A História da Humanidade mostra-nos que sempre houve
civilizações contemporâneas diferentes e quase tão imiscíveis como a água e o
azeite. Nas últimas dezenas de anos, contudo, tem-se assistido a uma alteração
radical dessa situação. A globalização económica tem provocado uma “normalização”
do mundo, aproximando civilizações antes afastadas, sendo a evolução do Japão
e, ultimamente da China, talvez os exemplos mais marcantes dessa evolução.
Uma das consequências destas transformações é uma
artificialização crescente das nossas vidas, com o desaparecimento de muitas
ligações ao mundo real. Sinais disso mesmo são, por exemplo, a possibilidade de
comprar durante todo o ano alimentos que dantes só se encontravam nas estações
do ano em que naturalmente se desenvolviam. Ou podermos facilmente encontrar no
supermercado da nossa rua alimentos característicos de determinadas partes do
mundo situadas nos nossos antípodas.
As tecnologias de informação e, em particular a internet,
vieram dar todo um novo e mais perturbante significado às teorias da
cibernética. De repente, o mundo tornou-se mesmo uma aldeia global e qualquer
acidente no ponto mais remoto do planeta é instantaneamente conhecido em todo o
mundo; as transações financeiras passaram a dar a volta ao planeta várias vezes
por dia, colocando as ordens nas mãos de máquinas e já não de cérebros humanos.
Com tantos instrumentos electrónicos à nossa volta
perdemos a noção do tempo que passou a ser apenas o conhecimento da hora local,
eventualmente com uma precisão de muitos milésimos de segundo que não nos serve
para nada.
Quem de entre nós mantém a ligação à Natureza, percebendo a razão por que o
dia tem legalmente 24 horas? E qual a razão do ano ter 365,242199 dias e não 365 dias inteiros e como se resolve
esse problema? E em que consiste o calendário gregoriano e qual o motivoo para
que tenha sido adoptado em 1582 em substituição do calendário juliano, assim
alterando as datas de todas as efemérides importantes até então?
Se o leitor julga que a hora que o seu relógio preciso até mais não pelo
vibrar do cristal de quartzo está sempre certa, engana-se; de facto só está
certa quatro dias por ano, porque a Terra na sua rotação à volta do Sol segue
uma elipse imperfeita, o que leva a que a duração real dos dias varie entre 23
horas 44 e minutos em 3 de Novembro e 24 horas e 14 minutos em 11 de Fevereiro,
havendo quatro dias por ano com uma duração igual à duração média.
Esta
diferença é a “Equação do Tempo”, cujo conhecimento exacto é crucial para muito
mais aparelhos e situações importantes para o seu conforto do que lhe passa
pela cabeça.
Damos também por garantidas situações que são apenas transitórias. E
esquecemos o nosso lugar na Terra e no Universo. Estranhamos e bem, claro, as
posições extremistas e arrogantes e homocêntricas da Igreja na Idade Média que
não aceitava o lugar excêntrico da Terra no sistema Solar e no fundo vivemos
hoje em dia como se a existência do Universo se justificasse por e para nós.
A “equação do tempo” é apenas o símbolo de como toda a nossa vida
contemporânea esquece o funcionamento do Universo em que apenas habitamos um
minúsculo planeta num sistema solar irrelevante e periférico numa galáxia que é
apenas uma das mais pequenas entre milhões delas que a cada segundo se afastam
a uma velocidade vertiginosa. Mais importante para a nossa vida e dos que se
nos seguirão é compreender como o planeta em que habitamos é verdadeiramente
importante, não deixando que todas as facilidades da técnica nos façam esquecer
de que temos que cuidar dele e, já agora, dos homens e mulheres em concreto que
nele vivem.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 5 de Maio de 2014
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