Os muros que separam comunidades são um símbolo do pior de
que a raça humana é capaz. E, infelizmente, há-os para todo os gostos. Desde a
Grande Muralha da China com os seus 6.000 km de extensão e que é hoje apenas
uma atracção turística, até aos muros com que os presidentes americanos Clinton,
Obama e agora Trump têm vindo a tentar impedir a entrada clandestina de
mexicanos nos EUA, passando pelo muro da Cisjordânia, há-os para todos os
gostos.
Mas a História recente regista um que deveria fazer pensar
duas vezes todos aqueles que sonham com a capacidade dos muros para reter a
liberdade das pessoas. Ao contrário dos outros, cuja edificação encontra sempre
como justificação proteger “os de dentro e o seu sistema de vida contra “os de
fora” que os pretenderão invadir, o Muro de Berlim, dissessem os seus
construtores o que dissessem, só teve um objectivo: impedir os berlinenses de
sair, abandonar o regime que os oprimia.
Após o fim da hecatombe europeia da Segunda Guerra Mundial,
Estaline aproveitou os avanços militares dos seus exércitos a caminho de Berlim
e forçou, pela força e sem qualquer respeito pela vontade democrática dos
respectivos povos, o estabelecimento de regimes comunistas por toda parte
oriental da Europa. Apenas escapou a Grécia depois de uma guerra civil entre
1946 e 1949, porque as potências ocidentais apoiaram as forças democráticas
contra os comunistas que, também na Grécia, tentavam tomar o poder pela força
das armas. Sobre o Leste da Europa caiu o que Churchill chamou uma “cortina de
ferro desde Stettin no Báltico até Trieste no Adriático”. Acerca do que se
passou na Europa nesses tempos escuros da 2ª Grande Guerra e dos que se
seguiram no leste europeu, não há como ler a história do camponês romeno Johann
Moritz descrita no notável romance “A 25ª Hora” de Virgil Gheorghiu.
Na Conferência de Potsdam a Alemanha derrotada foi dividida
entre as potências vencedoras. A partir de 1947 as zonas americana, britânica e
francesa constituíram a República Federal da Alemanha, enquanto a parte de
influência soviética se manteve à parte, dominada pelo partido comunista, na
República Democrática Alemã. A capital, Berlim, ficou dentro da RDA, mas ficou
também dividida em duas partes, à semelhança do resto do país. Com surpresa, os
berlinenses acordaram no dia 13 de Agosto de 1961 para descobrirem que, desde a
madrugada, a RDA estava a construir um muro dentro da cidade, assim separando
milhares de famílias. O regime comunista conseguia assim, na prática, estancar
a sangria de mais de 3 milhões de alemães de leste que tinham fugido para o
ocidente, em boa parte através da parte ocidental de Berlim. O muro de Berlim
ficou tristemente célebre pela sua agressividade ostensiva e pela ordem de
atirar a matar sobre toda e qualquer pessoa que o tentasse ultrapassar,
situação trágica que sucedeu muitas vezes, algumas das quais ficaram
testemunhadas para sempre, através de registos fotográficos dramáticos.
Ficou célebre a frase do presidente americano John Kennedy
ao visitar Berlim em Junho de 1963 para manifestar o apoio do mundo ocidental
aos berlinenses sitiados: "Ich bin ein Berliner" ("Eu sou
um berlinense", em alemão).
O “Muro de Berlim”, símbolo máximo da “Guerra Fria”, durou
até 1989. Nesse ano, em que se comemoravam os 40 anos da RDA, o presidente
soviético Gorbatchov visitou Berlim em Outubro, avisando o seu homólogo da RDA
sobre a necessidade de acompanhar os tempos o que, poucos dias depois, levou à
demissão de Honecker. No meio de imensa confusão em todo o bloco soviético, com
países a decidirem ir para eleições, o seu sucessor, Egor Krenz viu-se
envolvido num turbilhão de movimentos de rua e perdeu a mão da situação. A
verdade é que nem a tristemente célebre polícia política comunista, a Stasi,
que controlava a sociedade da RDA com mão de ferro através de mais de 90.000
colaboradores directos e de cerca de 180.000 informadores, isto num país com 16
milhões de habitantes, conseguiu garantir o controlo.
E, no dia 9 de Novembro de 1989, passam agora trinta anos,
aconteceu o que, três meses antes, ninguém seria capaz de prever: a população
berlinense literalmente saltou para cima do Muro e, de todas as formas,
destruiu-o em pouco tempo, perante a passividade e espanto dos polícias,
mudando o mundo já que, depois disso, nada mais foi como dantes em toda a
Europa e mesmo no mundo, numa História ainda a fazer-se.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra de 11 de Novembro de 2019
Sem comentários:
Enviar um comentário