segunda-feira, 15 de maio de 2017

Há cem anos, a revolução soviética



Foi em 1917 que Lenine levou a cabo a revolução que haveria de ser a primeira e mais consequente tentativa de construir o socialismo, levando à prática as teorias desenvolvidas por Marx e Engels no século XIX. Foi longamente pensada, uma vez que já em Outubro de 1914 Lenine escrevia ansiar pela derrota da Rússia na Grande Guerra, para mais rapidamente acabar com o czarismo, almejando mesmo transformar a guerra europeia em guerra civil no seu país. Quando as dificuldades e extremas privações sentidas pelo povo, agravadas pelas consequências da guerra, chegaram a um ponto insustentável, unidades do exército cansadas da longa guerra juntaram-se aos populares revoltosos em Petrogrado (S. Petersburgo) em 8 de Março de 1917 (23 de fevereiro pelo calendário russo de então) e o czar demitiu-se poucos dias depois. A Alemanha, que passava por grandes dificuldades na guerra, viu aqui uma oportunidade para se livrar da frente russa e ajudou Lenine a sair do seu exílio na Suíça e providenciou o seu transporte de comboio para a Rússia, tendo chegado a Petrogrado em 16 de Abril de 1917.
Após a inesperada abdicação de Nicolau II, formou-se um governo provisório dirigido por Kerensky, um político fraco e incompetente que foi incapaz de suster os ímpetos revolucionários dos bolcheviques liderados por Lenine e Trotzky. 

Em 7 de Novembro os bolcheviques derrubaram o governo provisório e tomaram o poder, apressaram-se a assinar um armistício com a Alemanha em 15 de Dezembro e puseram um fim à incipiente tentativa de democratização do país, dando de imediato início à caminhada para impor a “ditadura do proletariado”. Apesar de tudo, Lenine não ousou opor-se à realização de eleições para uma Assembleia Constituinte em 12 de Janeiro de 1918. Em 750 deputados eleitos, os bolcheviques apenas conseguiram eleger 180, pelo que a Assembleia Constituinte passou a ser um obstáculo ao exercício do poder absoluto pelos comunistas dos “Sovietes de Operários, Camponeses e Soldados” e foi rapidamente dissolvida. A partir daqui a História é conhecida, originou muitos milhões de mortos e a primeira experiência de construção do socialismo só terminou 74 anos depois.
Certamente não por acaso, a leitura do que se passou na Rússia há cem anos
parece um guião do que viria a suceder em Portugal no chamado PREC–“Processo Revolucionário Em Curso” que se seguiu ao 25 de Abril de 1974. Após o derrube do anterior regime houve uma fuga para a frente levada a cabo por comunistas e esquerdistas que desembocou no V Governo Provisório liderado por Vasco Gonçalves. Também na eleição da Assembleia Constituinte os resultados haviam sido desastrosos para as forças comunistas e igualmente houve tentativas para a manipular, quando não para acabar com ela, tendo mesmo havido um cerco do edifício pelos “operários da cintura industrial de Lisboa”. São eloquentes as imagens da saída dos constituintes após o sequestro, com a evidência da diferença do tratamento pelos manifestantes dos deputados comunistas e de todos os outros, quando finalmente sairam. Só que, apesar da propaganda maciça, na verdade as “condições objectivas” não eram as mesmas da Rússia de 1917 e a própria União Soviética decidiu cortar à última hora o apoio aos golpistas de esquerda. E o 25 de Novembro de 1975 em Portugal acabou por sair ao contrário do 7 de Novembro de 1917 na Rússia, abrindo-se o caminho para a estabilização da democracia efectiva que temos hoje, com a feliz integração dos que a combateram de uma ou outra maneira.

Passam agora cem anos sobre o ano de 1917, durante o qual tiveram lugar todos estes acontecimentos, que tanta importância tiveram em todo o mundo, com consequências que ainda perduram. Hoje em dia, de todas as experiências de construção do chamado socialismo real, sobram apenas uns exemplos tristes e irrelevantes, como a Coreia do Norte e Cuba, a que uma trágica experiência chamada “revolução bolivariana” na Venezuela faz todos os esforços para se juntar. A História destes cem anos mostra, com uma evidência indesmentível, que nem em um único sequer dos países que tiveram partidos comunistas a governar existiu algum dia democracia com escolha livre dos seus governantes pelos cidadãos. Apesar disso, persistem ainda entre nós mitos sobre a construção de um “homem novo”, numa demonstração de como o materialismo dialético, oh suprema ironia!, se transfigurou numa fé e partidos políticos em igrejas dogmáticas que nem sequer prescindem das suas manifestações colectivas.

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