Há um velho aforismo que diz que “casa onde não há pão, todos ralham e ninguém tem razão”. Com uma observação mais cuidada das situações concretas, verifica-se que muitas vezes em substituição de “ninguém tem razão” se poderia antes dizer “todos têm razão” – pelo menos alguma.
A situação política do país teve uma evolução acelerada nas últimas semanas, acompanhando de perto a evolução das taxas de colocação da dívida soberana nos mercados internacionais.
A conversa deslocada que acompanhou o processo de apresentação da sua proposta de revisão constitucional por parte do PSD, foi subitamente substituída pela questão orçamental.
Aproveito para referir aqui que o PSD fez muito bem em propor uma revisão constitucional. O momento foi adequado, dado que a legislatura que agora começa tem poderes para rever a Constituição, fazendo todo o sentido que um partido reformista como o PSD sempre foi, olhe para a evolução social e económica do país que qualquer observador reconhece não ser famosa, antes pelo contrário, e proponha as reformas da lei fundamental que ache necessárias. Claro que as críticas e ataques à proposta são compreensíveis, dado que algumas posições ideológicas olham como sua uma Constituição que deve servir para que todo e qualquer partido legal possa governar segundo o seu programa, quando vencer eleições. Apropriação essa que, claramente, não é legítima. O exemplo da luta de Sá Carneiro para rever a Constituição no seu tempo não deve ser esquecido. Também nessa altura havia muita gente que se achava dona da Constituição, o que não impediu na altura o PSD de ir em frente, arrostar com muitas incompreensões e mesmo divisões e dissensões internas que acabam por fazer parte destes processos políticos.
A grande discussão sobre o Orçamento do Estado para 2011 faz todo o sentido. Será um documento fundamental para a credibilização externa do país mas sobretudo, para possibilitar um início de regresso a uma convergência económica com a União Europeia, que é o que verdadeiramente interessa. Só um crescimento sustentado em boas contas públicas abrirá caminho a uma recuperação económica que possibilite descidas da taxa de desemprego para níveis aceitáveis. E é na Assembleia da República que se deve discutir o Orçamento de Estado. O exemplo do “orçamento do queijo limiano” de má memória e que tão graves consequências teve não deve ser esquecido.
A possível vinda do FMI para nos obrigar a tomar medidas rigorosas e gravosas para todos não deve ser usada como chantagem sobre o Governo pelos partidos da oposição, nem ser aceite como única forma de o país tomar aquelas medidas que já todos sabemos muito bem quais são, porque a receita é sempre a mesma e já a conhecemos desde a década de 80.
Resta o presidente da República, em quem votei e por quem fiz campanha aquando da sua eleição e em quem irei muito provavelmente votar de novo. Penso que faz mal ao colocar-se de fora da solução, dando apenas sugestões e conselhos. Nas actuais circunstâncias exigir-se-ia muito mais, mesmo tendo em conta que as eleições presidenciais estão para breve. Não se percebe como é que ainda não convocou os líderes dos principais partidos para se definirem caminhos de convergência para a saída da actual situação, evitando em concreto a vinda do FMI. Tal como não se percebe que exija às propostas de revisão constitucional um “certificado” de qualidade que ninguém percebe bem qual é e que, tenho a certeza, receberia de Sá Carneiro uma resposta pouco agradável, se ainda fosse vivo.
NOTA: depois de escrita esta crónica, foi tornado público que Cavaco Silva convocou os partidos. Até que enfim.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra de 27 de Setembro de 2010
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