Eu sei que à data em que esta crónica chegar às mãos do leitor, a campanha
eleitoral para “as europeias” terá já passado à história e o que se lerá mais
são os resultados eleitorais, sua análise e consequências para os diversos partidos.
Mas só passadas as eleições se tem verdadeira liberdade para se analisar o
que se passou durante a campanha, por tal já não poder ser interpretado e
levado à conta de, sob a capa de independência de espírito, se tentar passar
alguma mensagem ainda que subliminar.
Estas eleições foram para escolher os deputados europeus. Seria de esperar,
depois de tanto se falar nos malefícios da organização da União, da necessidade
de aproximar os eleitos dos eleitores, da falta de democraticidade, da revisão
do Tratado de Lisboa, do euro e das supostas maldades que provoca nas nossas
vidas, dos eurobonds, do Fundo Europeu de Estabilização Financeira, do estatuto
do Banco Central Europeu, que os temas discutidos andassem por aí.
Mas o que foi que vimos, ouvimos e lemos nesta campanha?
O principal partido da oposição resolveu apresentar as suas propostas para
o país durante esta campanha; o desvio da discussão daquilo que verdadeiramente
estaria em causa foi imediato e, aparentemente intencional, embora os
resultados nesta altura não devam ter sido os pretendidos porque se começou de
imediato a discutir os seus custos, discussão nunca pacífica.
A coligação que suporta o actual governo não encontrou outros motivos de
discussão que não o aparecimento na campanha do anterior primeiro-ministro.
Em determinado momento, sem que nada o fizesse prever nem se compreendam as
razões para tal, a discussão focou-se em vírus, judeus e nazis!
Até o desporto entrou na liça, quando um partido propôs que o surf passasse
a fazer parte dos currículos escolares.
Houve quem clamasse que estas eleições serviriam para dar um cartão
vermelho ao governo, mostrando assim em que grau coloca as questões europeias e
para que pensa servir os deputados eleitos pelas suas listas.
Nem se diga dos nossos parceiros europeus que não tenham dado motivos mais
que importantes para justificarem a discussão dos temas europeus durante a
campanha. Desde Sarkozy que veio propor preto no branco a institucionalização
do directório franco-alemão para governar a União através do fim da igualdade
dos estados membros, até Ângela Merkel que calmamente, do alto da sua mais que
provável vitória eleitoral, confiava estar já a tratar da constituição da
futura Comissão.
Entre nós, só Marcelo Rebelo de Sousa mostrou entender bem o que estava
mesmo em causa nestas eleições, ao vir a Coimbra dizer que tencionava votar na
coligação PSD/CDS para ajudar à eleição de Jean-Claude Juncker para a
presidência da Comissão Europeia e deixando bem claro que os nomes dos
candidatos a deputados europeus interessam bem pouco.
À esquerda do PS levantaram-se muitas das bandeiras que nos restantes
países da união são defendidas pelos partidos mais à direita, com as críticas à
Europa capitalista e ao euro à cabeça. Assim se põe tudo permanentemente em
causa, colocando ilusões à frente dos interesses das populações europeias que
estão fartas de demonstrar querer pertencer a esta Europa que lhes tem
garantido paz e prosperidade, apesar de momentos menos bons, como o que
atravessamos.
Passa assim incólume a mensagem de que a Europa e o Euro são responsáveis
pelos nossos problemas, que o paraíso seria sairmos da moeda única, quando a
brutal desvalorização da moeda, as falências generalizadas, a fuga de capitais
e a inflação que se seguiriam originariam o caos no país e, certamente, as
condições para que um golpe de estado militar acontecesse sem reação da União,
porque já não lhe pertenceríamos. A União tem problemas graves, há muito a
discutir e a melhorar, mas dentro da União. As eleições europeias já passaram e
foram importantes. Não percamos mais tempo com vírus, surfs e o umbigo dos srs.
candidatos agora eleitos deputados.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 26 de Maio de 2014
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