No fim deste mês de Setembro teremos eleições autárquicas. A menos de um mês do acto eleitoral há por todo o país candidaturas que ainda não sabem se vão realmente a votos, o que é incompreensível para qualquer cidadão comum. Tudo por causa de uma lei que a Assembleia da República aprovou em 2005, cujo texto ainda hoje se presta a interpretações diversas e mesmo antagónicas. Caberá ao Tribunal Constitucional o veredicto final sobre um assunto que já deveria ter sido esclarecido há muito pela própria Assembleia da República que no entanto, perante o imbróglio, se recusou a fazê-lo, cavando ainda mais o fosso que separa o mundo artificial dos políticos do mundo real dos restantes cidadãos. Quem fez a Lei acabou por se recusar a esclarecê-la, atirando a decisão para os braços dos Tribunais: depois venham queixar-se da judicialização da política.
Já escrevi isto mesmo sobre o assunto nestas linhas há bastante tempo:
“Parece assim pacífico, que o que está em causa é o exercício de determinadas funções por determinada pessoa, durante um período determinado de tempo considerado excessivo, como acontece aliás como o cargo de presidente da República, desde sempre com limitação de mandatos.
Entretanto, dado que o texto da Lei tem ambiguidades óbvias, o sistema político prepara-se para encontrar “soluções” para os presidentes de câmara e presidentes de junta de freguesia abrangidos. Encontrou-se um argumentário legal inatacável; de facto a lei nunca se refere a autarquias em concreto, mas fala em funções e mandatos. Legalmente, está aberta porta à maneira de contornar o óbvio espírito da lei”.
Diversos partidos resolveram autorizar que autarcas seus já com três mandatos cumpridos promovessem candidaturas a outras autarquias. Estão agora perante a contigência de o Tribunal Constitucional decidir que essas candidaturas são ilegais. O caso do PSD é paradigmático desta situação: as suas candidaturas a cidades tão importantes como Lisboa, Porto, Loures e Guarda, entre outras, estão perante a possibilidade de não poderem ir a votos. Conta-se com a consideração pelo Tribunal Constitucional de que, perante a dúvida, se deverá defender o direito individual a ser eleito.
Mas o Tribunal Constitucional pode muito bem entender que o que está escrito na Lei é o que ela quer significar e que é o seguinte: “O presidente de câmara municipal e o presidente de junta de freguesia só podem ser eleitos para tês mandatos consecutivos”. Não está lá escrito que se trata da mesma autarquia porque, como qualquer leitor de português comum percebe, seria uma repetição, nem que poderá candidatar-se a outra diferente. Só leituras abstrusas permitem conclusão diversa.
Ou muito me engano, ou o Tribunal Constitucional irá por este caminho. E será o desastre para os candidatos que forçaram os seus partidos a esta situação ridícula de estar a menos de um mês das eleições com uma espada prestes a cair-lhes em cima e para os dirigentes partidários que, cegos á realidade, se deixaram colocar à mercê dos srs. Juizes do Tribunal Constitucional. Ainda que me engane e o Tribunal Constitucional venha a autorizar essas candidaturas, duas consequências graves já não se eliminam: em primeiro lugar, o descrédito dos partidos que fazem tábua rasa do mais simples bom senso e do respeito pelos eleitores; em segundo, a falta de confiança na Justiça, já que as decisões opostas tomadas pelos diversos tribunais mais parecem simples opiniões de juízes do que outra coisa.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 2 de Setembro de 2013
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