Por vários motivos tenho uma ligação pessoal especial à Cidade do Porto. O leitor pode comentar que se trata de lugares comuns, mas toda a orografia, a organização urbana e mesmo as características próprias dos velhos edifícios dão ao Porto uma qualidade muito especial. O granito escuro, as características climáticas fazem-nos pensar que estamos, não perto do Mediterrâneo, mas na Europa do Norte. Claro que isso se vai dissipando com a movimentação populacional cada vez mais acentuada dos dias de hoje, mas mesmo a própria gente do Porto ainda hoje tem características muito diferentes do Sul, e não apenas na linguagem. Não foi por acaso que a burguesia do Porto sempre se afirmou de uma forma muito mais acentuada, em contraponto com a proeminência social e mesmo económica da nobreza em Lisboa. Não vão longe os tempos em que o comércio do Porto se fazia de uma forma completamente diferente do resto do país. Era normal que qualquer comerciante ou empregado virasse a loja do avesso para encontrar aquele produto que satisfizesse a vontade do cliente.
Trabalhei no Porto durante algum tempo, já lá vai um bom par de anos. Sei do elevado profissionalismo com que lá se trabalha em geral, bem como da simpatia e companheirismo de colegas de trabalho, ainda que em áreas de elevada competitividade e exigência de rigor.
Certamente que não por acaso, o Porto possui desde há alguns anos a “Casa da Música”, um equipamento cultural verdadeiramente excepcional que diz muito da apetência cultural da cidade, nomeadamente na área da música clássica. Se já antes aquela Cidade tinha um nível cultural elevado, a Casa da Música veio proporcionar condições para ampliar o público da música dita clássica e aprofundar o seu conhecimento e exigência.
“Aqui há atrasado” – como lá se diz, tive a oportunidade de assistir a um Concerto de Reis oferecido à Cidade do Porto que decorreu na Igreja de Santo António dos Congregados.
Nesse concerto foi interpretada a Oratória de Natal op.12 de Camille Saint-Saëns, com a participação de coros e solistas do Porto, do Orfeon Académico de Coimbra e da Orquestra Clássica do Centro com a regência do Maestro Artur Pinho. Foi um espectáculo deslumbrante, pela beleza da peça e pela qualidade da interpretação. Mas um aspecto me chamou a atenção, que não posso deixar de aqui partilhar. Obviamente que havia ali Coimbra no seu melhor, mas sem haver Coimbra. Isto é, a participação dos agrupamentos idos de Coimbra deveu-se apenas ao reconhecimento da sua qualidade. E não por serem de Coimbra. Tanto podiam estar ali eles, como outros agrupamentos de outro lado, e por sua vez a música tocada não tinha nada a ver com Coimbra. O que é extremamente positivo. Os aplausos demorados significaram um reconhecimento da qualidade não contaminado por factores afectivos normalmente ligados à tradição académica como tanta vez sucede com todos nós, o que é de salientar. A modernidade de Coimbra tem que passar por uma afirmação profissional, de qualidade e descomplexada, seja em palcos culturais, seja noutros quaisquer, como o demonstrou o entusiasmo daquele público culto e exigente em que, entre muitos outras, se podiam ver figuras como Margarida Reis e Rui Taveira.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 17 de Janeiro de 2011
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