O leitor lembrar-se-á de uma invasão de placas a dizer “trânsito local” que ocorreu nas nossas estradas aqui há uma vintena de anos. Grande parte delas via-se nas então novas estradas, os a partir de então chamados itinerários principais e complementares, que faziam parte do que muitos apelidavam de forma depreciativa de “política de betão”. Esses sinais indicadores, absolutamente ridículos e inúteis, surgiram porque os gabinetes projectistas da capital tinham à época muito trabalho, e prescindiam de ir aos locais verificar quais as povoações servidas pelas ligações secundárias. Inventaram assim uma designação genérica que servia a todos e a ninguém, e apenas demonstrava o que sucede quando o centralismo se sobrepõe a uma correcta análise das necessidades locais.
Vem isto a propósito da actual polémica acerca das alterações ao projecto do IC3 na zona urbana de Coimbra.
Esta estrada ligará Coimbra a Tomar, e faz parte da “Concessão do Pinhal Interior” recentemente aprovada pelo Tribunal de Contas. O estudo do traçado foi objecto de negociações entre a Estradas de Portugal (EP) e a autarquia de Coimbra há dois anos, tendo sido definido um corredor cujo EIA (estudo de impacte ambiental) foi também recentemente aprovado.
Dentro da actual filosofia de financiamento de construção de estradas, a Estradas de Portugal (EP) adjudicou a “Concessão do Pinhal Interior” a um consórcio privado que procede agora à elaboração do Projecto de Execução da nova estrada, para depois a construir e explorar a utilização durante o período da sub-concessão. Como é evidente, a empresa sub-concessionária elabora um projecto que, dentro dos condicionalismos do concurso, lhe permita diminuir os custos de instalação.
E foi aqui que se estabeleceu nova discussão, porque os elementos agora entregues à Câmara de Coimbra alteram o anteriormente acordado, embora mantendo basicamente o traçado dentro do corredor aprovado. Mas, ao subir significativamente as cotas de projecto, diminui a extensão de túneis prevista e introduz viadutos com grande extensão e muito altos, agredindo a paisagem de forma violenta e desnecessária. Por outro lado, as ligações previstas à rede viária urbana são também alteradas, com consequências muito negativas na organização viária da Cidade. Isto sucede quer na ligação do IC3 à cidade na margem direita do Mondego que estava prevista para a zona da Portela com acesso imediato à circular da Boavista e que agora se propõe directamente para a Av. Fernando Namora, quer na ligação à Circular Externa, que passa a ser excessivamente extensa.
Estas alterações lembram bem aquela antiga posição centralista de desprezo pelos interesses locais representada de forma anedótica pelas placas de “trânsito local”.
As forças políticas representadas na Câmara, maioria e oposição, manifestaram uma posição unânime na rejeição das alterações agora propostas.
Acredito que perante uma posição unida e coerente da cidade e dos seus representantes legítimos, quer a Estradas de Portugal quer o consórcio sub-concessionário entenderão a importância de conciliar os seus interesses com os de Coimbra encontrando as necessárias soluções técnicas para que esta nova estrada corresponda aos critérios de eficiência e sustentabilidade exigíveis. Não nos esqueçamos que o objectivo de construir estradas é servir as populações que no fim acabam sempre por as pagar com os seus impostos.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 6 de Setembro de 2010
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