quarta-feira, 30 de março de 2011

Aprender a falar.

"Essa pessoa já não está à frente. O que o senhor que fazia a gestão do Escala Braga fará a seguir não é da nossa competência intervir, como é óbvio", disse a ministra Ana Jorge em resposta a uma pergunta do Bloco de Esquerda.
Veja-se bem o linguajar da sra. Ministra. É aflitivo, não é?

segunda-feira, 28 de março de 2011

EUROPA COMPLICADA

QUERO VER O BURACO!

Do "i" de hoje: "Cavaco Silva pediu a Passos Coelho que não levante ondas e esqueça a auditoria às contas públicas. Esta auditoria iria servir para conhecer a verdadeira dimensão da crise portuguesa, mas Cavaco alega que está a defender os superiores interesses do país e tem medo do que possa ser descoberto."

“Onde não há Liberdade de Imprensa não há democracia”

Quando parte alguém que, pelo seu exemplo, foi farol de orientação para os outros concidadãos, é nossa obrigação parar um pouco e tomar consciência da importância que teve e de como, na sua área, contribuiu para que o mundo fosse um pouco melhor.

A frase acima citada é da autoria de Adriano Lucas e muitos colaboradores seus a terão ouvido ao longo dos muitos anos em que esteve à frente do Diário de Coimbra.

O Eng. Adriano Lucas, falecido há poucos dias era o Decano dos jornais portugueses. Dirigiu o Diário de Coimbra desde 1950, onde já antes colaborava com seu Pai, ainda muitos de nós não eram nascidos. Foi Director do jornal durante mais de duas décadas do Estado Novo e quase quatro décadas em Democracia. Em ambas as situações experimentou as pressões de quem tem problemas com a liberdade de imprensa.

Ao longo da sua vida, o Eng. Adriano Lucas exerceu funções de gestão, ao mais alto nível, de numerosas e importantes empresas de Coimbra. Mas voltou sempre àquilo que verdadeiramente mexia com ele: a imprensa. Continuou e fez crescer o Diário de Coimbra, mas fundou muitos outros jornais na região Centro. Para ele, era cristalino que sem uma imprensa livre, não há verdadeira Liberdade.

Para que uma imprensa seja livre, é necessário que esteja em condições de dizer não, quer ao poder político, quer às pressões económicas. Adriano Lucas sabia-o muito bem e toda a vida trabalhou para que os seus jornais fossem verdadeiramente livres, através do seu próprio sucesso empresarial.

Antes do 25 de Abril, sustentou do seu bolso as despesas de um jornal suspenso pelo poder político durante praticamente um ano, por causa da publicação de um conto que tinha um significado político evidente, na sequência do fim da 2ª Guerra Mundial; lemos o texto e o que à época foi considerado subversivo é hoje apenas irónico! Mas não se vergou. Depois do 25 de Abril, os disparates dos revolucionários levaram-no a criar um nome diferente para a edição de fim de semana do Diário de Coimbra. Foi assim que surgiu o “Domingo”. Mas não deixou de publicar o jornal: não faltava mais nada, que não o pudesse fazer.

O Eng. Adriano Lucas não se fechou no mundo dos seus jornais. Participou de forma activa e mesmo decisiva na elaboração da primeira Lei de Imprensa que houve em Portugal depois do 25 de Abril, tendo sido membro do Conselho de Imprensa, enquanto este existiu.

Era assim, com toda a simplicidade, que aos ataques à liberdade de imprensa, reagia com frontalidade, viessem esses ataques de onde viessem. Verdadeiro espírito de liberdade, exemplo para todos nós, particularmente nos dias de hoje em que a subserviência ao partido, à igreja, ao patrão, à entidade oficial que coloca anúncios ou mesmo aos reguladores do politicamente correcto tentam condicionar a liberdade de imprensa, quase sempre por meios pouco transparentes.

Que este singelo artigo, escrito por um beneficiário da liberdade de opinião que o Eng. Adriano Lucas defendia, sirva para que os jovens percebam como um espírito liberal, bem-formado, com consciência e rectidão, sem grandes alardes, pode ser tão ou mais importante para a sociedade e para todos nós do que muitos daqueles que todos os dias enchem as televisões e jornais com um brilho muitas vezes artificial que desaparece à primeira dificuldade.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 28 de Março de 2011

terça-feira, 22 de março de 2011

ESTUDO DO ECONOMISTA ÁLVARO SANTOS PEREIRA




 

  Estudo do Economista Álvaro Santos Pereira, Professor da Simon Fraser University, no Canadá. *

Portugal tem hoje 349 Institutos Públicos, dos quais 111 não pertencem ao sector da Educação. Se descontarmos também os sectores da Saúde e da Segurança Social, restam ainda 45 Institutos com as mais diversas funções.

Há ainda a contabilizar perto de 600 organismos públicos, incluindo Direcções Gerais e Regionais, Observatórios, Fundos diversos, Governos Civis, etc.) cujas despesas podiam e deviam ser reduzidas, ou em alternativa - que parece ser mais sensato - os mesmos serem pura e simplesmente extintos.

Para se ter uma noção do despesismo do Estado, atentemos apenas nos supra-citados Institutos, com funções diversas, muitos dos quais nem se percebe bem para o que servem.

Veja-se então as transferências feitas em 2010 pelo governo  para estes organismos: 

 

 

ORGANISMOS

DESPESA (em milhões de €)

Cinemateca Portuguesa

3,9

Instituto Português de Acreditação

4,0

Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos

6,4

Administração da Região Hidrográfica do Alentejo

7,2

Instituto de Infra Estruturas Rodoviárias

7,4

Instituto Português de Qualidade

7,7

Administração da Região Hidrográfica do Norte

8,6

Administração da Região Hidrográfica do Centro

9,4

Instituto Hidrográfico

10,1

Instituto do Vinho do Douro

10,3

Instituto da Vinha e do Vinho

11,5

Instituto Nacional da Administração

11,5

Alto Comissariado para o Diálogo Intercultural

12,3

Instituto da Construção e do Imobiliário

12,4

Instituto da Propriedade Industrial

14,0

Instituto de Cinema e Audiovisual

16,0

Instituto Financeiro para o Desenvolvimento Regional

18,4

Administração da Região Hidrográfica do Algarve

18,9

Fundo para as Relações Internacionais

21,0

Instituto de Gestão do Património Arquitectónico

21,9

Instituto dos Museus

22,7

Administração da Região Hidrográfica do Tejo

23,4

Instituto de Medicina Legal

27,5

Instituto de Conservação da Natureza

28,2

Laboratório Nacional de Energia e Geologia

28,4

Instituto de Gestão do Fundo Social Europeu

28,6

Instituto de Gestão da Tesouraria e Crédito Público

32,2

Laboratório Militar de Produtos Farmacêuticos

32,2

Instituto de Informática

33,1

Instituto Nacional de Aviação Civil

44,4

Instituto Camões

45,7

Agência para a Modernização Administrativa

49,4

Instituto Nacional de Recursos Biológicos

50,7

Instituto Portuário e de Transportes Marítimos

65,5

Instituto de Desporto de Portugal

79,6

Instituto de Mobilidade e dos Transportes Terrestres

89,7

Instituto de Habitação e Reabilitação Urbana

328,5

Instituto do Turismo de Portugal

340,6

Inst. Apoio às Pequenas e Médias Empresas e à Inovação

589,6

Instituto de Gestão Financeira

804,9

Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas

920,6

Instituto de Emprego e Formação Profissional

1.119,9

                                                                     TOTAL.........................

5.018,4

 

- Se se reduzissem em 20% as despesas com este - e apenas estes - organismos, as poupanças rondariam os 1000 milhões de €, e, evitava-se a subida do IVA.

- Se fossem feitas fusões, extinções ou reduções mais drásticas a poupança seria da ordem dos 4000 milhões de €, e não seriam necessários cortes nos salários.

- Se para além disso mais em outros tantos Institutos se procedesse de igual forma, o PEC 3 não teria sequer razão de existir.


                      

 

 

 

 

 

 

segunda-feira, 21 de março de 2011

PONTO VERNAL


Os ciclos fazem parte da vida. Quer ao nível humano (todos nascemos, vivemos e morremos), quer ao nível da restante Natureza.
Newton descreveu na sua Philosophie Naturalis Principia Mathematica de 1687 a Lei da Gravitação Universal que demonstra como o movimento dos corpos celestes e dos objectos na Terra se rege pelas mesmas leis naturais. É assim que hoje conhecemos muito melhor as leis da Física e os movimentos dos astros e a astronomia é uma ciência exacta e importante para o nosso dia-a-dia.
Hoje começa a Primavera. Ao Inverno frio, ventoso, chuvoso e difícil de suportar pelos nossos frágeis organismos, vai seguir-se um tempo ameno, florido e muito mais agradável para todos. Em termos astronómicos, o início da Primavera coincide com o ponto mais importante dos sistemas que servem para medir os movimentos dos astros. É o ponto vernal, ou equinócio da Primavera. É o ponto de intersecção entre o Equador celeste e a eclíptica que descreve o nosso movimento anual médio da Terra em volta do Sol. É o momento em que o Sol se situa no Equador Celeste, em que a duração do dia é igual à da noite e o início de três meses em que o Sol, cada vez mais elevado no horizonte no nosso Hemisfério Norte, brilha mais e seca e limpa as humidades acumuladas no Inverno.
Não certamente por acaso, a Primavera suscitou sempre belas obras de arte ao longo dos tempos. Quem não se lembra imediatamente da Primavera de Sandro Botticelli? Ou das maravilhosas Estações de Haydn? Ou mesmo da mais conhecida Primavera de Vivaldi?
Devido a Newton, Galileu, Copérnico, Kepler e tantos outros, as efemérides astronómicas são hoje completamente previsíveis, porque as leis da Física que as regem são bem conhecidas.
Tal como na astronomia, quando um determinado facto importante na vida ocorre, ele nunca nasce do nada, surgindo em consequência de movimentos anteriores, quer os conheçamos, quer não.
No entanto, se em astronomia o conhecimento do passado permite prever largamente o futuro, já nas chamadas ciências sociais como a economia, se é possível chegar a dar um razoável entendimento do que se passou, já é praticamente impossível prever o que sucederá num futuro, ainda que mais ou menos próximo. A necessidade de um país recorrer ao FMI, por exemplo, não surge de repente e sim como consequência de um movimento complexo de variáveis económicas e financeiras que, em conjunto, evoluem até se chegar a esse ponto. Conhece-se portanto, com razoável profundidade, como se chegou à actual situação. Já o futuro depende em absoluto das opções que se tomem agora.
Todos estamos bem conscientes do ponto crucial em que se encontra o país. A curva que nos trouxe até aqui é um Inverno bem rigoroso. Façamos tudo para que o momento actual seja, no fundo, o ponto vernal da nossa evolução e que o futuro venha a ser uma Primavera e não a continuação do Inverno do nosso descontentamento colectivo.

segunda-feira, 14 de março de 2011

O MAR (JÁ) NÃO É PORTUGUÊS


“Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!”

Fernando Pessoa perpetuou na sua “Mensagem” o mito do mar português de forma magnífica. Mas, se muito do mar já foi português, isso pertence a um passado cada vez mais longínquo. Nas últimas dezenas de anos esfumou-se a nossa marinha mercante e com ela as escolas de marinhagem. Quase se eliminou a frota de pescas e, embora continuemos a ser o povo que mais peixe come na Europa, isso deve-se a um bom hábito alimentar que resiste, já que a maior parte do peixe fresco que consumimos hoje em dia é importado. Os nossos estaleiros navais vegetam com poucas encomendas, embora os estaleiros de reparação comecem agora a recuperar, mas bem longe da relevância mundial que tiveram até aos anos setenta do século passado. Para um país que tem uma relação comprimento de costa sobre a sua área tão esmagadora e com o historial náutico que tem, é apenas ridícula a fraca actividade ligada aos desportos náuticos.

No dia da tomada de posse para o seu segundo mandato, o Presidente da República entendeu por bem reafirmar o seu compromisso com o Mar, destacando a importância da chamada Agenda do Mar.

Claro que o teor do discurso de tomada de posse e as reacções que originou atraíram a atenção dos media e a Agenda do Mar passou mais uma vez relativamente despercebida. Mas não devia. A recuperação económica do país é a única verdadeira saída para os nossos problemas, incluindo o desemprego. O resto são paliativos para uma situação grave de dívida externa e de défice de contas públicas.

E, de facto, a economia do mar tem uma potencialidade gigantesca para ajudar o país a recuperar da letargia económica. O saudoso Ernâni Lopes lutou durante anos para que os responsáveis políticos acordassem para o riquíssimo conjunto de actividades económicas relacionadas com o mar, a que sugestivamente chamava “hipercluster do mar”. Portugal continental tem uma extensão de costa com mais de 900 km. A zona económica exclusiva portuguesa tem mais de 1.700.000 km2, sendo a terceira maior da União Europeia. Podemos mesmo considerar que o abandono a que os nossos sucessivos responsáveis têm votado este sector é apenas criminoso. As áreas da Defesa e Segurança – Marinha de Guerra, Transportes Marítimos Europeus, Portos e Investigação e Desenvolvimento constituem, no seu conjunto, um sector gigantesco que deve ser tratado de forma integrada numa perspectiva de crescimento económico sustentado e de grande futuro. Não podemos é continuar a comprar submarinos em vez de patrulhas oceânicos em quantidade, nem ter costa marítima vigiada com radares móveis e binóculos. Nem gastar fortunas em brincadeiras grotescas como a cobra produtora de electricidade das ondas. Nem fechar linhas férreas, cruciais para a circulação de mercadorias trasfegadas nos portos.

O crescimento económico do país não pode passar pelo esquecimento de todo este potencial, que ainda por cima entronca no passado mais brilhante que tivemos. A visão política estratégica é crucial para que a nossa economia recupere e venha a proporcionar aos portugueses níveis de vida comparáveis aos da Europa do Norte como todos desejamos.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 14 de Março de 2011

quinta-feira, 10 de março de 2011

A morte da executiva bem-sucedida

Não posso deixar de partilhar este mail que recebi:

A morte da executiva bem-sucedida
Foi tudo muito rápido. A executiva bem-sucedida sentiu uma pontada no peito, vacilou, cambaleou. Deu um gemido e apagou-se. Quando voltou a abrir os olhos, viu-se diante de um imenso Portal.

Ainda meio tonta, atravessou-o e viu uma miríade de pessoas. Todas vestindo cândidos camisolões e caminhando despreocupadas. Sem entender bem o que estava a acontecer, a executiva bem-sucedida abordou um dos passantes:

- Enfermeiro, eu preciso voltar com urgência para o meu escritório, porque tenho um meeting importantíssimo. Aliás, acho que fui trazida para cá por engano, porque o meu seguro de saúde é Platina, e isto aqui está a parecer-me mais a urgência dum Hospital público. Onde é que nós estamos?

- No céu.

- No céu?...

- É.

- O céu, CÉU....?! Aquele com querubins, anjinhos e coisas assim?

- Exacto! Aqui vivemos todos em estado de graça permanente.

Apesar das óbvias evidências, ausência de poluição, toda a gente a sorrir, ninguém a usar telemóvel, a executiva bem-sucedida levou tempo a admitir que havia mesmo batido a bota.

Tentou então o plano B: convencer o interlocutor, por meio das infalíveis técnicas avançadas de negociação, de que aquela situação era inaceitável. Porque, ponderou, dali a uma semana iria receber o bónus anual, além de estar fortemente cotada para assumir a posição de presidente do conselho de administração da empresa.

E foi aí que o interlocutor sugeriu:

- Talvez seja melhor a senhora conversar com Pedro, o coordenador..

- É?! E como é que eu marco uma audiência? Ele tem secretária?
- Não, não. Basta estalar os dedos e ele aparece.

- Assim? (...)

- Quem me chama?

A executiva bem-sucedida quase desabava da nuvem. À sua frente, imponente, segurando uma chave que mais parecia um martelo, estava o próprio Pedro.
Mas, a executiva tinha feito um curso intensivo de approach para situações inesperadas e reagiu logo:

- Bom dia. Muito prazer. Belas sandálias. Eu sou uma executiva bem-sucedida e...

- Executiva... Que palavra estranha. De que século veio?

- Do XXI. O distinto vai dizer-me que não conhece o termo 'executiva'?

- Já ouvi falar. Mas não é do meu tempo.

Foi então que a executiva bem-sucedida teve um insight. A máxima autoridade ali no paraíso aparentava ser um zero à esquerda em modernas técnicas de gestão empresarial. Logo, com seu brilhante currículo tecnocrático, a executiva poderia rapidamente assumir uma posição hierárquica, por assim dizer, celestial ali na organização.

- Sabe, meu caro Pedro. Se me permite, gostaria de lhe fazer uma proposta. Basta olhar para essa gente toda aí, só na palheta e andando a toa, para perceber que aqui no Paraíso há enormes oportunidades para dar um upgrade na produtividade sistémica.

- É mesmo?

- Pode acreditar, porque tenho PHD em reorganização. Por exemplo, não vejo ninguém usando identificação. Como é que a gente sabe quem é quem aqui, e quem faz o quê?

- Ah, não sabemos.

- Percebeu? Sem controlo, há dispersão. E dispersão gera desmotivação. Com o tempo isto aqui vai acabar em anarquia. Mas podemos resolver isso num instante implementando um simples programa de targets individuais e avaliação de performance.

- Que interessante...

- É claro que, antes de tudo, precisaríamos de uma hierarquização e um organograma funcional, nada que dinâmicas de grupo e avaliações de perfis psicológicos não consigam resolver.

- !!!...???...!!!...???...!!!

- Aí, contrataríamos uma consultoria especializada para nos ajudar a definir as estratégias operacionais e estabeleceríamos algumas metas factíveis de leverage, maximizando, dessa forma, o retorno do investimento do Grande Accionista... Ele existe, certo?

- Sobre todas as coisas.

- Óptimo. O passo seguinte seria partir para um downsizingprogressivo, encontrar sinergias high-tech, redigir manuais de procedimento, definir o marketing mix e investir no desenvolvimento de produtos alternativos de alto valor agregado. O mercado telestérico, por exemplo, parece-me extremamente atractivo.

- Incrível!

- É óbvio que, para conseguir tudo isso, teremos de nomear um boardde altíssimo nível. Com um pacote de remuneração atraente, é claro. Coisa assim de salário de seis dígitos e todos os fringe benefits e mordomias da praxe. Porque, agora falando de colega para colega, tenho a certeza de que vai concordar comigo, Pedro. O desafio que temos pela frente vai resultar num Turnaround radical.
- Impressionante!

- Isso significa que podemos partir para a implementação?

- Não. Significa que a senhora terá um futuro brilhante... se for trabalhar com o nosso concorrente. Porque acaba de descrever, exactamente, como funciona o Inferno...

Max Gehringer
(Revista Exame)

segunda-feira, 7 de março de 2011

Não à dívida

Em Lisboa (claro, onde mais?) está em construção pela Mota-Engil e pela Martifer um edifício moderníssimo para o "Novo Museu dos Coches".
Mais de 30 milhões de Euros, certamente bem gastos.

CIDADES: SERES VIVOS


Alguém comparou o desenvolvimento das cidades com a evolução do ADN, numa imagem extremamente feliz. A complexificação das células conduziu ao ser vivo mais completo que é o ser humano. As células evoluíram, ganharam especializações e agruparam-se em conjuntos de níveis diferentes, com tarefas próprias sucessivamente mais complexas, como os órgãos e os sistemas. Mas mesmo esses sistemas não são nem existem senão para uma função que agrupa todas as células: a vida do ser (humano, neste caso). A vida desse ser só é possível através de um relacionamento com o meio exterior, que lhe fornece os elementos necessários ao seu funcionamento, o meio ambiente. É assim que, logo após o seu nascimento, todos os seres vivos, incluindo os humanos, se inserem no meio ambiente, o que deverá suceder da forma mais harmónica e sustentável possível.

De forma semelhante, os agregados humanos evoluíram desde a ocupação das cavernas naturais até formar os sistemas altamente complexos e estruturados que são as cidades que hoje conhecemos.

As cidades fornecem habitação, trabalho, segurança, mobilidade, formação, diversão, cultura, conhecimento e possibilidade de relacionamento com muitos outros semelhantes, através de relações de vizinhança. Por isso as cidades são hoje tão parecidas com seres vivos complexos. Com uma complexidade acrescida. Enquanto os seres vivos têm o seu desenvolvimento espacial bem definido que está controlado através do seu ADN, as cidades podem crescer de forma anárquica e tornarem-se mesmo desagradáveis para quem lá vive, ou, pelo contrário, serem harmoniosas, funcionando os seus diversos subsistemas de forma coerente, contribuindo todos para uma boa qualidade de vida dos seus habitantes que são a sua razão de ser.

Ao longo dos anos, a organização das cidades foi-se especializando nas suas diferentes áreas. Há leis relativas ao planeamento urbanístico e à gestão urbanística. Há leis que limitam os níveis de ruído. Há regras para a organização do sistema viário e mesmo para a circulação viária. Há regras para a distribuição das fontes energéticas e da água, bem como da sua recolha e tratamento depois de utilizada. Há regras para a definição do que é o património histórico de interesse colectivo, bem como para a sua protecção e utilização. As cidades desenvolveram sistemas de utilização comum, como os de carácter desportivo e de lazer.

É assim que as autarquias têm imensos sectores especializados que tratam de áreas diversas e com poucos pontos de contacto, para além do orçamento municipal e que exigem conhecimentos técnicos e legais profundos para que sejam eficientes. Cai-se assim na tentação da especialização técnica aliada à burocracia que leva à falta de perspectiva de conjunto e da noção de cidade como ser vivo que necessita que todos os seus sistemas trabalhem de forma integrada para o mesmo objectivo que deverá ser definido pela Política.

Os PDM, os planos de urbanização, a regeneração urbana, as políticas de espaços públicos, de desportos, de comércio, de habitação, de desenvolvimento económico, de turismo, de segurança, de transportes públicos, de educação, de cultura, de apoio social, de sustentabilidade ambiental e tantas outras de carácter sectorial devem ser coerentes com uma definição estratégica da própria Cidade. Nem sequer o planeamento do território e da sua ocupação deverá ser determinante do resto: ele próprio deverá ser coerente com as restantes políticas sectoriais e integrado na política estratégica da Cidade.

As cidades que pegam na sua História e desenvolvem uma ideia estratégica clara para o seu futuro conseguem tornar-se competitivas, ambientalmente sustentáveis e, acima de tudo, oferecer já hoje aos seus habitantes uma qualidade de vida que lhes permita serem verdadeiramente cidadãos.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra de 7 de Março de 2011

sexta-feira, 4 de março de 2011