Coimbra
tem a grande sorte de ter a Universidade com o seu nome. Mas não podemos deixar
que esse seja também o seu azar.
Durante
séculos, Coimbra confundiu-se com a sua escola de ensino universitário. A sua própria
organização urbanística reflectia a extraordinária importância da Universidade.
A construção da Rua da Sofia a partir de 1535 por ordem de D. João III teve
como objectivo albergar os Colégios que deveriam constituir a Universidade
finalmente devolvida a Coimbra. Ainda hoje a Rua da Sofia (ou da Sabedoria)
impressiona pelas suas dimensões e grandiosidade dos edifícios, apesar do
generalizado estado de abandono a que tem sido sujeita.
Mas
em 1537 o Rei decidiu que a Universidade iria para a Alta, ficando a Rua da
Sofia destinada a fins habitacionais e religiosos. Coimbra ficou assim
estratificada: a Alta para os Doutores e a Baixa para os “Futricas”. Desde
tempos muito anteriores que a Alta estava protegida no interior do castelo, enquanto
a Baixa se foi construindo a partir dos edifícios encostados ao exterior das
muralhas e à volta de Santa Cruz, com problemas de inundações e instabilidade
crónica de terrenos acompanhando a subida das águas do rio devida ao
assoreamento. Desde a Idade Média que a Baixa foi crescendo de forma orgânica,
através do emaranhado de ruas estreitas de comércio que ainda hoje lhe dão um
encanto especial.
Cidade
de Doutores e Futricas, de facto. Esse carácter bipolar está hoje mitigado, mas
tem ainda grande importância na sociedade conimbricense. De facto, mais
facilmente os Doutores descem ao resto da Cidade, do que os Futricas sobem a
colina da Universidade. A estátua da Varina (lindíssima) colocada recentemente
no Quebra-Costas não perdeu ainda um certo aspecto invasor simbólico da
necessária mudança dos tempos.
Nas
últimas décadas a relação entre a Cidade e a Universidade alterou-se
profundamente. A explosão escolar, também a nível de ensino superior, levou
Universidades e Institutos Superiores a quase todas as cidades do país. Coimbra
deixou de ser o destino dos filhos das elites nacionais para fazerem os seus
estudos. A Universidade de Coimbra tremeu durante anos perante as novas
ofertas, adaptando-se com muita dificuldade à modernidade, mas acabou por fazer
por si como devia.
Hoje,
é da Universidade que emanam as actividades económicas mais notórias de
Coimbra, projectando o nome da Cidade pelo mundo inteiro, através da exportação
de produtos e serviços ao mais alto nível tecnológico. São várias as áreas de
investigação universitária que marcam o melhor de Portugal, desde a Saúde à
Informática, à Biologia, à Química, à Telemática, etc. que promovem da melhor
forma a economia regional e nacional.
Mas
a Universidade ainda projecta uma sombra sobre a Cidade que urge limpar para que
se possa enfim considerar que há uma perfeita integração da escola da velha
Torre na Cidade que a acolhe, certamente com proveitos mútuos. A famosa
“doutorice” que de forma tão negativa caracterizava a velha (e não só de idade)
Universidade tarda em desaparecer. Ainda é possível ver a Cátedra ser usada
como cartão-de-visita social. Historicamente, a “doutorice” tinha o seu reverso
que era a subserviência “futrica” que levava o resto da Cidade a tratar por sr.
dr. toda e qualquer pessoa que aparecesse vestida de um modo menos popular, o
que felizmente, está quase desaparecido.
Claro
que aquela arrogância já não é hoje em dia a regra na nossa Universidade, sendo
provavelmente um resquício de outros tempos que, espera-se, virá a desaparecer.
Mas que existe, existe e tem consequências na própria Cidade. As paredes da antiga
muralha que separava a Alta da Baixa foram demolidas pelo Marquês de Pombal,
aquando da sua Reforma da Universidade. Que os muros interiores, que se sabe
serem por vezes bem mais difíceis de deitar abaixo, desapareçam também um dia
destes, a bem do respeito pela Igualdade e da modernidade de Coimbra e da sua
Universidade.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 30 de Abril de 2012
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 30 de Abril de 2012
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