Estando o país a
pouco mais de trinta dias das eleições legislativas, já não deverão surgir
grandes novidades relativamente ao que os diversos partidos têm apresentado
como ideias e propostas para o nosso futuro colectivo. Até porque as campanhas
eleitorais, ao longo dos anos, se foram reduzindo a umas frases produzidas
pelas agências de comunicação, a serem repetidas pelos candidatos dos diversos
círculos eleitorais e já lá vai o tempo em que os candidatos eram escolhidos
pelas suas capacidades profissionais e políticas. Hoje, usa-se e abusa-se de
critérios de fidelidade às direcções partidárias, a quotas de paridade,
apresentando-se mesmo como uma vantagem a grande juventude dos candidatos. Se,
nos dias de hoje, já é de grande complexidade governar em cenários em grande
parte desconhecidos, imagine-se como será para quem não faz a menor ideia das
consequências das suas escolhas, por ainda não ter cultura histórica.
E se há
necessidade de políticos que saibam o que estão a fazer! A política da última
década foi tão traumática que os portugueses parecem anestesiados, preferindo
qualquer coisa, por mais fraca que seja, a terem que passar de novo por toda a
desgraça que conheceram com a chamada da troika. O reverso do êxito do défice
significa a maior carga fiscal de que há memória e que continua a subir, a
manutenção de uma dívida pública bruta a um nível gigantesco, um investimento
público miserável ao nível de 2003 (formação bruta de capital fixo), uma dose
de cativações inacreditável fazendo
lembrar os anos 30 do século passado e um Estado caloteiro que deve dinheiro a
tudo e todos (transportadoras de estudantes, fornecedores de livros escolares,
fornecedores hospitalares, etc. etc.) devendo mesmo mais de 160 milhões de
euros ao Fundo de Estabilização da Seg. Social.
O crescimento da
economia, apresentado como um sucesso por ser superior ao da média europeia é
confrangedor, estando nós a caminho do último lugar europeu, sendo sucessivamente
ultrapassados pelos poucos países ainda abaixo de nós. Na realidade, a média
europeia é baixa por estar a ser puxada para baixo pelo comportamento das
grandes economias da França, da Itália e agora da própria Alemanha que fazem
prever uma nova crise. Numa reedição patética da “teoria do oásis”, é-nos dito
que Portugal está a fugir a essa crise. Quando, como Ernâni Lopes ensinava, o
que se passa é que, face aos aseus atrasos atávicos e dependência excessiva do
Estado, a nossa economia demora mais tempo a entrar em crise, mas esta é depois
mais profunda e demoramos mais tempo a sair dela não recuperando o ponto em que
estávamos antes a não ser passado muito tempo. A isto se chama resiliência da
economia portuguesa, que é muito diferente de resistência.
Do que Portugal
não precisa mesmo é que os políticos ignorem a realidade, contando historietas
de embalar aos cidadãos, continuando com um “crescimento” que não significa
mais do que a continuação permanente da nossa pobreza relativa. A não ser que Portugal,
tal “jangada de pedra” como a de Saramago, se solte da Península Ibérica e se desloque
cinco graus para Sul, entrando num mundo completamente outro em termos culturais
e de exigência económica e social.
Post scriptum:
Reagindo à minha crónica recente sobre a regionalização, o meu colega Eng.
Santos Veloso enviou ao director do Diário de Coimbra uma carta em que,
criticando o que escrevi, expõe as suas próprias opiniões sobre o assunto.
Tendo eu próprio já sido um regionalista, reconheço o valor de alguns dos
argumentos expostos na carta, embora não concorde eles na totalidade. Mas há
algo naquela carta que não pode deixar de ser salientado. O Sr. Eng. Santos Veloso
manifesta a sua discordância com uma elegância e respeito pela diferença de
opiniões que é uma lufada de ar fresco no actual ambiente degradado da
discussão política em que a defesa de opiniões e o contraditório público
desapareceram, transformando-se numa guerra de trincheiras em que cada lado
dispara e se esconde de imediato. Por isso, e pela elegância rara de escrita,
não só cumprimento o Colega Santos Veloso, como lhe agradeço a publicação da
sua posição sobre a regionalização, usando para tal o meu escrito como ponto de
partida.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 2 de Setembro de 2019
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