Começou neste fim
de semana uma das maiores manifestações de esperança na capacidade da
humanidade de superar as suas divergências profundas em função de algo capaz de
unir, o desporto olímpico.
Eu sei que os jogos
olímpicos são muitas vezes contaminados pela política; que muitos atletas se
deixam tentar pelo doping e que há mesmo países que se tentam afirmar através
da manipulação dos resultados e isso nem é de hoje; que o Brasil, país que
recebe estes jogos passa por enormes dificuldades não apenas económicas, de que a corrupção a todos os níveis será o
sinal mais evidente.
Mas as olimpíadas
são um momento especial a que toda a gente, por um motivo ou por outro, dá
alguma atenção. Desde as festas de
abertura e encerramento até a alguma das modalidades de maior agrado pessoal.
Acresce o interesse dos portugueses pela prestação dos representantes do nosso
país, numa delegação numerosa e de
grande qualidade, aos quais se formulam os melhores votos, dentro do espírito
olímpico, que não deve ser esquecido perante os resultados alcançados.
Mas nestes jogos há
algo especial a salientar: aquela pequena delegação de dez atletas que
participam nestes jogos e que envergam camisolas apenas com as argolas
coloridas, símbolo do ideal olímpico, que não representam nenhum país em
concreto, mas os refugiados de todo o mundo.
Sao dez atletas que
são dez histórias pessoais de arrepiar e que representam na realidade mais de
21 milhões de pessoas que têm igualmente histórias que nos interpelam a todos,
vivamos nós em paises ricos ou pobres, porque as razões que levam àquelas
situações têm razões económicas, mas
também sociais, políticas e religiosas.
Podemos falar de
Yech Biel que vai correr alguns dos 800 metros mais fáceis da sua vida. Era um
menino de dez anos quando há onze anos fugiu da sua aldeia no que é hoje o
Sudão do Sul, juntamente com a mãe, duas
irmãs e o irmão mais novo, depois de o seu pai ter também fugido e
desaparecido. Na fuga acabou sozinho e nunca mais ouviu falar do resto da
família. Com outros fugitivos
conseguiu chegar ao Quénia onde foi
recolhido num centro para refugiados. Há poucos meses Biel voltou à sua aldeia
natal apenas para descobrir cinzas e ninguém para contar o que se passou
entretanto. Biel não é o único refugiado com origem no Sudão do Sul; na
realidade, metade desta equipa olímpica tem origem nesse pais, de cujas
tragédias se praticamente esquecidas pelo resto do mundo.
Esta é a equipa
olímpica de refugiados: Ramis Anis, natação, da Síria; Yiech Pur Biel, atletismo, do Sudão; James
Nyang Chiengjiek, atletismo, do Sudão; Yonas Kinde, atletismo, Etiópia; Anjelina Nadai Lohalith, atletismo,
Sudão; Rose Nathike Lokonyen, atletismo, Sudão; Paulo Amotun Lokoro, atletismo,
Sudão; Yolande Bukasa Makiba, judo, Congo; Yusra Mardini, natação, Síria;
Popole Misenga, judo, Congo.
Esta é uma equipa
de todos nós, para além da nacional portuguesa. O Comité Olímpico Internacional
demorou quase um ano a ultrapassar o veto de 17 comités olimpicos nacionais e das
próprias Nações Unidas para que esta equipa pudesse ser uma realidade. Os
responsáveis políticos dos países originários destes atletas sabem bem que, de
cada vez que um deles aparecer nas televisões, serão eles mesmos que estarão na
cabeça dos espectadores de todo o mundo e não deverão gostar disso.
O número de
refugiados actualmente existentes no mundo será
de 21 milhões, mas há mais de 44 milhões de pessoas
involuntariamente deslocadas da sua residência. Para além das situações de
guerra geral declarada, será uma situação de dimensão única na História. As
olimpíadas duram apenas quinze dias de
quatro em quatro anos. Mas são um acontecimento de notoriedade excepcional que
não pode nem deve fazer esquecer tudo o resto que se passa no mundo. Como
excepcional é a oportunidade de honrar o esforço de todos os atletas que tentam
empurrar para mais longe os limites humanos, todos eles, e isso é o que
verdadeiramente está em jogo nestes jogos, de quatro em quatro anos.
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