segunda-feira, 25 de novembro de 2019

25 NOVEMBRO 75



No dia 11 de Novembro de 1975 a Assembleia Constituinte foi cercada pelo sindicato da construção civil ou, como se dizia na altura, a cintura industrial de Lisboa veio ao Parlamento tentar obter pela força aquilo que a esquerda revolucionária não tinha conseguido nas eleições de Abril, as primeiras democráticas. Antes, no dia 10 de Novembro, enquanto discursava num comício no Terreiro do Paço o primeiro-ministro Pinheiro de Azevedo, que tinha substituído Vasco Gonçalves em Agosto, reagiu com «é só fumaça» e repetindo «o povo é sereno» perante o rebentamento de uma bomba de gás lacrimogéneo. E foi o mesmo Pinheiro de Azevedo que, no fim do sequestro do Parlamento, exclamou: «Fui sequestrado. Já duas vezes. Não gosto de ser sequestrado. É uma coisa que me chateia».
No dia 20 de Novembro o Conselho de Revolução afastou Otelo Saraiva de Carvalho da chefia da Região Militar de Lisboa, nomeando Vasco Lourenço em sua substituição. Era a continuação dos acontecimentos de Agosto em que na célebre Assembleia Geral de Tancos de 1 de Setembro Vasco Gonçalves, destituído de primeiro-ministro no dia anterior, foi igualmente afastado de Chefe de Estado Maior das Forças Armadas. O chamado Documento dos Nove apresentado em 7 de Agosto, cujo principal autor era Melo Antunes, fazia o seu caminho nas Forças Armadas e no MFA, tentando pôr cobro a um caminho de exaltação e radicalização esquerdista que todos percebiam poder descambar numa guerra civil.
Foi nessa altura que os sectores mais revolucionários perceberam que aquele momento era a última hipótese de tentarem fazer a sua “revolução socialista” à moda soviética porque a agulha do clima político estava notoriamente a mudar para o lado contrário.
Na sequência do afastamento de Otelo da Região Militar de Lisboa, log
o a 21 de Novembro, o COPCON reúne-se no Alto do Duque, recusando acatar a ordem do Conselho da Revolução. Contudo, o Regimento de Comandos exigiu ficar na dependência directa do Chefe do Estado Maior das Forças Armadas, abandonando a estrutura do COPCON e mais de uma centena de oficiais pára-quedistas abandonaram Tancos, deslocando-se para a Cortegaça com aviões e helicópteros. O Conselho da Revolução reiterou a decisão de nomear Vasco Lourenço e, em 24 de Novembro, o presidente da República Costa Gomes anuncia que mantém essa nomeação.
Na madrugada de 25 de Novembro, faz hoje 44 anos, as forças esquerdistas avançaram, com a ocupação das bases aéreas de Tancos, Monte Real e Montijo bem como do Estado Maior da Força Aérea por pára-quedistas, enquanto o RALIS tomava posições do aeroporto de Lisboa, na auto-estrada do Norte e no depósito de Beirolas. Em frente da Cortegaça colocou-se um navio da Armada pronto a disparar. O estúdio da RTP no Lumiar foi ocupado, bem como a 1ª Região Aérea de Monsanto. A partir daí, o presidente Costa Gomes e o grupo dos nove sob o comando de Ramalho Eanes tomaram todas as iniciativas militares necessárias para responder à sublevação. Muito importante, Costa Gomes contactou Álvaro Cunhal para proceder à desmobilização dos seus militantes nas ruas, o que foi feito, assim se mantendo a contenda apenas entre militares. Durante todo o dia as operações militares fizeram oscilar a situação para um e outro lado mas, na madrugada de 26, a situação foi finalmente estabilizada com uma acção forte dos Comandos da Amadora sobre a Polícia Militar que foi ocupada.
Em suma, os sectores esquerdistas avançaram, mas o lado militar democrático estava bem preparado para lhes tolher o passo. E foi assim que o «processo revolucionário em curso» terminou, abrindo caminho para a Democracia representativa em respeito pela vontade do povo português expressa nas urnas e em mais lado nenhum.
Como acontece muitas vezes com as revoluções, os períodos que se lhes seguem trazem consigo os perigos da radicalização, que podem anular os bons objectivos que as nortearam. Tal não sucedeu em Portugal porque, em primeiro lugar houve eleições livres para o povo escolher o caminho que queria seguir e depois porque houve portugueses de fibra que obrigaram a que essa vontade fosse respeitada.
Em tempos de oportunismos que tentam aproveitar-se da data do 25 de Novembro face ao lamentável esquecimento dos últimos anos, é bom que se saiba o que aconteceu, como aconteceu e o que significou como garantia da Democracia pluralista que hoje temos.

Publicado originalmente na edição do  Diário de Coimbra de 25 de Novembro de 2019

Sem comentários: