segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Horror e heroísmo pessoal


Com cem anos de vida, morreu há poucos dias Miep Gies, a última pessoa que testemunhou directamente a vida de Anne Frank.

Anne Frank tornou-se um dos maiores símbolos do horror que foi a perseguição aos judeus levada a cabo por Hitler e os seus sequazes nazis, através dos seus diários publicados pela primeira vez em 1947. Todos nós sabemos com algum detalhe o que foi a Segunda Guerra Mundial, como começou, como decorreu e terminou, bem como o regime de terror levado a todos os países conquistados através da máquina de guerra alemã. Guerras são guerras, sempre as houve ao longo da História, e suspeito que muitas mais haverá enquanto existir humanidade.

Mas, enquanto decorria a 2.ª Grande Guerra, o regime nazi levava a cabo uma outra guerra subterrânea, de uma desumanidade absoluta, contra gente indefesa, que teve como consequência a eliminação de milhões de vidas humanas, uma a uma. Durante todos os dias que durou aquela guerra, a mortífera organização nazi, em particular as SS, prendia milhares de judeus por toda a Europa ocupada e transferia-os de comboio até uma das diversas instalações construídas no Leste, onde, de forma mecânica e sistemática, procediam a o seu assassínio em massa. Os documentos das SS da época mostram mesmo que os seus maiores problemas consistiam em organizar eficientemente e de forma escondida milhares de mortes por dia durante vários anos, e como se livrarem de tão grande número de cadáveres.

Da História da Segunda Guerra Mundial da autoria de Martin Gilbert - que faz a sua descrição dia a dia desde o primeiro ao último dia -, tiro a descrição de um dia ao acaso, 15 de Agosto de 1941: “A 15 de Agosto, na localidade vizinha de Rokiskis, teve início uma orgia de massacres que durou dois dias inteiros e na qual foram fuzilados 3200 judeus, juntamente com cinco comunistas lituanos, um polaco e um resistente”. Outro exemplo ao acaso: a 6 de Agosto de 1942, mais de mil judeus holandeses foram deportados da Holanda para Auschwitz, seguidos por outros 987 a 7 de Agosto e mais 559, três dias mais tarde; destes, mais de metade foram gaseados logo que chegaram ao campo. Os outros foram enviados para os barracões de Birkenau, tornando-se mão-de-obra escrava”.

Mas a humanidade é sempre capaz do melhor, mesmo em tempos de horror e barbárie. É por isso que o testemunho de Anne Frank é importante: na escuridão mais profunda aparece sempre uma luz de esperança.

Anne Frank e a sua família sobreviveram escondidos durante mais de dois anos, devido ao apoio de amigos que lhes levaram diariamente alimentos e livros. Miep Gies foi precisamente uma dessas pessoas, tendo encontrado e guardado as folhas escritas por Anne Frank durante o período em esteve escondida, e publicando-as após o fim da guerra.

Durante a 2.ª Grande Guerra, para além de Anne Frank, houve muitos outros exemplos de heroísmo vindo de pessoas simples como o Padre Kolbe, Edith Stein ou Etty Hillessum (de quem recomendo vivamente a leitura do Diário e das Cartas). São estas pessoas a demonstração viva de que a humanidade ainda vale a pena.

Publicado no Diário de Coimbra em 18 de Janeiro de 2009

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