Sem qualquer tipo de comemoração passaram há poucos dias 35 anos sobre o 25 de Novembro (de 1975). Os mais jovens nem deverão saber o que se passou nessa data em que finalmente Portugal foi colocado na via da Democracia. A mitologia instalada por uma determinada esquerda pretende que nessa data a contra-revolução acabou com o 25 de Abril. Na realidade, a clique revolucionária que, com Álvaro Cunhal à cabeça, tentou nessa data realizar o “Outubro de 1917” em Portugal, perdeu definitivamente o caminho da História criando-se as condições para que, perdido enfim o sonho do Império e também dos amanhãs que cantam, Portugal se virasse para a Europa de onde partira cinco séculos antes.
Sabemo-lo hoje claramente, porque algumas das pessoas que na altura participaram nessa aventura como Zita Seabra, contam sem dramas o que se passou realmente no 25 de Novembro, com identificação de pessoas, locais e datas.
Estamos hoje de novo em dificuldades económicas graves. Temos muita facilidade em esquecer as dificuldades do passado, tendendo em salientar apenas os aspectos bons que existiam. No entanto, Portugal é hoje um país completamente diferente do que era em 1975, para melhor em quase todos os aspectos, particularmente no que respeita às condições de vida da população em geral. E, se isso é assim, é porque houve muitos homens e mulheres que nessa altura tiveram coragem e força para assumir atitudes que não eram nada fáceis.
Muito devemos de facto a quem em 25 de Novembro de 75 fez frente à loucura revolucionária da esquerda radical. Recordo entre outros Ramalho Eanes, o grupo dos Nove com Melo Antunes, Costa Gomes que retirou o tapete ao PCP e Jaime Neves que no terreno com os seus homens do regimento de Comandos da Amadora valentemente cortou o pé aos militares revoltosos, particularmente da polícia militar. Assim como Sá Carneiro e Mário Soares que nessa altura compreenderam bem o que estava em causa. Foram Homens que numa altura de conflitualidade extrema souberam agarrar a causa suprema da Liberdade sem adjectivos, acalmando o país e devolvendo ao povo a soberania que lhe ia escapando entre os dedos.
Ramalho Eanes disse em entrevista há poucos dias: "acreditava-se, talvez um pouco utopicamente, que a democracia (...) iria permitir que o país avançasse, evoluísse, se modernizasse, se tornasse mais justo e mais solidário. Pensava-se que tudo isso decorreria normalmente da democracia. Infelizmente não aconteceu".
Isto é, os homens que em 75 foram capazes de perceber os perigos da chamada “revolução socialista” e de a impedir, não tinham a percepção de que a Democracia não se esgota nos votos. Muitas pessoas ainda hoje não percebem que um determinado nível de conflitualidade é inerente à democracia. Muitos entre nós têm dificuldade em perceber que em democracia os políticos que nos governam são eleitos e que os não eleitos podem ter toda a razão do mundo, e muitas vezes têm, mas isso é irrelevante porque não têm oportunidade de exercer o poder e aplicar as suas ideias. E percebe-se também que muitos têm dificuldade em aceitar que as políticas praticadas devem ter em conta a vontade dos eleitores manifestada pelo voto. E que no fim do mandato haverá novas eleições. Claro está que isto não significa que os políticos possam mentir nas campanhas, até porque não se pode enganar toda a gente durante todo o tempo. Mas apenas que a Democracia é um delicado jogo de balanço entre o que se deve fazer e o que se aceita como sendo a vontade soberana do povo em cada momento. E que o sistema democrático deve ter filtros e contra-balanços que permitam escolher os melhores e que estes não se estraguem e não estraguem o bem comum.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra de 29 de Novembro de 2010
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