Foi em 1917 que Lenine levou a cabo a revolução que
haveria de ser a primeira e mais consequente tentativa de construir o
socialismo, levando à prática as teorias desenvolvidas por Marx e Engels no século
XIX. Foi longamente pensada, uma vez que já em Outubro de 1914 Lenine escrevia
ansiar pela derrota da Rússia na Grande Guerra, para mais rapidamente acabar
com o czarismo, almejando mesmo transformar a guerra europeia em guerra civil
no seu país. Quando as dificuldades e extremas privações sentidas pelo povo,
agravadas pelas consequências da guerra, chegaram a um ponto insustentável,
unidades do exército cansadas da longa guerra juntaram-se aos populares revoltosos
em Petrogrado (S. Petersburgo) em 8 de Março de 1917 (23 de fevereiro pelo
calendário russo de então) e o czar demitiu-se poucos dias depois. A Alemanha,
que passava por grandes dificuldades na guerra, viu aqui uma oportunidade para
se livrar da frente russa e ajudou Lenine a sair do seu exílio na Suíça e
providenciou o seu transporte de comboio para a Rússia, tendo chegado a
Petrogrado em 16 de Abril de 1917.
Após a inesperada abdicação de Nicolau II,
formou-se um governo provisório dirigido por Kerensky, um político fraco e
incompetente que foi incapaz de suster os ímpetos revolucionários dos
bolcheviques liderados por Lenine e Trotzky.
Em 7 de Novembro os bolcheviques
derrubaram o governo provisório e tomaram o poder, apressaram-se a assinar um
armistício com a Alemanha em 15 de Dezembro e puseram um fim à incipiente
tentativa de democratização do país, dando de imediato início à caminhada para
impor a “ditadura do proletariado”. Apesar de tudo, Lenine não ousou opor-se à
realização de eleições para uma Assembleia Constituinte em 12 de Janeiro de
1918. Em 750 deputados eleitos, os bolcheviques apenas conseguiram eleger 180,
pelo que a Assembleia Constituinte passou a ser um obstáculo ao exercício do
poder absoluto pelos comunistas dos “Sovietes de Operários, Camponeses e
Soldados” e foi rapidamente dissolvida. A partir daqui a História é conhecida, originou
muitos milhões de mortos e a primeira experiência de construção do socialismo
só terminou 74 anos depois.
Certamente não por acaso, a leitura do que se
passou na Rússia há cem anos
parece um guião do que viria a suceder em Portugal
no chamado PREC–“Processo Revolucionário Em Curso” que se seguiu ao 25 de Abril
de 1974. Após o derrube do anterior regime houve uma fuga para a frente levada
a cabo por comunistas e esquerdistas que desembocou no V Governo Provisório liderado
por Vasco Gonçalves. Também na eleição da Assembleia Constituinte os resultados
haviam sido desastrosos para as forças comunistas e igualmente houve tentativas
para a manipular, quando não para acabar com ela, tendo mesmo havido um cerco
do edifício pelos “operários da cintura industrial de Lisboa”. São eloquentes
as imagens da saída dos constituintes após o sequestro, com a evidência da
diferença do tratamento pelos manifestantes dos deputados comunistas e de todos
os outros, quando finalmente sairam. Só que, apesar da propaganda maciça, na
verdade as “condições objectivas” não eram as mesmas da Rússia de 1917 e a
própria União Soviética decidiu cortar à última hora o apoio aos golpistas de
esquerda. E o 25 de Novembro de 1975 em Portugal acabou por sair ao contrário
do 7 de Novembro de 1917 na Rússia, abrindo-se o caminho para a estabilização
da democracia efectiva que temos hoje, com a feliz integração dos que a
combateram de uma ou outra maneira.
Passam agora cem anos sobre o ano de 1917, durante
o qual tiveram lugar todos estes acontecimentos, que tanta importância tiveram
em todo o mundo, com consequências que ainda perduram. Hoje em dia, de todas as
experiências de construção do chamado socialismo real, sobram apenas uns
exemplos tristes e irrelevantes, como a Coreia do Norte e Cuba, a que uma
trágica experiência chamada “revolução bolivariana” na Venezuela faz todos os
esforços para se juntar. A História destes cem anos mostra, com uma evidência
indesmentível, que nem em um único sequer dos países que tiveram partidos
comunistas a governar existiu algum dia democracia com escolha livre dos seus
governantes pelos cidadãos. Apesar disso, persistem ainda entre nós mitos sobre
a construção de um “homem novo”, numa demonstração de como o materialismo
dialético, oh suprema ironia!, se transfigurou numa fé e partidos políticos em
igrejas dogmáticas que nem sequer prescindem das suas manifestações colectivas.
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