segunda-feira, 15 de agosto de 2016

Técnica e política





As ideologias extremistas tendem a politizar toda a actividade humana, levando os seus líderes, quando no poder, a encontrar razões para determinar e controlar tudo o que as pessoas fazem, quando não tentam mesmo orientar o que pensam, através da manipulação do ensino, da comunicação social e da utilização do medo a todos os níveis, até chegar aos próprios círculos familiares. Infelizmente há muitos exemplos amplamente conhecidos do que acabo de escrever, no próprio século XX, quer na extrema-direita, quer na extrema-esquerda, que nisso são muito semelhantes.
Uma das áreas da actividade humana em que essa tentativa de manipulação é muito evidente é a da utilização da tecnologia ou engenharia, tema que me é particularmente caro por razões pessoais e profissionais. É demasiado frequente, mesmo entre nós na actualidade, encontrar políticos que defendem que a técnica nunca é independente, afirmando estar a mesma sempre ao serviço de alguma ideologia.
Passando ao lado do insulto óbvio aos profissionais que, de forma íntegra, entregam o seu esforço pessoal dentro das mais diversas actividades com base na ciência e na técnica, deve-se relevar que essas atitudes visam, elas sim, condicionar de forma óbvia o trabalho dos técnicos e, com toda a probabilidade, esconder fragilidades ideológicas e aplanar caminho para as mais diversas tentações totalitárias.
Quando leio ou ouço afirmações contra a independência da técnica, lembro-me sempre do exemplo do que se passou na União Soviética nos tempos do início do estalinismo, tão bem descrito pelo prémio Nobel Alexander-Solzhenitsyn no seu “O arquipélago de Gulag”. No fim da década de vinte e na década seguinte, Estaline promoveu activamente a industrialização da União Soviética e, para isso, necessitou de uma utilização intensiva dos caminhos de ferro. Os responsáveis pela manutenção dos equipamentos ferroviários sabiam que, perante essa utilização, havia que executar trabalhos que evitassem avarias e mesmo acidentes, pelo que faziam o seu trabalho e paravam os comboios quando necessário. Como os comissários políticos do partido precisavam de ter os comboios sempre a rolar para cumprir os objectivos, qualquer dificuldade que colocasse isso em questão era um problema grave. Daí a ser inventado um suposto “partido dos Engenheiros” sabotador ao serviço das forças contra-revolucionárias foi um pequeno passo. As consequências para os “reaccionários” que colocavam entraves ao avanço do socialismo foram as habituais: o fuzilamento de uns tantos e a deportação de muitos mais. Assim se acabou com o “partido dos Engenheiros”.

Nos nossos dias a técnica e a tecnologia estão muito mais evoluídas e penetraram em todos os aspectos da vida quotidiana. Os ataques à independência da sua utilização evoluíram também. À pura aplicação demagógica e populista das velhas ideologias fascistas ou marxistas-leninistas soma-se hoje a utilização de diversas técnicas manipulatórias tornadas possíveis pelo desenvolvimento da sociologia, da psicologia e das teorias comportamentais freudianas. Marcuse ficaria certamente admirado sobre como as suas ideias acabaram por entrar tão profundamente em tantas áreas, provocando mesmo alterações sociais marcantes dentro de uma óptica de reconstrução artificial da organização da sociedade.
Todos sabemos que há estudos técnicos económicos enquinados para produzirem determinadas conclusões, relembrando aqui os que serviram de base a muitas PPP e que partiram de pressupostos no mínimo irrealistas que se vieram a mostrar completamente desadequados à realidade. Desaparecida na prática a sustentabilidade económica dos investimentos públicos realizados, todos acabamos por pagar respectivos excessos de optimismo. Já os projectos de engenharia, arquitectura, etc. sobre os quais são elaborados os cenários económicos não têm nada a ver com essa situação, sendo abusivo meter todos os estudos técnicos no mesmo saco da falta de independência.
À semelhança da publicidade, a acção política serve-se muitas vezes de mensagens subliminares para conseguir os seus fins através do condicionamento da liberdade dos indivíduos. É por isso mesmo que a exigência de cidadania impede que se fique sossegado e calado quando esse tipo de acção política anda à solta, sabe-se lá com que fins, independentemente da sua orientação ideológica. Principalmente num tempo em que a demagogia e o populismo campeiam por todo o mundo, mesmo numa Europa que pensávamos ter-se tornado imune a tal, depois daquilo por que passou no século que acabou há tão pouco tempo.

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