segunda-feira, 19 de novembro de 2018

O DOMÍNIO DAS “FAKE NEWS”




Foi preciso que uma montagem perfeitamente ridícula sobre uma fotografia da líder do Bloco de Esquerda provocasse escândalo nalguns sectores políticos para que as “fake-news” pareçam subitamente ter ganho um estatuto de relevância política. E não caros leitores, esta não é uma “fake new”, embora possa parecer. Após uma conversa que terá tido com a deputada Catarina Martins, o presidente da Assembleia da República pediu à ERC (Entidade Reguladora da Comunicação Social) que proceda a uma análise do problema das “fake news”. O objectivo será que a ERC forneça à Assembleia um documento com a sua visão estratégica sobre o assunto que possa vir a servir de base para produção legislativa sobre a matéria.
“Fake news” corresponde a uma nova designação de algo muito antigo já que, traduzido para português, quer apenas dizer “notícias falsas” que, na essência, podem até não ser notícias de todo, só sendo notícia por isso mesmo. Neste tempo de predomínio cada vez maior dos meios de comunicação electrónicos sobre os tradicionais, em papel ou mesmo telefonia sem fios ou televisão, o termo “fake news” é mais um neologismo importado do inglês, língua oficiosa da internet, que leva as pessoas a ligá-lo quase automaticamente à net ou mesmo às redes sociais que correm sobre ela. De facto, a rapidez de divulgação das mensagens proporcionada pela internet, facilita que cheguem quase instantaneamente a públicos muito vastos, que elas sejam verdadeiras, ou não.

Para além da rapidez da difusão, houve outra circunstância que alterou o significado original de “fake news”. Na realidade, o termo refere-se hoje, não apenas a notícias falsas; vai para além disso, já que designa a manipulação de dados ou notícias, a descontextualização de notícias ou mesmo as velhas e simples mentiras usadas por políticos em campanhas eleitorais, ou fora delas. Servem hoje, com frequência, para montar campanhas difamatórias ou até para criar climas artificiais entre os diversos eleitorados.
E desengane-se quem pensa que só indivíduos ou candidaturas eleitorais se servem das possibilidades das “fake news” e que estas têm sempre origem da net. Com habilidade, inteligência e capacidade de manipulação da comunicação social clássica que, afastada que está hoje do verdadeiro jornalismo, logo a repassa para a internet, os governos e os partidos das mais variadas colorações políticas usam e abusam das “fake news”. Entrou-se numa era que a informação, a publicidade e o espectáculo se interpenetram de tal forma que se torna quase impossível detectar as respectivas fronteiras.
Como habitualmente, a primeira tentação perante as más notícias, é matar o mensageiro. É assim que a net e as redes sociais são imediatamente consideradas responsáveis por tudo o que de estranho ou de mau acontece. Nos EUA, o improvável Donald Trump é eleito presidente? O mais fácil é considerar que tal foi conseguido pela manipulação do eleitorado através da montagem de “fake-news” disseminadas pela net, esquecendo que, em primeiro lugar Hillary Clinton também não foi propriamente um anjinho nessa matéria e depois Barak Obama também usou e abusou das “fake.news” para ser escolhido como candidato presidencial do Partido Democrático antes da sua primeira eleição como Presidente. Tal como aconteceu agora no Brasil com a eleição de Bolsonaro; alguém acredita verdadeiramente que mais de 50 milhões de brasileiros foram directamente influenciados pelas campanhas sujas do WhatsApp? Como no Brexit em 2016, os eleitores do Reino Unido foram apenas influenciados pela maré de “fake news” dos defensores da saída da União Europeia?
Perante este cenário, lamento dizer que é muito provável que do relatório da ERC e da Assembleia da República não venha a sair nada de muito relevante. A era da digitalização está aí e espera-se, para bem de todos nós, que se mantenha e que, fundamentalmente, a Internet continue a ser sinónimo de liberdade. O que temos todos a fazer é mantermo-nos de olhos bem abertos e dotarmo-nos da capacidade de distinguir entre aquilo que podemos ter como certo e aquilo que nos deve manter na dúvida.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra de 19 de Novembro 2018

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