"O mundo pula e avança
Como bola
colorida
entre as mãos
de uma criança"
António
Gedeão.
Pertenço a uma geração que cresceu e se desenvolveu entre
alguns medos, alguns deles suficientemente poderosos para influenciarem
decisivamente o futuro da própria humanidade. Um deles foi o medo do holocausto
nuclear, que acompanhou toda a guerra fria desde a 2ª Guerra Mundial até à
última década do século XX.
O outro tem permanecido activo até aos dias de hoje
e prende-se com o receio do esgotamento das reservas de energia, designadamente
do petróleo, que significaria o fim do mundo tal como o conhecemos hoje. Esse
medo, propalado há dezenas de anos por imensos analistas e mesmo por muitos
cientistas, está igualmente a desaparecer, para nosso alívio. Ao contrário do
que tantos diziam, tudo indica que o mundo está prestes a atingir um pico
energético, mas de procura e não de fornecimento. De facto, as reservas
energéticas mundiais, contando com um aumento de procura semelhante à evolução
das últimas décadas, passaram recentemente de 50 anos para 200 anos. O próprio
custo da energia associada aos recursos fósseis está a conhecer uma redução
acentuada. Deve-se isto ao desenvolvimento de novas técnicas de extração do
petróleo e gás natural retidos em xistos argilosos existentes por todo o mundo,
o que até há pouco tempo era impensável. Nos EUA, mais de 25% do gás natural
produzido hoje vem das rochas xistosas e os preços unitários baixaram em cinco
anos de 23 para 4 dolares. O que já hoje se passa na América vai estender-se
rapidamente a todo o mundo, estando a China a comprar tecnologia e conhecimento
para explorar o petróleo e gás natural das suas enormes quantidades de rocha
xistosa.
Como é sabido, 60% da produção mundial de petróleo vai
para os transportes. Mas também isso está a mudar rapidamente. Grande parte dos
veículos pesados irão trocar o combustível para gás, muito mais barato e menos
poluidor, o que acontecerá igualmente nos grandes navios, centrais térmicas e
sistemas de aquecimento doméstico e industrial, por todo o mundo. No chamado
mundo rico, a procura de derivados do petróleo já está a descer desde 2005,
contando-se com o desenvolvimento dos países asiáticos para que a procura
mundial continuasse a crescer. No entanto, a China está também a introduzir
limites ao consumo dos automóveis, impondo um limite de 6,9 litros aos cem km
em 2015 e de 5l em 2020, o que contribuirá para descer o consumo.
Entre nós, o choque vai ser grande e também benéfico para
os consumidores e para a economia em geral. Pagamos uma energia caríssima
porque os políticos associaram-se durante anos ao sector energético tendo levado
a que, por exemplo, a capacidade de energia eólica instalada em Portugal seja
mais do dobro do que deveria ser num sistema equilibrado. A custos enormes,
suportados por todos nós pelos subsídios para aí canalizados e nas facturas
mensais de electricidade. Mais cedo ou mais tarde a realidade vai desatar o nó
energético que alguns têm andado a apertar à nossa custa e da economia, com
lucros enormes para os sectores protegidos pelo próprio Estado.
A História dá-nos muitos exemplos de como o excesso de voluntarismo
e mesmo alguma dose de fanatismo traz maus resultados e de como a evolução da
humanidade foge sistematicamente aos modelos pré concebidos por alguns, por
mais iluminados e bem-intencionados que se julguem. O que se está a passar com
a energia é apenas mais um desses exemplos.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 12 de Agosto de 2013
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