segunda-feira, 29 de janeiro de 2018

A Democracia europeia



A questão da democracia na União Europeia é algo que deve estar sempre em cima da mesa. A representação democrática numa União com quase trinta países, todos eles com as suas identidades e História, para além das suas próprias instituições democráticas, não é um problema de menor importância. O seu deficiente funcionamento pode mesmo colocar em causa os próprios fundamentos da União que, recorde-se, começou por ser económica mas avançou depois para uma união política com avanços por vezes súbitos e profundos.
Podemos estar neste momento perante uma dessas situações, com dirigentes a pretenderem dar passos maiores do que as pernas permitem e sem que os cidadãos sejam devidamente informados, havendo mesmo uma cortina de secretismo a tentar tapar o que se passa.
Na última cimeira dos países do sul da Europa realizada em Roma há duas semanas, em que participaram Malta, Chipre, França, Grécia, Itália, Portugal, Espanha e França, os representantes desses países assinaram um documento que prevê listas transnacionais para o Parlamento Europeu. Esta é uma das ideias com que o Presidente francês Emmanuel Macron pretende o reforço e aprofundamento da unidade europeia, ou “mais Europa” como ele costuma dizer. Consistiria na criação de um círculo eleitoral supranacional nas eleições para o Parlamento Europeu em que as listas seriam transnacionais. Significa isso que para esse círculo nós portugueses, por exemplo, votaríamos não em listas propostas pelos partidos portugueses como sucede hoje, mas em listas de partidos europeus que integrariam os candidatos portugueses. Isto é, em vez de escolher deputados portugueses para o Parlamento Europeu, votaríamos em conjuntos de deputados oriundos dos vários países europeus, assim se diluindo a representação nacional no PE e, em correspondência, a responsabilidade dos deputados perante o eleitorado nacional.
Como é evidente, os países pequenos e médios perderiam força perante os maiores como a Alemanha, a França, Espanha e Itália que dominariam as listas à vontade, como já hoje são preponderantes na orientação política dos grandes grupos partidários europeus. Se actualmente é difícil encontrar alguém que consiga dizer quem são os eurodeputados portugueses, imagine-se como será caso essa ideia vá por diante. E coloco a questão no futuro e não no condicional, porque já deu para se perceber que, de uma forma ou de outra, há quem esteja muito interessado em que tal aconteça. Claro que, para alguns partidos, até daria jeito que os seus candidatos fossem à boleia dos poderes europeus, mas de vantagens de secretaria para os partidos políticos penso que a maioria dos cidadãos gostará pouco.
Dizem os defensores desta ideia que assim se obteria uma visão mais global dos problemas europeus em detrimento das visões nacionalistas e tantas vezes paroquiais de cada um dos países individualmente. Como é evidente, as consequências seriam exactamente as opostas, acentuando o afastamento já hoje existente entre as populações e os seus representantes no Parlamento Europeu que deixariam de os representar em favor dos directórios europeus das forças políticas em que se inserissem. Seriam criadas condições para reacções de rejeição da União através do surgimento de novos extremismos nacionalistas e agravamento dos já existentes, numa altura em que o Brexit já está em andamento e se notam sinais perturbadores em países do antigo bloco de Leste, mas também na Áustria, podendo mesmo alastrar-se a Itália nas próximas eleições.

Percebe-se bem que Emmanuel Macron tenha feito esta proposta, que vai objectivamente ao encontro dos interesses da França. Já não se percebe que o grupo dos outros países do Sul da Europa tenha ido na cantiga tão facilmente. E ainda menos que o nosso representante na cimeira, o Primeiro-Ministro António Costa tenha assinado o documento sem ter havido qualquer discussão pública ou explicação prévia ao país sobre o seu significado, tendo-se ainda por cima manifestado publicamente como contrário às listas transnacionais ao regressar a Portugal. Diferença de posições fora de Portugal para europeus verem e dentro do país para os portugueses? De um Primeiro-Ministro deve exigir-se mais coerência.
Uma política de aproximação da Europa aos cidadãos não se fará nunca nas suas costas e tentando sub-repticiamente sobrepor camadas políticas da União às soberanias nacionais. É por isso que, nós cidadãos, nos devemos opor a estas decisões tomadas à revelia dos povos exigindo, neste caso, que a posição portuguesa seja tomada na sede própria, isto é, na Assembleia da República e não apenas pelo Governo, seja o actual ou outro qualquer no futuro.

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