segunda-feira, 1 de maio de 2017

Respeitar os equilíbrios da Democracia




Por acaso, ou talvez não, sucedeu no dia seguinte às comemorações do Dia da Liberdade, o que torna a atitude ainda mais significativa pelo contraste entre as palavras bonitas de um dia e a prática logo após. Em pleno debate na Assembleia da República, o Primeiro-Ministro recusou responder a uma simples pergunta feita pela oposição. E recusou fazê-lo por quatro vezes, não podendo assim ficar qualquer dúvida sobre o que pensa da competência de fiscalização da Assembleia da República, definida na Constituição da República Portuguesa. Para quem anda mais distraído, recordam-se os artigos 114º sobre o direito da oposição, o artigo 156 sobre os poderes dos deputados e, finalmente, o artigo 162º sobre a competência de fiscalização: “Vigiar pelo cumprimento da Constituição e das leis e apreciar os actos do Governo e da Administração”. A Constituição da República vigora para todos os portugueses e não apenas para alguns que parece julgarem-se donos dela, mas que rapidamente a esquecem quando não lhes convém, dando razão a Lincoln que dizia que se queremos saber da qualidade de um político, basta dar-lhe um pouco de poder e ver como ele o exerce.
E qual era a pergunta a que o Primeiro-Ministro não respondeu? Apenas saber as razões da recusa do Governo em aceitar os nomes propostos para o Conselho de Finanças Públicas (CFP) pelo Banco de Portugal e pelo Tribunal de Contas.
O Primeiro-Ministro, visivelmente enfastiado com a insistência da oposição, acabou por dizer que não percebia a importância da pergunta, quando o país tem tantos problemas graves para resolver. Conclusão: não vale a pena, portanto, a oposição tentar exercer o direito de fiscalizar as decisões governamentais que não tem resposta, uma vez que o próprio decide aquilo a que responder ou não responder.

Pelo incómodo causado e pela ausência reiterada e assumida de resposta ficou-se a perceber que a questão tem muito que se lhe diga. Não se coloca em causa a legitimidade governamental para nomear ou não os elementos do Conselho de Finanças Públicas que lhe foram propostos, sendo essa discussão certamente passível de concitar doutos pareceres jurídicos para um e outro lado. O que é certo é que o Governo tem a estrita obrigação de, perante a Assembleia da República, assumir e justificar as suas decisões, o que se recusou a fazer. Vê-se porquê e o que se vê não é bonito de se ver. Nos dias de hoje, os sistemas democráticos maduros desenvolveram um conjunto de entidades independentes com capacidade técnica para fazer análises e, de forma independente, produzir relatórios que frequentemente não são do agrado dos poderes executivos, por mostrarem uma realidade diferente da “narrativa” que constroem para encher o olho aos eleitores. No seu conjunto formam um sistema, que se pretende equilibrado, daquilo a que costuma chamar “checks and balances” ou em português pesos e contrapesos, que se destinam a limitar os poderes, mas essencialmente a evitar chegar a situações-limite que já só se resolvem com soluções extremas. O Conselho de Finanças Públicas é precisamente uma dessas entidades, cuja função é “fiscalizar o cumprimento das regras orçamentais em Portugal e a sustentabilidade das finanças públicas”. Foi criado em 2011 na altura do desastre das contas públicas que levou ao pedido de ajuda externa e pretende evitar que os governos manipulem a informação sobre as contas, trazendo transparência e credibilidade ao Estado. A sua independência relativamente ao poder executivo é fundamental para que os portugueses possam ter uma informação do cumprimento dos orçamentos de estado e da política financeira mais consentânea com a realidade.
A recusa do Primeiro-Ministro em fundamentar a sua decisão de não aceitar as indicações do Tribunal de Contas e do Banco de Portugal em plena Assembleia da República mostra assim, à evidência, duas coisas, cada uma delas pior que a outra: que o Governo convive mal com instituições independentes com capacidade para escrutinar tecnicamente as suas contas e ainda que despreza publicamente os direitos constitucionais da oposição.

1 comentário:

JC disse...

Não deixa de ser curioso ou até estranho que uma entidade que se pretende independente relativamente ao Governo tenha os seus membros nomeados por esse mesmo Governo.
Melhor seria que a sua nomeação competisse apenas ao Banco de Portugal e ao Tribunal de Contas.
Ou, então, que fosse atribuída antes ao Presidente da República a competência para a aceitação dos nomes propostos por aquelas duas entidades.

Dito isto, importa referir que esse comportamento claramente prepotente e antidemocrático de António Costa não me espanta minimamente, vindo de quem tomou de assalto o Poder em Portugal (depois de ter executado idêntico golpe no seu partido) beneficiando de uma conjugação de felizes (para ele) coincidências, que impediram Cavaco Silva de convocar novas eleições.
Tendo-se aliado, para isso, e sem qualquer pinga de vergonha, aos coveiros deste País - refiro-me, como é óbvio, aos comunistas.

Espanta-me é a benevolência com que o actual 1º Ministro é tratado pelos media em geral, que pouca ou nenhuma relevância deram a esse episódio que eu apelidaria - só para chatear - de "salazarento".

Os mesmos media que lhe desculparam ter enviado uma mensagem ameaçadora a João Vieira Pereira quando este jornalista do Expresso escreveu um artigo de opinião que não agradou ao "nosso" actual 1º Ministro.

Os meus cumprimentos e parabéns pelo seu blogue