As distâncias
medem-se muitas vezes, não pelos quilómetros que separam, mas pelos afectos que
aproximam. A Venezuela é um país localizado no continente americano, separado
de nós por um oceano, mas é muito próximo pelas ligações históricas. Foi
durante muitos anos um destino privilegiado pelos portugueses quando precisaram
de emigrar para outras paragens e aí construir as suas vidas com mais
oportunidades. Ainda hoje lá vivem cerca de meio milhão de portugueses que
constituem a maior comunidade portuguesa na América latina, depois do Brasil.
Há largas zonas de Portugal onde será difícil encontrar alguém que não tenha
tido ou ainda não tenha algum familiar emigrado na Venezuela.
É por isso que o
que se passa actualmente naquele país nos toca de uma maneira especial, e não
apenas pelo temor de que dezenas de milhares de portugueses se vejam obrigados
a regressar de repente, fazendo o caminho que já hoje centenas de cidadãos
venezuelanos estão a fazer, fugindo do seu próprio país.
Fogem porque na
Venezuela actualmente falta tudo. Os alimentos desapareceram dos supermercados
e as filas para comprar o pouco que existe são enormes. Os medicamentos faltam
nas farmácias e nos próprios hospitais, havendo relatos trágicos das
consequências dessa falta. A insegurança atingiu picos nunca antes vistos num
país que sempre teve problemas nessa área: embora o número exacto seja
desconhecido, só em 2015 o número de homicídios terá sido superior a 20.000.
Não se pode confiar na polícia e os grupos armados para-militares campeiam nas
ruas sem controlo. A inflação anda pelos 700% e um ordenado de 800 dólares há
poucos anos vale hoje 70, o que significa o empobrecimento geral da população.
A Venezuela é dos
países mais ricos do mundo em termos de recursos naturais de que sobressai o
petróleo, já que se pode dizer que o país está literalmente assente num
gigantesco lençol do chamado ouro negro; a Venezuela possui 18% das reservas
petrolíferas mundiais confirmadas, que correspondem a cerca de 300 mil milhões
de barris.
O actual regime
político, que foi iniciado pelo anterior presidente Hugo Chavez e continuado
pelo actual presidente Nicolás Maduro que se auto-intitula de socialismo
bolivariano, está na origem de toda esta tragédia.
Hugo Chávez iniciou a sua
revolução bolivariana embriagado pela cotação internacional do petróleo, que em
2008 chegou aos 140 dólares por barril, o que significava uma torrente
gigantesca de dinheiro a entrar diariamente no país. Muitos países foram
atraídos por esta facilidade e até Portugal foi inundar a Venezuela com os
famosos minicomputadores Magalhães, enquanto empresas amigas do nosso governo
de então faziam contratos milionários para construir milhares de casas. Enquanto
outros países, como por exemplo a Noruega, aproveitavam para estabelecer um
estado social sustentado e constituir fundos para prevenir o futuro, o socialismo
bolivariano gastou como se a riqueza fosse eterna, curiosamente à boleia dos
lucros proporcionados pelos mercados internacionais, neste caso, do petróleo. O
preço do barril do petróleo entretanto desceu para valores mais razoáveis e
anda hoje pelos 25 a 35 dólares. Todo o sistema montado artificialmente em
função do petróleo altíssimo desabou e, na senda da ideologia do regime, as
respostas políticas foram o contrário do que deviam ser e o país encontra-se
hoje numa crise económica, social mas também, e eventualmente sobretudo, de
ordem política.
O apoio popular que
Hugo Chavez teve em tempos esfumou-se. Nas eleições de Dezembro passado, a
oposição ganhou a maioria absoluta na assembleia nacional. O abaixo-assinado
para pedir nova eleição presidencial até ao fim do ano foi já confirmado
oficialmente pela comissão eleitoral, depois de recolher a assinatura de mais
de 20% da população (4 milhões de assinaturas).
Perante a situação,
foi o próprio presidente Maduro que chamou as Forças Armadas para tomarem conta
da situação, atribuindo-lhes até a distribuição de alimentos.
O ministro da
defesa General Vladimir Padrino López está a ter um papel político cada vez
mais activo e evidente, substituindo mesmo Maduro em muitas situações. Nos
últimos 70 anos, os militares tomaram conta da Venezuela por três vezes,
através de golpes de estado. Provavelmente, temendo o resultado de eleições
antecipadas, o presidente Maduro está a entregar o poder aos militares,
evitando que um presidente eleito oriundo da actual oposição tome o poder no
país. Ou pode dar-se o caso de os militares estarem já neste momento por si
próprios a tomar o poder no país. De qualquer das formas, o futuro próximo da
Venezuela está sombrio, podendo a situação descambar para uma tragédia enorme.
Sendo um país com o qual temos tantos laços, por todas as razões e mais essa,
façamos votos de que tal não suceda e que os dirigentes políticos sejam capazes
de cumprir as escolhas eleitorais do povo venezuelano, sejam elas quais forem
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