segunda-feira, 7 de março de 2011

CIDADES: SERES VIVOS


Alguém comparou o desenvolvimento das cidades com a evolução do ADN, numa imagem extremamente feliz. A complexificação das células conduziu ao ser vivo mais completo que é o ser humano. As células evoluíram, ganharam especializações e agruparam-se em conjuntos de níveis diferentes, com tarefas próprias sucessivamente mais complexas, como os órgãos e os sistemas. Mas mesmo esses sistemas não são nem existem senão para uma função que agrupa todas as células: a vida do ser (humano, neste caso). A vida desse ser só é possível através de um relacionamento com o meio exterior, que lhe fornece os elementos necessários ao seu funcionamento, o meio ambiente. É assim que, logo após o seu nascimento, todos os seres vivos, incluindo os humanos, se inserem no meio ambiente, o que deverá suceder da forma mais harmónica e sustentável possível.

De forma semelhante, os agregados humanos evoluíram desde a ocupação das cavernas naturais até formar os sistemas altamente complexos e estruturados que são as cidades que hoje conhecemos.

As cidades fornecem habitação, trabalho, segurança, mobilidade, formação, diversão, cultura, conhecimento e possibilidade de relacionamento com muitos outros semelhantes, através de relações de vizinhança. Por isso as cidades são hoje tão parecidas com seres vivos complexos. Com uma complexidade acrescida. Enquanto os seres vivos têm o seu desenvolvimento espacial bem definido que está controlado através do seu ADN, as cidades podem crescer de forma anárquica e tornarem-se mesmo desagradáveis para quem lá vive, ou, pelo contrário, serem harmoniosas, funcionando os seus diversos subsistemas de forma coerente, contribuindo todos para uma boa qualidade de vida dos seus habitantes que são a sua razão de ser.

Ao longo dos anos, a organização das cidades foi-se especializando nas suas diferentes áreas. Há leis relativas ao planeamento urbanístico e à gestão urbanística. Há leis que limitam os níveis de ruído. Há regras para a organização do sistema viário e mesmo para a circulação viária. Há regras para a distribuição das fontes energéticas e da água, bem como da sua recolha e tratamento depois de utilizada. Há regras para a definição do que é o património histórico de interesse colectivo, bem como para a sua protecção e utilização. As cidades desenvolveram sistemas de utilização comum, como os de carácter desportivo e de lazer.

É assim que as autarquias têm imensos sectores especializados que tratam de áreas diversas e com poucos pontos de contacto, para além do orçamento municipal e que exigem conhecimentos técnicos e legais profundos para que sejam eficientes. Cai-se assim na tentação da especialização técnica aliada à burocracia que leva à falta de perspectiva de conjunto e da noção de cidade como ser vivo que necessita que todos os seus sistemas trabalhem de forma integrada para o mesmo objectivo que deverá ser definido pela Política.

Os PDM, os planos de urbanização, a regeneração urbana, as políticas de espaços públicos, de desportos, de comércio, de habitação, de desenvolvimento económico, de turismo, de segurança, de transportes públicos, de educação, de cultura, de apoio social, de sustentabilidade ambiental e tantas outras de carácter sectorial devem ser coerentes com uma definição estratégica da própria Cidade. Nem sequer o planeamento do território e da sua ocupação deverá ser determinante do resto: ele próprio deverá ser coerente com as restantes políticas sectoriais e integrado na política estratégica da Cidade.

As cidades que pegam na sua História e desenvolvem uma ideia estratégica clara para o seu futuro conseguem tornar-se competitivas, ambientalmente sustentáveis e, acima de tudo, oferecer já hoje aos seus habitantes uma qualidade de vida que lhes permita serem verdadeiramente cidadãos.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra de 7 de Março de 2011

Sem comentários: