segunda-feira, 18 de maio de 2015

O recado britânico


Eleição após eleição, os europeus continuam a enviar recados para a classe política. Desta vez foi o eleitorado do Reino Unido que falou alto e bom som. Claro que, quem tapa os ouvidos, não ouve. Mas, por mais desculpas que tentem encontrar, o problema é mesmo dos que não querem ouvir. E esses estão bem acompanhados, como podemos verificar pela comunicação social e pelas agências de sondagens que cada vez mais dão a sensação de viverem num mundo alienígeno bem afastado da realidade.
Sucedeu que, depois de meses em que as sondagens garantiam um empate entre Trabalhistas e Conservadores, estes últimos tiveram uma vitória esmagadora que lhes garantiu uma maioria absoluta no Parlamento, ao contrário da situação anterior em que tiveram que fazer uma coligação. O líder trabalhista Ed Milliband, apesar de ser um homem muito inteligente, decidiu voltar ao velho discurso do seu partido anterior a Tony Blair, que significaria mais despesa pública, mais impostos, mais défice e cedências aos sindicatos. No partido Trabalhista os líderes são escolhidos pelos deputados e pelos dirigentes sindicais. David Milliband tinha sido ministro dos Negócios Estrangeiros de Blair, com bom desempenho, tendo criado uma imagem de trabalho e sensatez e candidatou-se à liderança do partido Trabalhista. 

No entanto, Ed Milliband candidatou-se contra o seu próprio irmão David numa luta fratricida que não foi bonita de se ver e foi escolhido porque este assumiu recusar aquela via, defendendo antes um caminho centrista, com grande preocupação com o controlo das despesas públicas. O eleitorado britânico respondeu agora com os resultados que se conhecem, mostrando ter receio de voltar aos velhos tempos do trabalhismo sindicalista, preferindo-lhe mesmo a austeridade de Cameron. Apesar de tudo, a economia britânica está agora a crescer e o desemprego a diminuir, sendo as aspirações dos actuais eleitores britânicos muito diferentes das de há uns anos. Se o recado para os restantes eleitores europeus é claro, para os portugueses a atitude de Ed para com o seu irmão e camarada de partido deve fazer pensar já que, mesmo em política, não é admitir tudo, como os eleitores do Reino Unido terão percepcionado, embora as sondagens não o dessem a entender.

A Europa está a passar por um período difícil. Se os seus líderes souberem ler os sinais que os cidadãos europeus lhes estão a enviar, será possível que os problemas actuais sejam de crescimento e não de doença mortal. Devemos evitar a atitude mais fácil que é a de desfazer em tudo o que de positivo a União já conseguiu e trabalhar em conjunto naquilo que verdadeiramente interessa, que não será certamente andar a perder tempo e dinheiro em definir as medidas aceitáveis da banana e da maçã. Entre nós já se começa a ouvir, à esquerda e à direita, um discurso anti partidos e anti políticos muito semelhante àquele que preparou a aceitação generalizada do 28 de Maio de 1926. Hoje estamos integrados na União Europeia, mas não esqueçamos que muitos sempre recusaram ideologicamente a nossa integração europeia apenas tendo estado calados quando entrava muito dinheiro e não era fácil fazer passar esse discurso. Há quem ande a recuperar um discurso atlantista e anti europeu, como se as nossas antigas colónias ainda estivessem à espera de nós para alguma coisa. Outros, ainda, parecem sonhar com um papel salvítico de Portugal no mundo, citando Pessoa e António Vieira como orientadores ideológicos, sabe-se lá para que fantasias. O futuro dos nossos filhos e netos não depende de nada disso e sim de trabalho, organização, boas contas e, acima de tudo, bom senso e integração aprofundada na Europa e na União a que pertencemos.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 18 de Maio 2015

Sem comentários: