segunda-feira, 22 de agosto de 2016

A Venezuela aqui tão perto




 As distâncias medem-se muitas vezes, não pelos quilómetros que separam, mas pelos afectos que aproximam. A Venezuela é um país localizado no continente americano, separado de nós por um oceano, mas é muito próximo pelas ligações históricas. Foi durante muitos anos um destino privilegiado pelos portugueses quando precisaram de emigrar para outras paragens e aí construir as suas vidas com mais oportunidades. Ainda hoje lá vivem cerca de meio milhão de portugueses que constituem a maior comunidade portuguesa na América latina, depois do Brasil. Há largas zonas de Portugal onde será difícil encontrar alguém que não tenha tido ou ainda não tenha algum familiar emigrado na Venezuela.
É por isso que o que se passa actualmente naquele país nos toca de uma maneira especial, e não apenas pelo temor de que dezenas de milhares de portugueses se vejam obrigados a regressar de repente, fazendo o caminho que já hoje centenas de cidadãos venezuelanos estão a fazer, fugindo do seu próprio país.

Fogem porque na Venezuela actualmente falta tudo. Os alimentos desapareceram dos supermercados e as filas para comprar o pouco que existe são enormes. Os medicamentos faltam nas farmácias e nos próprios hospitais, havendo relatos trágicos das consequências dessa falta. A insegurança atingiu picos nunca antes vistos num país que sempre teve problemas nessa área: embora o número exacto seja desconhecido, só em 2015 o número de homicídios terá sido superior a 20.000. Não se pode confiar na polícia e os grupos armados para-militares campeiam nas ruas sem controlo. A inflação anda pelos 700% e um ordenado de 800 dólares há poucos anos vale hoje 70, o que significa o empobrecimento geral da população.
A Venezuela é dos países mais ricos do mundo em termos de recursos naturais de que sobressai o petróleo, já que se pode dizer que o país está literalmente assente num gigantesco lençol do chamado ouro negro; a Venezuela possui 18% das reservas petrolíferas mundiais confirmadas, que correspondem a cerca de 300 mil milhões de barris.
O actual regime político, que foi iniciado pelo anterior presidente Hugo Chavez e continuado pelo actual presidente Nicolás Maduro que se auto-intitula de socialismo bolivariano, está na origem de toda esta tragédia. 
Hugo Chávez iniciou a sua revolução bolivariana embriagado pela cotação internacional do petróleo, que em 2008 chegou aos 140 dólares por barril, o que significava uma torrente gigantesca de dinheiro a entrar diariamente no país. Muitos países foram atraídos por esta facilidade e até Portugal foi inundar a Venezuela com os famosos minicomputadores Magalhães, enquanto empresas amigas do nosso governo de então faziam contratos milionários para construir milhares de casas. Enquanto outros países, como por exemplo a Noruega, aproveitavam para estabelecer um estado social sustentado e constituir fundos para prevenir o futuro, o socialismo bolivariano gastou como se a riqueza fosse eterna, curiosamente à boleia dos lucros proporcionados pelos mercados internacionais, neste caso, do petróleo. O preço do barril do petróleo entretanto desceu para valores mais razoáveis e anda hoje pelos 25 a 35 dólares. Todo o sistema montado artificialmente em função do petróleo altíssimo desabou e, na senda da ideologia do regime, as respostas políticas foram o contrário do que deviam ser e o país encontra-se hoje numa crise económica, social mas também, e eventualmente sobretudo, de ordem política.

O apoio popular que Hugo Chavez teve em tempos esfumou-se. Nas eleições de Dezembro passado, a oposição ganhou a maioria absoluta na assembleia nacional. O abaixo-assinado para pedir nova eleição presidencial até ao fim do ano foi já confirmado oficialmente pela comissão eleitoral, depois de recolher a assinatura de mais de 20% da população (4 milhões de assinaturas).
Perante a situação, foi o próprio presidente Maduro que chamou as Forças Armadas para tomarem conta da situação, atribuindo-lhes até a distribuição de alimentos.
 O ministro da defesa General Vladimir Padrino López está a ter um papel político cada vez mais activo e evidente, substituindo mesmo Maduro em muitas situações. Nos últimos 70 anos, os militares tomaram conta da Venezuela por três vezes, através de golpes de estado. Provavelmente, temendo o resultado de eleições antecipadas, o presidente Maduro está a entregar o poder aos militares, evitando que um presidente eleito oriundo da actual oposição tome o poder no país. Ou pode dar-se o caso de os militares estarem já neste momento por si próprios a tomar o poder no país. De qualquer das formas, o futuro próximo da Venezuela está sombrio, podendo a situação descambar para uma tragédia enorme. Sendo um país com o qual temos tantos laços, por todas as razões e mais essa, façamos votos de que tal não suceda e que os dirigentes políticos sejam capazes de cumprir as escolhas eleitorais do povo venezuelano, sejam elas quais forem

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