segunda-feira, 21 de março de 2016

Política e justiça



O que se passa no Brasil por estes dias é algo que nos choca por diversos motivos relacionados com o exercício da governação, com a corrupção política generalizada, com a justiça, levantando ainda várias questões co-relacionadas. De facto, para além do que vai sucedendo aos olhos do mundo, as reacções que suscita merecem também ser vistas com alguma atenção, pelo que revelam do mundo político.
A chamada operação “lava-jato” leva já dois anos e promete não deixar pedra sobre pedra na política brasileira, fazendo lembrar o que sucedeu em Itália com a operação “mãos limpas” na década de 1990. Depois de ter descoberto as ligações entre as maiores construtoras do Brasil, a Odebrecht, a Andrade Gutierrez e a Camargo Correa e os principais dirigentes do Partido dos Trabalhadores tendo como placa giratória a Petrobras, a Justiça brasileira chegou finalmente ao ex-presidente Lula da Silva, não há muito tempo doutorado Honoris Causa pela Universidade de Coimbra, recorde-se. A partir daqui, se antes já eram perceptíveis as manobras políticas para travar a Justiça, passou a assistir-se a algo inimaginável num país democrático, com a tentativa de nomear Lula da Silva para o Governo, com o objectivo confesso de o subtrair aos juízes.

Para se perceber o que se passa no Brasil, não se pode deixar de referir a actual situação económica do país. Quando Fernando Henriques Cardoso entregou a presidência a Lula da Silva em Janeiro de 2003, o Brasil tinha sofrido uma completa reforma económica a partir do “Plano real”, que havia retirado o país de uma década terrível do ponto de vista económico, colocando o Brasil na senda do crescimento. Lula teve a inteligência de prosseguir com a política económica de Fernando H Cardoso com um bom crescimento, enquanto criava uma série de programas para reduzir a pobreza do país, como o Bolsa Família e Fome Zero. A sucessora Dilma Rousseff veio, no entanto, a mostrar-se de uma grande incapacidade para garantir que o Brasil continuasse no bom caminho, em termos económicos.
Em 2015 a economia retraiu 3,8% e neste momento a economia desacelera há sete trimestres consecutivos. O consumo caiu 4%. O investimento cai pelo segundo ano consecutivo, acumulando actualmente 18%. O desemprego está a crescer, com 1,5 milhões novos desempregados em 2015, estimando-se para este ano que esse número suba aos 2 milhões. De acordo com os analistas internacionais, a redução do PIB per capita em 2015 e 2016 poderá ser superior a 10%, sem se prever sequer que em 2017 possa recuperar, antes pelo contrário. Neste caso, o Brasil estará a passar pela pior crise desde 1901, altura em que teve 3 anos sucessivos de recessão. A inflação em 2105 foi de 11%, o que traz receios de descontrolo, perante o estado geral da economia. A dívida pública deverá crescer 11 pontos em apenas dois anos, não havendo sinais de o governo de Dilma pretender diminuir o défice das contas públicas.
A razão das gigantescas manifestações contra a política da Presidente Dilma reside nesta trágica situação da economia brasileira.
Neste contexto, a descoberta de que as elites governativas participaram num gigantesco esquema de corrupção que lhes garantiu enormes fortunas, só poderia criar as condições propícias à revolta das classes mais atingidas, isto é, as classes médias. A atitude da Presidente Dilma tentando subtrair Lula à Justiça para obstruir a sua acção é de uma imprevidência inacreditável, para dizer o mínimo.

Entre nós espanta que, em vez de se discutirem os problemas como a situação económica do Brasil e a corrupção ao mais alto nível, se troquem os factores e se acuse a Justiça brasileira de perseguição a políticos, no caso precisamente com a mesma orientação ideológica. Ao arranjarem desculpas ideológicas para os corruptos, transformando-os em perseguidos em vez dos gangsters que na verdade são, apenas nos fazem pensar no que fariam se o poder lhes fosse parar às mãos.

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