractivos do que os investimentos na chamada economia real, porque com maires lucros, obtidos mais rapidamente e sem o trabalho de criar empresas para criar e vender produtos transacionáveis.
A finança acabou por entrar também na área dos investimentos públicos. Fazer estradas, hospitais e escolas deixou de ser uma actividade económica para passar um negócio essencialmente financeiro através das parcerias público-privadas, com custos muito maiores para os contribuintes que deixaram aliás, de ter capacidade de perceber o que se passa nessa nova esfera e portanto de reagir em conformidade. Os bancos passaram de financiadores da economia a intermediários de capitais e mesmo financiadores da dívida pública.
A “financeirização” da economia trouxe ainda consigo outras alterações na socidade e na política, que estão longe de ser bem percebidas e compreendidas pela população em geral, mas que vão ter consequências sérias a curto ou médio prazo. Sempre se assistiu à existência e trabalho de lobbies das diferentes actividades económicas junto dos governos. O que se passa hoje é, no entanto, muito diferente. O poder político foi tomado por dentro pelas diversas actividades económico/financeiras. As próprias leis são feitas, não por serviços públicos, mas por sociedades de advogados contratadas para tal. A promiscuidade da passagem directa de pessoas entre cargos governamentais e gestão de empresas é apenas a face mais visível da tomada da política pela economia. E não é por qualquer economia, é mesmo a finança, até porque residem aí as únicas pessoas que entendem bem as técnicas sofisticadas de gestão dos “produtos financeiros”: como exemplo, basta ver o que se tem passado com os “SWAPS”.
Quem não tem nem quer ter nada a ver com este estado de coisas, afasta-se. É por isso que a política atrai cada vez menos aqueles se preocupam verdadeiramente com a coisa pública, com o servir os seus concidadãos: esquerda e direita alternarão cada vez mais como fantoches ao serviço de quem efectivamente manda, quando não juntas como agora na Alemanha, mostrando à luz do dia que na realidade não são hoje alternativa uma à outra. Até quando? Não sei. Mas tenho medo do que se seguirá.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 2 de Dezembro de 2013
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