segunda-feira, 2 de setembro de 2019

Do que o país não precisa–parte três


Estando o país a pouco mais de trinta dias das eleições legislativas, já não deverão surgir grandes novidades relativamente ao que os diversos partidos têm apresentado como ideias e propostas para o nosso futuro colectivo. Até porque as campanhas eleitorais, ao longo dos anos, se foram reduzindo a umas frases produzidas pelas agências de comunicação, a serem repetidas pelos candidatos dos diversos círculos eleitorais e já lá vai o tempo em que os candidatos eram escolhidos pelas suas capacidades profissionais e políticas. Hoje, usa-se e abusa-se de critérios de fidelidade às direcções partidárias, a quotas de paridade, apresentando-se mesmo como uma vantagem a grande juventude dos candidatos. Se, nos dias de hoje, já é de grande complexidade governar em cenários em grande parte desconhecidos, imagine-se como será para quem não faz a menor ideia das consequências das suas escolhas, por ainda não ter cultura histórica.
E se há necessidade de políticos que saibam o que estão a fazer! A política da última década foi tão traumática que os portugueses parecem anestesiados, preferindo qualquer coisa, por mais fraca que seja, a terem que passar de novo por toda a desgraça que conheceram com a chamada da troika. O reverso do êxito do défice significa a maior carga fiscal de que há memória e que continua a subir, a manutenção de uma dívida pública bruta a um nível gigantesco, um investimento público miserável ao nível de 2003 (formação bruta de capital fixo), uma dose de cativações  inacreditável fazendo lembrar os anos 30 do século passado e um Estado caloteiro que deve dinheiro a tudo e todos (transportadoras de estudantes, fornecedores de livros escolares, fornecedores hospitalares, etc. etc.) devendo mesmo mais de 160 milhões de euros ao Fundo de Estabilização da Seg. Social.
O crescimento da economia, apresentado como um sucesso por ser superior ao da média europeia é confrangedor, estando nós a caminho do último lugar europeu, sendo sucessivamente ultrapassados pelos poucos países ainda abaixo de nós. Na realidade, a média europeia é baixa por estar a ser puxada para baixo pelo comportamento das grandes economias da França, da Itália e agora da própria Alemanha que fazem prever uma nova crise. Numa reedição patética da “teoria do oásis”, é-nos dito que Portugal está a fugir a essa crise. Quando, como Ernâni Lopes ensinava, o que se passa é que, face aos aseus atrasos atávicos e dependência excessiva do Estado, a nossa economia demora mais tempo a entrar em crise, mas esta é depois mais profunda e demoramos mais tempo a sair dela não recuperando o ponto em que estávamos antes a não ser passado muito tempo. A isto se chama resiliência da economia portuguesa, que é muito diferente de resistência.
Do que Portugal não precisa mesmo é que os políticos ignorem a realidade, contando historietas de embalar aos cidadãos, continuando com um “crescimento” que não significa mais do que a continuação permanente da nossa pobreza relativa. A não ser que Portugal, tal “jangada de pedra” como a de Saramago, se solte da Península Ibérica e se desloque cinco graus para Sul, entrando num mundo completamente outro em termos culturais e de exigência económica e social.
Post scriptum: Reagindo à minha crónica recente sobre a regionalização, o meu colega Eng. Santos Veloso enviou ao director do Diário de Coimbra uma carta em que, criticando o que escrevi, expõe as suas próprias opiniões sobre o assunto. Tendo eu próprio já sido um regionalista, reconheço o valor de alguns dos argumentos expostos na carta, embora não concorde eles na totalidade. Mas há algo naquela carta que não pode deixar de ser salientado. O Sr. Eng. Santos Veloso manifesta a sua discordância com uma elegância e respeito pela diferença de opiniões que é uma lufada de ar fresco no actual ambiente degradado da discussão política em que a defesa de opiniões e o contraditório público desapareceram, transformando-se numa guerra de trincheiras em que cada lado dispara e se esconde de imediato. Por isso, e pela elegância rara de escrita, não só cumprimento o Colega Santos Veloso, como lhe agradeço a publicação da sua posição sobre a regionalização, usando para tal o meu escrito como ponto de partida.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 2 de Setembro de 2019

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