As efemérides são uma boa ocasião para lembrar alguém ou
alguma situação marcante, para daí extrair algo que nos pareça interessante ou
mesmo exemplar para os dias de hoje. É quase sempre impossível, no reduzido
espaço de uma crónica, dizer tudo aquilo que respeita a um assunto ou pessoa
que nos marcou intensamente. Com John Kennedy, a quem dediquei a minha última
crónica, tudo parece atingir uma grandiosidade excepcional, o que tem dado
origem a numerosos livros e filmes sobre as circunstâncias da sua morte, mas
também sobre a sua vida e até sobre quão diferente poderia ter sido o mundo se
não tivesse ocorrido o 22 de Novembro de 1963 em Dallas. Basta pensar na guerra
do Vietname, da qual Kennedy discordava. Mas quando se aborda um assunto
destes, aparecem tantos fios para puxar, que é difícil escolher.
Falando de John Kennedy, não se pode deixar de falar da
sua própria família. Por exemplo, dos quatro filhos de John e Jackie Kennedy,
hoje apenas sobrevive Caroline Bouvier Kennedy. E é alguém que faz bem jus aos
pais que teve. Com ideias próprias que defende com firmeza, é escritora e
advogada, sendo desde o mês passado a Embaixadora dos EUA no Japão.
Mas de toda a família Kennedy, uma pessoa há que desde
sempre me habituei a considerar como exemplar e a admirar como homem público.
Trata-se de Robert Kennedy, um dos irmãos do antigo presidente. Robert foi o
grande apoio de Jonh enquanto candidato a presidente e depois enquanto exerceu
a presidência dos EUA, estando presente em todas as suas grandes decisões
políticas. Diferentes um do outro até mais não, completavam-se no entanto de
uma forma tão impressionante que deles disse o historiador Arthur Schlesinger:
“John era um realista brilhantemente disfarçado de romântico, sendo Robert um
romântico obstinadamente disfarçado de realista”.
Robert Kennedy foi nomeado pelo irmão como Ministro da
Justiça (General Attorney) tendo sido um perseguidor determinado do crime
organizado. De tal forma se dedicou a esta tarefa, que até morrer carregou a
cruz da ideia de a sua acção ter de alguma forma contribuído para o assassinato
do seu irmão John.
Robert dedicou-se à vida pública com toda a sua energia,
levando para essas tarefas as suas características pessoais de entrega total.
Robert Kennedy tinha uma enorme sensibilidade para as causas sociais,
revoltando-se contra as injustiças, onde quer que elas surgissem, fosse na
segregação racial, fosse nas questões dos índios ou apenas na pobreza. É
preciso lembrar que Robert nasceu na família Kennedy que, sendo uma família
riquíssima, nunca deixou de manifestar solidariedade para com os fracos. Basta
dizer que o enorme hospital pediátrico de Boston todos os anos apresenta a
factura dos prejuízos à família Kennedy, que os cobre sistematicamente, isto
desde muito antes do aparecimento do conceito de responsabilidade social das
empresas.
Após a morte do irmão, Robert deixou-se abater, criando a
ideia de que abandonaria a vida pública. Mas por volta dos fins de 1967,
pareceu que uma nova vida o tomou e decidiu em Março de 1968 candidatar-se à
presidência dos EUA. E entrou na campanha da única maneira que sabia: sem medo
e como se fizesse uma cruzada contra o que achava serem os males do seu país.
Dizia que vivia um dia de cada vez, sabendo perfeitamente que desafiava a sorte
ao agir daquela maneira.
Tal como o irmão Jonh, caiu às balas de um assassino, em 6
de Junho de 1968 logo após a vitória no Estado da Califórnia para a sua
nomeação a candidato pelo Partido Democrata.
Não tendo sido presidente, a memória da sua vida e da sua
actividade, designadamente a favor dos direitos dos negros em plena década de
60 e a luta contra o crime organizado mas, essencialmente, a alegria e a
energia que colocava no que fazia e no que acreditava, fazem de Robert Kennedy
um símbolo e um exemplo a seguir, bem diferente do cinismo e falta de alma da
generalidade dos políticos de hoje.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em !8 Novembro 2013
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