A história é hoje do conhecimento público: em 28
de Junho de 2017, um grupo de 9 homens assaltou os Paióis Nacionais de armas da
base militar de Tancos, levando cerca de 300 kg de material de guerra, armas e
explosivos. O alarme nacional foi imediato. Como seria possível, numas
instalações militares daquela sensibilidade existir uma vedação com aquela
fragilidade, não haver circuito interno de televisão e haver períodos tão
longos entre rondas? Tudo perguntas mal respondidas, tendo havido um
passa-culpas das chefias militares absolutamente inacreditável. Para além do
roubo em si, tudo começou a correr mal nesse mesmo dia, como naquele ditado
“casa onde não há pão, todos ralham e ninguém tem razão”. E o descalabro
continuou de tal forma que o próprio Presidente da República, perante as
câmaras da televisão e em directo, se deslocou ao local acompanhado pelo
ministro da Defesa e secretário de Estado, bem como de inúmeros responsáveis
militares. Entretanto, soube-se da descrição do material furtado, imagine-se,
por uma notícia saída num jornal espanhol e o elevado número de notícias sobre
o assunto surgidas na imprensa estrangeira dava bem conta da surpresa e espanto
gerais originados pela falta de segurança de instalações militares de um país
europeu e da NATO. Em 18 de Outubro de 2017 foram encontradas 44 armas de
guerra, granadas de mão ofensivas, granadas foguete anti-carro, granadas de gás
lacrimogéneo e explosivos, tendo ficado a faltar munições de 9mm. Nesse mesmo
dia, a então Procuradora Geral da República Joana Marques Vidal telefonou ao
ministro da Defesa protestando contra o facto de a operação de recuperação ter
sido levada a cabo numa operação paralela pela Polícia Judiciária Militar,
quando estava atribuída à Polícia Judiciária, provavelmente assinando nesse
momento o fim do seu próprio mandato.
Em Outubro do ano seguinte, o ministro da Defesa
Azeredo Lopes, não aguentando a pressão do caso demitiu-se, no que foi seguido
de imediato pelo chefe de Estado Maior do Exército Gen. Rovisco Duarte. Estes
dois responsáveis máximos tinham sido protagonistas, no decorrer do ano, das
mais desencontradas e mesmo disparatadas afirmações sobre o caso que muito
contribuíram para desacreditar as respectivas instituições num caso, o próprio
Governo, no outro o Exército. Pelo meio, uma comissão de inquérito na
Assembleia da República foi palco de afirmações e conclusões que deixaram
dúvidas a muita gente, dando todo o aspecto de branqueamento de atitudes
ministeriais e militares.
Na semana passada chegou ao fim um inquérito
judicial ao que se passou tendo sido, no exacto último dia do prazo, formulada
acusação contra 23 arguidos, entre os quais o ex-ministro da Defesa que foi
acusado de quatro crimes: denegação de justiça, prevaricação, abuso de poder e
favorecimento. Está aqui em causa, não o assalto em si, mas o encobrimento das
inúmeras ilegalidades cometidas pela instituição militar para recuperar o
material furtado. De caminho foram tornadas públicas as provas que o Ministério
Público anexou às acusações, ficando a saber-se de muitos pormenores, incluindo
mensagens trocadas pelo ex-ministro com um deputado socialista, escrevendo que
sabia do que se passava.
Como é evidente, as acções de um ministro no
exercício das suas funções comprometem o Governo a que pertence e,
essencialmente, o Primeiro-Ministro que o escolheu e nomeou, com o poder de o
demitir a qualquer momento, pouco interessando o que sabia ou não. Neste caso,
o facto de se tratar do ministro da Defesa tem uma envolvente de
responsabilidade acrescida, dado que às Forças Armadas portuguesas incumbe,
constitucionalmente, a defesa militar da República.
Claro que, no que diz respeito à Justiça,
prevalece a presunção de inocência de todos os acusados, também neste caso.
Mas, no que respeita à acção de ministros, agindo enquanto tal e não apenas
como cidadãos normais, a componente política está e deve estar sempre presente.
Como se tudo isto não bastasse, assistiu-se ainda a uma tentativa canhestra de
envolver a figura do Presidente da República e, de novo, acusações de
conspiração ao Ministério Público. “Plus ça change…”.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 30 de Setembro de 2019
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