segunda-feira, 8 de agosto de 2016

Olimpíadas de esperança




Começou neste fim de semana uma das maiores manifestações de esperança na capacidade da humanidade de superar as suas divergências profundas em função de algo capaz de unir,  o desporto olímpico.
Eu sei que os jogos olímpicos são muitas vezes contaminados pela política; que muitos atletas se deixam tentar pelo doping e que há mesmo países que se tentam afirmar através da manipulação dos resultados e isso nem é de hoje; que o Brasil, país que recebe estes jogos passa por enormes dificuldades não apenas económicas,  de que a corrupção a todos os níveis será o sinal mais evidente.
Mas as olimpíadas são um momento especial a que toda a gente, por um motivo ou por outro, dá alguma atenção.  Desde as festas de abertura e encerramento até a alguma das modalidades de maior agrado pessoal. Acresce o interesse dos portugueses pela prestação dos representantes do nosso país,  numa delegação numerosa e de grande qualidade, aos quais se formulam os melhores votos, dentro do espírito olímpico, que não deve ser esquecido perante os resultados alcançados.

Mas nestes jogos há algo especial a salientar: aquela pequena delegação de dez atletas que participam nestes jogos e que envergam camisolas apenas com as argolas coloridas, símbolo do ideal olímpico, que não representam nenhum país em concreto, mas os refugiados de todo o mundo.
Sao dez atletas que são dez histórias pessoais de arrepiar e que representam na realidade mais de 21 milhões de pessoas que têm igualmente histórias que nos interpelam a todos, vivamos nós em paises ricos ou pobres, porque as razões que levam àquelas situações têm razões económicas,  mas também sociais, políticas e religiosas.
Podemos falar de Yech Biel que vai correr alguns dos 800 metros mais fáceis da sua vida. Era um menino de dez anos quando há onze anos fugiu da sua aldeia no que é hoje o Sudão do Sul, juntamente com a mãe,  duas irmãs e o irmão mais novo, depois de o seu pai ter também fugido e desaparecido. Na fuga acabou sozinho e nunca mais ouviu falar do resto da família.  Com outros fugitivos conseguiu  chegar ao Quénia onde foi recolhido num centro para refugiados. Há poucos meses Biel voltou à sua aldeia natal apenas para descobrir cinzas e ninguém para contar o que se passou entretanto. Biel não é o único refugiado com origem no Sudão do Sul; na realidade, metade desta equipa olímpica tem origem nesse pais, de cujas tragédias se praticamente esquecidas pelo resto do mundo.
Esta é a equipa olímpica de refugiados: Ramis Anis, natação, da Síria;  Yiech Pur Biel, atletismo, do Sudão; James Nyang Chiengjiek, atletismo, do Sudão; Yonas Kinde, atletismo,  Etiópia; Anjelina Nadai Lohalith, atletismo, Sudão; Rose Nathike Lokonyen, atletismo, Sudão; Paulo Amotun Lokoro, atletismo, Sudão; Yolande Bukasa Makiba, judo, Congo; Yusra Mardini, natação, Síria; Popole Misenga, judo, Congo.
Esta é uma equipa de todos nós, para além da nacional portuguesa. O Comité Olímpico Internacional demorou quase um ano a ultrapassar o veto de 17 comités olimpicos nacionais e das próprias Nações Unidas para que esta equipa pudesse ser uma realidade. Os responsáveis políticos dos países originários destes atletas sabem bem que, de cada vez que um deles aparecer nas televisões, serão eles mesmos que estarão na cabeça dos espectadores de todo o mundo e não deverão gostar disso.
O número de refugiados actualmente existentes no mundo será
de 21 milhões,  mas há mais de 44 milhões de pessoas involuntariamente deslocadas da sua residência. Para além das situações de guerra geral declarada, será uma situação de dimensão única na História. As olimpíadas duram apenas quinze dias  de quatro em quatro anos. Mas são um acontecimento de notoriedade excepcional que não pode nem deve fazer esquecer tudo o resto que se passa no mundo. Como excepcional é a oportunidade de honrar o esforço de todos os atletas que tentam empurrar para mais longe os limites humanos, todos eles, e isso é o que verdadeiramente está em jogo nestes jogos, de quatro em quatro anos.

Sem comentários: