O correr inexorável do tempo trouxe-nos o fim do ano de 2009. Como sabemos, a numeração dos anos corresponde a uma pura convenção, sendo em quase todo o mundo seguido o calendário gregoriano que em 1582 aperfeiçoou e substituiu o calendário juliano que vinha desde os tempos do império romano.
Já a duração dos anos não tem nada de convencional, correspondendo à duração de uma translação da Terra à volta do Sol. Embora o esqueçamos com alguma frequência, todos nós vivemos em ritmos impostos pela Natureza que não está nas nossas mãos mudar.
Nas passagens de ano é frequente recordar as efemérides que ocorrem no ano que vai começar. Trazem-se assim à lembrança factos do passado que marcaram a nossa história colectiva, definindo boa parte daquilo que somos hoje.
No ano que começa esta semana ocorrem dois centenários muito importantes para o Portugal actual: os duzentos anos das invasões francesas e os cem anos da instauração da República.
Não sendo um facto muito conhecido, passam no próximo dia 1 de Outubro duzentos anos sobre a data em que o exército francês de Massena ocupou e saqueou Coimbra durante vários dias. A batalha do Buçaco em que os exércitos portugueses e ingleses comandados por Wellington derrotaram os invasores, tinha ocorrido pouco antes, em 27 de Setembro. Após a batalha, os exércitos aliados retiraram para sul, na sua estratégia de ir dando luta aos franceses até às Linhas de Torres Vedras que protegiam a capital. Foi assim que Coimbra ficou à mercê dos soldados derrotados de Napoleão, famintos e maltratados. A quase totalidade dos cerca de 40.000 habitantes da nossa cidade fugiu enchendo as estradas atrás dos soldados portugueses e ingleses. Os soldados franceses destruíram e pilharam tudo o que puderam e não tinha sido escondido não escapando nada, nem sequer laboratórios da Universidade. Muitos habitantes terão sido mortos, sem distinção de sexo nem idade. Antes que as milícias portuguesas comandadas pelo coronel inglês Trent tivessem recuperado a Cidade em 7 de Outubro, centenas de edifícios haviam sido incendiados. As Guerras Peninsulares marcam o início de um definhamento da economia portuguesa que nunca mais recuperou totalmente em relação ao resto da Europa.
Igualmente em Outubro, comemoram-se os cem anos da República. Dois anos depois do regicídio, uma revolta em Lisboa deu origem ao fim da Monarquia, velha de oitocentos anos. O regime estava de tal forma apodrecido, que nem se defendeu. Já D. Carlos costumava dizer que era rei numa monarquia sem monárquicos. Não vale a pena estarmos hoje a branquear o que foi a 1ª República. Claro que teve alguns aspectos positivos. Mas os negativos foram tantos e tão graves, que criaram um fosso entre a esmagadora maioria da população e a reduzida clique do PRP que governou Portugal como se fosse sua propriedade. Em poucos anos conseguiu criar uma reacção que levou ao 28 de Maio de 1926. Aliás, nem republicanos escaparam à desgraça que foram esses tempos, como o chefe do governo António Granjo morto pela carbonária na tristemente célebre noite de 21 de Outubro de 1921, tal como sucedeu com outras figuras de relevo. Nem se diga que a 1ª República trouxe mais democracia a Portugal do que o regime que derrubou. Após o 5 de Outubro de 1910, o número de recenseados desceu mais de 50%, já que a nova república tinha medo dos votos do povo. Em 1926, Portugal era mesmo o único país europeu sem sufrágio universal, como lembra Rui Ramos na sua recente História de Portugal.
A História pode ajudar a criar um espírito colectivo de pertença a uma comunidade, mas deve servir também e sobretudo, para evitarmos erros do passado e sermos capazes de preparar um melhor futuro para os que nos sucederão.
Bom ano de 2010 para todos os leitores.
Publicado no Diário de Coimbra em 28 de Dezembro de 2009
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