Nas últimas eleições não havia candidatura à mais recôndita das freguesias por esse país fora que não elegesse as “pessoas” como alvo das suas atenções. Fenómeno curioso, dado que, por definição, a política se destina precisamente a cuidar do bem comum, isto é, do que às pessoas interessa directamente.
Suspeito que a utilização do termo “pessoas” a torto e a direito visa apenas esconder algo: a incapacidade ou, pior que isso, falta de interesse em esclarecer devidamente as opções políticas concretas com os custos e consequências económicas e sociais inerentes.
Mas mostra ainda um mal que, depois de se ter vindo a desenvolver nas profundidades no nosso sistema político, chega à superfície manifestando-se das mais diversas formas, com consequências sérias a curto prazo. Os partidos políticos portugueses, foram desenvolvendo sistemas internos de defesa perante o exterior, cortando muitas vezes as ligações ao mundo real e fechando-se em si mesmos. Os slogans passaram a ser escritos em agências de publicidade, nada mais sendo do que frases eventualmente apelativas, sem qualquer substância ou conteúdo político. Claro que na realidade não se afastam muito dos próprios candidatos que, a maior parte das vezes, são também fabricados dentro dos partidos, não apresentando quaisquer qualidades que os recomendem para os cargos a que se candidatam. Os partidos foram tomados por dentro pelas diversas lógicas que ao longo dos anos foram sustentando, desde as juventudes partidárias, aos lobbies familiares, de negócios e outros, daí surgindo as mais surpreendentes e tristes escolhas para as diversas candidaturas, seja para as autarquias, para o parlamento nacional ou mesmo para o parlamento europeu.
Em consequência, o florescimento das candidaturas independentes às autarquias locais vai certamente continuar. O que se passou no Porto vai servir de exemplo para todo o país. É provável que os partidos tenham muita dificuldade em responder à nova situação, fechando-se ainda mais. Quando se olha de fora, é quase inacreditável o autismo partidário que leva directamente às derrotas mais previsíveis não havendo, aparentemente, qualquer possibilidade de as estruturas concelhias, distritais e mesmo nacionais verem o que é óbvio para toda a gente, menos para quem lá está dentro. Hoje em dia, quem no interior dos partidos tentar falar a linguagem exterior, absolutamente normal para os restantes cidadãos, rapidamente se sente como um ser estranho que fala uma linguagem de outro mundo.
A Democracia não existe sem os partidos. Mas estes não a esgotam. E muito menos os que existem num determinado momento histórico. A sociedade portuguesa tem passado por momentos de grandes dificuldades. Todos sabemos que a origem dessas dificuldades está na actuação de agentes políticos incapazes de olhar para as receitas do orçamento de Estado como a contribuição dos portugueses e da economia para o bem comum, em vez de um montão de dinheiro para gastar e satisfazer egos, ambições pessoais e clientelas. E esses agentes políticos são o resultado das escolhas internas dos partidos. Perante a dificuldade de mudar os partidos por dentro as alternativas, á esquerda e à direita, irão naturalmente surgir e mudar toda a paisagem política.
Os partidos têm enchido a boca com a palavra “pessoas”. Rapidamente vão descobrir que são essas mesmas pessoas que lhes vão virar as costas, voltando-se para quem sentem que lhes fala uma linguagem compreensível e, acima de tudo, de confiança.
Publicado originalemnte no Diário de Coimbra em 16 de Dezembro de 2013
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