Os pesados sacrifícios que os portugueses estão a pagar pelos disparates governativos de muitos anos ainda servem para se ir fazendo a pior das demagogias políticas.
É assim que, de vez em quando, lá aparece alguém a atirar-nos com a reprovação do PEC IV como a causa de todos os nossos problemas. Valha a verdade que até o actual Sec. Geral do Partido Socialista já abandonou essa narrativa sofrível e mentirosa, certamente por saber que não cola minimamente com a realidade.
Na realidade, o crescimento em Portugal estagnou desde 2000 o que revela estar-se perante um problema estrutural que como tal tem que ser encarado; e só poderá ser resolvido com medidas estruturais, que já estão atrasadas pelo menos desde a preparação da entrada no euro.
A divergência de Portugal, face ao espaço político e económico em que se insere, foi bem concreta e acentuada durante esse período: entre 2000 e 2007 o PIB per capita português cresceu, em termos acumulados, menos 5,41 pontos percentuais do que a média dos países do euro e menos 7,08 pontos do que os nossos principais parceiros comerciais (Espanha, Alemanha e França). Acresce que mesmo esse débil crescimento era insustentável, porque assentava na procura interna e essa foi crescendo permanentemente acima da produção nacional. Para pagar essa diferença, que entre 1995 e 2010 foi em média de cerca de 8%, Portugal foi-se endividando e foi assim que a dívida externa que era em 1996 de cerca de 10% do PIB passou em 2009 para 110% do PIB, numa dinâmica de crescimento insustentável.
Na sequência da crise financeira internacional do verão de 2008, assistiu-se a um agudizar da crise das dívidas soberanas, designadamente da Grécia, Irlanda e Portugal. Face ao endividamento, os investidores internacionais ficaram indisponíveis para financiar o Estado e a banca, o que atirou as taxas de juro para valores incomportáveis.
O governo português de então hesitou durante meses sobre o pedido de ajuda externa, o que elevou as taxas de juro a dez anos até aos quase 10% em Maio de 2011, quando eram de 4% em Janeiro de 2010. A partir de 2008 o Estado ainda conseguiu financiar-se durante algum tempo através dos bancos que por sua vez pediam emprestado ao BCE, mas as necessidades de financiamento nacionais eram claramente superiores à capacidade do sistema bancário nacional. A situação chegou em Maio de 2011 a um ponto de rotura. Portugal deixou de ter capacidade para se financiar para cumprir os seus compromissos externos mas, acima de tudo, para pagar as contas correntes, como sejam salários, pensões e prestações sociais.
Nessa altura já não havia PEC, fosse ele qual fosse, que nos salvasse e foi pedido o resgate internacional, aceitando-se quase tudo o que nos foi exigido pela troika e alienando a nossa soberania pela terceira vez desde Abril de 74. Para se ver como a situação era de extrema necessidade, basta verificar que a primeira tranche foi paga logo em Junho de 2011. Atirar a culpa da situação para os partidos que recusaram o PEC IV é uma manipulação grosseira da História e uma tentativa de alijar responsabilidades próprias, que os sacrificados portugueses já demonstraram perceber muito bem, porque na realidade não se pode enganar toda a gente o tempo todo.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 16 de Setembro de 2013
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