Banca: acima de tudo o resto?
Agora foi a vez do HSBC. Para quem não se lembre, este é o maior banco europeu, operando em mais de oitenta países por todo o mundo; a sua divisão americana está entre os dez maiores bancos americanos. E foi mesmo a polícia americana que descobriu as actividades fraudulentas permitidas pelo HSBC. Durante cerca de oito anos, o banco permitiu que pelas suas contas em todo o mundo circulassem milhares de milhões de dólares provenientes do tráfico de droga dos piores cartéis mexicanos, numa operação gigantesca de lavagem de dinheiro. Para além disso, apoiou financeiramente operações proibidas com o Irão. Um mimo de actuação bancária global, portanto. Tudo isto apesar da “Declaração de Valores e de Princípios de Negócio” patentes no próprio site do Banco. Claro que os responsáveis máximos já pediram todas as desculpas e garantiram que esta situação não se repetirá, tendo já sido afastados alguns dos responsáveis directos pelo sucedido, embora ninguém acredite que a própria administração andasse tão distraída que não notasse nada durante tantos anos.
Este caso do HSBC seguiu-se ao escândalo LIBOR do Barclays Bank, um banco com mais de 300 anos que cedeu à tentação de manipular as taxas de referência mais importantes. A LIBOR define todos os dias as taxas que os principais bancos da City usam nos seus negócios financeiros por todo o mundo, que por sua vez servem de referência em muitas outras áreas da economia, mexendo com valores absolutamente astronómicos. A manipulação duraria já há uns seis anos, sem que tal tivesse sido detectado, em boa parte porque na City se acredita que os grandes bancos são geridos por cavalheiros que estão imunes a fraudes, confiando-se na sua auto-regulação. Está-se a ver no que deu, não estando ninguém livre de mais uma crise financeira global causada pela falta de confiança na LIBOR.
Esta crise vai adicionar-se àquela bem conhecida de nós todos que foi espoletada pelo sub-prime americano que teve origem exactamente em operações bancárias erradamente alavancadas, sem sustentação real, que se espalhou a todo o mundo ocidental. Nessa altura a Reserva Federal Americana injectou valores inimagináveis na banca americana, tendo apenas deixado ir o Lehman Brothers à falência Mas isso foram os americanos que não tiveram problemas em colocar as rotativas a fazer moeda. Cá pela Europa continuamos na triste saga das relações entre BCE e os bancos que, pelo seu lado, são estrangulados pelas novas regras espartanas de solvabilidade, sugando o dinheiro para o seu interior para se salvarem, deixando a restante economia a secar sem financiamento.
O famoso e influente JPMorgan Chase também mostrou não estar imune a tentativas de ganhos ilícitos, tendo deixado que no seu interior se desenvolvessem actividades baseadas em derivados falseados. O valor das imparidades detectadas já este ano continua a crescer, falando-se em perdas acima dos 5 mil milhões de dólares.
Olhando cá para Portugal, tivemos dois casos graves recentes com bancos: o BPN e o BPP. Este era demasiado pequeno e reservado a determinada clientela, pelo que as consequências do sucedido foram facilmente controladas. Já com o BPN, todos percebemos que os nossos impostos vão servir para pagar o que não deviam. O anterior ministro das Finanças justificou a certa altura a intervenção do Estado com o perigo sistémico da falência do BPN; perante o que se vai vendo, hoje tendo a dar-lhe razão, com a nuance de que o tal perigo sistémico se referia mais ao sistema político do que ao sistema financeiro.
O que é que liga todos estes casos? Falhas clamorosas da regulação da actividade bancária, por todo o lado. A actividade bancária mudou imenso com a globalização e com a internet que possibilitou trocas financeiras de qualquer valor entre todos os pontos do mundo, de forma instantânea. A actividade económica, de que a banca era apenas um financiador tornou-se ela toda muito mais financeira, sendo o dinheiro já não o meio que permite comprar ou vender produtos, mas também ele próprio um produto.
Na City de Londres, que é o maior mercado financeiro do mundo, confiou-se até agora nos bancos e nos banqueiros, mas isso vai mudar rapidamente, após este caso do Barklays. Em Portugal, o BPN permitiu-se andar a fazer o que fazia durante anos, embora toda a gente soubesse disso, porque também o Banco de Portugal confiava nos elementos que lhe eram entregues: pelos vistos nem seria educado desconfiar de um banqueiro. Espera-se que os responsáveis políticos que deverão reformar também esta regulação, tenham a capacidade técnica, coragem e independência para o fazer, ou o futuro da economia será ainda mais negro do que já é hoje.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 23 de Julho de 2012
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