É
hoje possível ter uma ideia mais verdadeira sobre tudo o que se passou nessa
época, através dos livros da autoria de pessoas das mais diversas opções
ideológicas. É certo que foi a duração da Guerra Colonial que já durava há 13
anos que esteve na origem do derrube do Regime pelo Movimento dos Capitães.
Saber se o motivo imediato foi ou não uma questão corporativa dos militares de
carreira será hoje uma questão supérflua. O que é evidente é que o regime caiu
sem que tivesse quem o defendesse.
O
programa apresentado pelos militares do 25 de Abril assentava nos famosos “3
dês”: democratização, descolonização e desenvolvimento, não necessariamente por
esta ordem.
A
descolonização foi feita de imediato, mal feita, atabalhoada, confundindo-se
com uma fuga descontrolada, sem cuidar quer dos portugueses que lá estavam,
quer de organizar um período de transição para reorganização dos novos países
com um mínimo de preocupações de futuro, o que teve consequências trágicas que
perduraram durante décadas.
O
desenvolvimento era olhado como o aproximar das condições de vida da “Europa”,
como se dizia, porque de facto não nos sentíamos verdadeiramente como fazendo
parte desse mundo. Foi assim que surgiram os planos de erradicação de barracas,
a construção de infra-estruturas básicas por todo o país, o ensino generalizado
e a garantia de prestação de cuidados de saúde para todos. Os nossos índices
foram-se paulatinamente aproximando dos níveis europeus e o nível de vida
cresceu. Claro que houve asneiras e disparates, com deslumbramentos provocados
quer a nível particular, quer a nível dos decisores políticos, o que foi
particularmente evidente nos últimos quinze anos estando todos agora a pagar
por isso. Mas, mesmo atendendo à actual crise, Portugal não tem hoje nada a ver
com o que era em 1974.
A
democratização do país foi conseguida de forma lenta, após as revisões
constitucionais que eliminaram a tutela militar sobre o regime. As eleições dos
primeiros anos foram uma festa, tendo surgido partidos para todos os gostos,
sendo evidente o agrado e mesmo entusiasmo com que os portugueses se entregaram
de forma generalizada às actividades políticas, através da participação em
comícios, sessões de esclarecimento e actos eleitorais. Desde o início os
portugueses desmentiram quem dizia que não estavam preparados para a
Democracia: basta lembrar os resultados anedóticos de campanhas oportunistas
como a dos militares esquerdistas que a certa altura apelaram ao voto em
branco, como sendo um voto no MFA.
Há
instabilidade? Claro que sim, já que democracia é mesmo isso; estáveis são as
ditaduras, enquanto duram. Democracia imperfeita? Certamente que sim, mas é o
único regime que se pode reformar por dentro e constrói-se todos os dias. Vemos
hoje que ao longo dos anos muitas áreas de decisão foram sendo paulatinamente
ocupadas por grupos de interesses; o nosso Estado é frágil e não se defende,
com prejuízo evidente dos mais desfavorecidos. Os próprios partidos foram-se
fechando e distanciando dos cidadãos; propondo pessoas com critérios muitas vezes
obscuros e mesmo nepotismo, sucedendo isto em todos os partidos, sem excepção.
É
precisamente em momentos de maiores dificuldades como aquele dos dias de hoje
que se torna necessária uma Cidadania activa que lute por aquilo que é
essencial, não pondo de lado as necessárias e naturais clivagens ideológicas.
Alguém que muito prezo e admiro costuma dizer que “em vez de conflituosos como
tantas vezes somos, precisamos de ser conflituantes”. Numa altura em que a
economia, que é tudo menos uma ciência mas em que muitos acreditam piamente
parece ter substituído as opções políticas, é cada vez mais necessário sermos
exigentes com quem nos governa aos mais diversos níveis, não aceitando verdades
absolutas, porque a História não acabou. É o futuro dos nossos filhos e dos
seus filhos que o exige.
Termino
lembrando que apesar de todos os maus tratos que foi sofrendo, há no entanto um
valor associado ao 25 de Abril que mantém toda a importância e mesmo urgência,
que se sobrepõe a todos os dês: a Liberdade.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 23 de Abril de 2012
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