Os representantes da Troika foram-se embora depois de concluída a 12ª e
última avaliação do cumprimento do memorando de entendimento respeitante ao
“Programa de Assistência Económica e Financeira” (PAEF) assinado em 17 de Maio
de 2011 que fica agora encerrado.
Muito se tem dito e escrito sobre o PAEF, sobre a austeridade que
significou e sobre o que nos levou a pedir a ajuda da União Europeia e do FMI,
mas o mais importante de tudo isto é o nosso futuro colectivo.
Em primeiro lugar, há que ter consciência de que fomos nós que pedimos
ajuda em desespero de causa. Já não podíamos pedir dinheiro emprestado nos
famosos “mercados”, dado que tinham perdido a confiança em Portugal e isso
reflectia-se nas taxas de juro que nos pediam, pelos 12% e em subida permanente.
Fala-se no chumbo do famoso PEC IV mas, dado o estado a que o país tinha
chegado, seria como tentar tratar uma tuberculose com aspirina. Mas pouco se
fala no mais importante de tudo e que terá estado na origem de todos os nossos
problemas. De facto, apesar de todas as políticas de fomento da economia
seguidas nos anos anteriores, desde as SCUT’s ao Euro e às energias renováveis,
a nossa economia estava desde há muito a afastar-se (para baixo, entenda-se)
das outras economias europeias. Quando o crédito era barato e o investimento
público atingia valores nunca antes sonhados, entre os anos 2000 e 2007 - o ano
anterior à crise, a economia portuguesa cresceu uns magros 3,37%, e apenas a
Itália cresceu menos (3,14%). Mesmo a Grécia cresceu 8,12% e os restantes
países europeus do euro entre 10 e 25%. É evidente que, quando um país tem este
crescimento miserável, não se geram impostos que paguem as despesas do Estado,
principalmente quando estas crescem, criando um défice crescente das contas
públicas que, mais tarde ou mais cedo, associado a uma dívida pública
galopante, teria necessariamente que levar a problemas graves. É aqui que
reside o nosso maior problema, que não resulta da austeridade e sim de anos e
anos de políticas públicas desastradas, para dizer o mínimo. A despesa pública
tornou-se uma canga sobre a economia que a asfixia e impede de mexer.
Por isso o “memorando de entendimento” dava tanta atenção às reformas
estruturais focalizadas no baixo potencial de crescimento da economia portuguesa,
originado em boa parte pelo desequilíbrio estrutural entre o sector não transaccionável,
incluindo o Estado e o sector transaccionável, o mais importante, por incluir
as exportações. Durante a aplicação do PAEF, as exportações passaram de menos
de 25% do PIB para aproximadamente 40%, como hoje sucede. Esta é uma alteração
importantíssima, pouco referida, mas que significa uma viragem no que vinha
sucedendo há muitos anos. Por outro lado, houve uma mudança crucial nas contas
públicas, tendo o saldo orçamental primário (isto é, antes de juros de
empréstimos) passado de negativo, como era também há muitos anos, para
positivo.
Refere-se frequentemente como fracasso o aumento entretanto registado na
dívida pública, como se o PAEF não se tivesse justificado precisamente para
pedir 78 mil milhões euros; e como se entretanto não se tivessem transferido
para as contas do Estado as dívidas “escondidas” das empresas públicas e
parcerias público privadas.
A austeridade trazida pela aplicação do “memorando de entendimento” é
difícil de suportar por muitos portugueses. Mas muito mais difícil teria sido
lidar com a bancarrota ou a saída imposta do Euro.
Num momento em que Portugal volta a ter a possibilidade de aceder a
financiamento externo sem rede, bom seria que todos reconhecessem os pesados sacrifícios
que os portugueses aguentaram e ainda que vamos continuar a depender dos tais
“mercados” para financiar o Estado, incluindo o “Estado Social”. Se não formos
todos capazes de olhar para o futuro, reconhecendo as dificuldades do País e
não deste ou daquele governo, depressa teremos aí o FMI de novo, pela quarta
vez, e nessa altura não haverá ninguém que evite uma autêntica tragédia
económica e social.
Muito a propósito, a revista Economist da semana passada citava
Tocqueville: “os demónios, que esperam pacientemente quando parecem
inevitáveis, tornam-se intoleráveis quando a ideia de fuga deles é sugerida”,
isto é, as revoluções surgem não quando as condições pioram, mas quando começam
a melhorar.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 19 de Maio de 2014
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