Como já referi nestas crónicas, a população portuguesa, está cada vez mais urbanizada, acompanhando a tendência do resto da Europa. No decorrer do século XX, a população de Portugal cresceu de cerca de 5 milhões de habitantes para quase 11 milhões, isto é, praticamente duplicou. No entanto, a evolução da população neste século em que vivemos é completamente diferente. Perante o presente “inverno demográfico”, as previsões do INE apontam para um decréscimo da população portuguesa que, por volta de 2050, deverá rondar os 9 a 10 milhões de habitantes. Essa população deverá estar muito mais envelhecida do que hoje e será, portanto, mais gregária e menos móvel, originando alterações na forma de viver em geral e nas cidades, em particular.
O ritmo frenético da construção civil que caracterizou as nossas últimas décadas deverá reduzir-se substancialmente. Os próprios instrumentos de ordenamento territorial deverão reflectir esta nova situação, pelo que os municípios deverão encarar os seus PDM’s de uma forma totalmente diferente, não fazendo sentido que se continue a prever um aumento da edificabilidade que multiplique por três ou por quatro o actual nº de habitações que já é mais do que suficiente para as necessidades.
Por outro lado, começa a colocar-se com muita acuidade a questão da reabilitação do edificado existente. Esta reabilitação abrange não só os Centros Históricos das cidades que os possuem como Coimbra, mas muitos edifícios construídos nas décadas de 50, 60 e mesmo 70 do século passado, quase sempre localizados no interior das cidades, bem servidos por infra-estruturas e apoios urbanos, como escolas, serviços de saúde, jardins, comércio de proximidade, transportes públicos, etc.
É comum, entre quem se dedica a estes assuntos, referir que em Portugal a relação entre construção nova e reabilitação é de 76%/24%, quando nos países da União Europeia essa relação média é de 47%/53%. Estes números reflectem bem o que tem sido a construção da habitação em Portugal e a profundidade das reformas que é necessário fazer neste sector. Não vale a pena estar aqui a apresentar as causas que levaram a esta situação que são sobejamente conhecidas, entre as quais avulta o financiamento das Autarquias, o congelamento das rendas, a legislação urbanística e, em particular, a utilização da figura do loteamento, bem como a evolução das taxas de juro após o Euro e o regime de crédito para a construção por parte das entidades bancárias.
O que é facto é que existem milhares de fogos devolutos no interior das cidades, a necessitarem de reabilitação ou simples renovação. Estas habitações são em regra mais espaçosas do que os apartamentos novos e o seu preço após reabilitação, é claramente inferior às habitações novas. Em termos sociais, a reabilitação é também muito vantajosa dado que evita a ampliação exagerada de infra-estruturas com os custos actuais e futuros que isso acarreta. Os habitantes das zonas centrais das cidades perdem muito menos tempo em deslocações casa-trabalho o que é igualmente uma grande vantagem, para além de se potenciar a utilização de transportes públicos, tema importante face às actuais alterações climáticas. A reabilitação/recuperação dos prédios potencia igualmente o desenvolvimento do mercado do arrendamento, condição crucial para a qualidade de vida dos novos casais que necessitam de habitação e não podem ficar “amarrados” à mesma hipoteca bancária durante dezenas de anos.
Perante a situação descrita, sendo hoje Portugal um país que atravessa uma grave crise financeira e de crescimento e que vai durar certamente alguns anos, a reabilitação do edificado existente corresponde, muito para além de um embelezamento das nossas cidades, a uma necessidade económica imperiosa. O valor gerado na reabilitação das cidades é muito superior ao do investimento idêntico em construção nova na expansão das cidades. É tempo de o Estado assumir a sua quota-parte na responsabilidade da degradação do património imobiliário, comparticipando na sua reabilitação, o que terá ainda o efeito lateral de contribuir para a recuperação económica de uma forma socialmente muito mais justa e sustentada do que através de grandes obras.
Publicado no Diário de Coimbra em 11 de Janeiro de 2010
1 comentário:
João Paulo,
subscrevo inteiramente o seu ponto de vista sobre a reabilitação urbana no desenvolvimento das cidades e os respectivos aspectos social, económico e ambiental. Estes são, actualmente, os três pilares fundamentais que alicerçam o conceito do desenvolvimento sustentável, definido em 1987, pelo World Commission on Environment and Development, como sendo o desenvolvimento que vai de encontro às necessidades do presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras em encontrar as suas próprias necessidades. E este conceito julgo poder também estender-se à vertente urbanística. Infelizmente as decisões políticas não valorizaram devidamente as vantagens da reabilitação urbana, tendo-se assim instalado uma cultura do novo riquismo, por um lado, e do comodismo, por outro. É pois necessária uma mudança da mentalidade/cultura portuguesa e também uma política concertada e adequada de incentivo. Penso que o poder político autárquico, com o conhecimento específico e actual que tem sobre a realidade local, pode ter o grande papel na aplicação das medidas necessárias. Contamos com isso!
Madalena Viegas de Carvalho
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