segunda-feira, 11 de novembro de 2019

ÀCERCA DE MUROS



Os muros que separam comunidades são um símbolo do pior de que a raça humana é capaz. E, infelizmente, há-os para todo os gostos. Desde a Grande Muralha da China com os seus 6.000 km de extensão e que é hoje apenas uma atracção turística, até aos muros com que os presidentes americanos Clinton, Obama e agora Trump têm vindo a tentar impedir a entrada clandestina de mexicanos nos EUA, passando pelo muro da Cisjordânia, há-os para todos os gostos.
Mas a História recente regista um que deveria fazer pensar duas vezes todos aqueles que sonham com a capacidade dos muros para reter a liberdade das pessoas. Ao contrário dos outros, cuja edificação encontra sempre como justificação proteger “os de dentro e o seu sistema de vida contra “os de fora” que os pretenderão invadir, o Muro de Berlim, dissessem os seus construtores o que dissessem, só teve um objectivo: impedir os berlinenses de sair, abandonar o regime que os oprimia.
Após o fim da hecatombe europeia da Segunda Guerra Mundial, Estaline aproveitou os avanços militares dos seus exércitos a caminho de Berlim e forçou, pela força e sem qualquer respeito pela vontade democrática dos respectivos povos, o estabelecimento de regimes comunistas por toda parte oriental da Europa. Apenas escapou a Grécia depois de uma guerra civil entre 1946 e 1949, porque as potências ocidentais apoiaram as forças democráticas contra os comunistas que, também na Grécia, tentavam tomar o poder pela força das armas. Sobre o Leste da Europa caiu o que Churchill chamou uma “cortina de ferro desde Stettin no Báltico até Trieste no Adriático”. Acerca do que se passou na Europa nesses tempos escuros da 2ª Grande Guerra e dos que se seguiram no leste europeu, não há como ler a história do camponês romeno Johann Moritz descrita no notável romance “A 25ª Hora” de Virgil Gheorghiu.
Na Conferência de Potsdam a Alemanha derrotada foi dividida entre as potências vencedoras. A partir de 1947 as zonas americana, britânica e francesa constituíram a República Federal da Alemanha, enquanto a parte de influência soviética se manteve à parte, dominada pelo partido comunista, na República Democrática Alemã. A capital, Berlim, ficou dentro da RDA, mas ficou também dividida em duas partes, à semelhança do resto do país. Com surpresa, os berlinenses acordaram no dia 13 de Agosto de 1961 para descobrirem que, desde a madrugada, a RDA estava a construir um muro dentro da cidade, assim separando milhares de famílias. O regime comunista conseguia assim, na prática, estancar a sangria de mais de 3 milhões de alemães de leste que tinham fugido para o ocidente, em boa parte através da parte ocidental de Berlim. O muro de Berlim ficou tristemente célebre pela sua agressividade ostensiva e pela ordem de atirar a matar sobre toda e qualquer pessoa que o tentasse ultrapassar, situação trágica que sucedeu muitas vezes, algumas das quais ficaram testemunhadas para sempre, através de registos fotográficos dramáticos.
Ficou célebre a frase do presidente americano John Kennedy ao visitar Berlim em Junho de 1963 para manifestar o apoio do mundo ocidental aos berlinenses sitiados: "Ich bin ein Berliner" ("Eu sou um berlinense", em alemão).
O “Muro de Berlim”, símbolo máximo da “Guerra Fria”, durou até 1989. Nesse ano, em que se comemoravam os 40 anos da RDA, o presidente soviético Gorbatchov visitou Berlim em Outubro, avisando o seu homólogo da RDA sobre a necessidade de acompanhar os tempos o que, poucos dias depois, levou à demissão de Honecker. No meio de imensa confusão em todo o bloco soviético, com países a decidirem ir para eleições, o seu sucessor, Egor Krenz viu-se envolvido num turbilhão de movimentos de rua e perdeu a mão da situação. A verdade é que nem a tristemente célebre polícia política comunista, a Stasi, que controlava a sociedade da RDA com mão de ferro através de mais de 90.000 colaboradores directos e de cerca de 180.000 informadores, isto num país com 16 milhões de habitantes, conseguiu garantir o controlo.
E, no dia 9 de Novembro de 1989, passam agora trinta anos, aconteceu o que, três meses antes, ninguém seria capaz de prever: a população berlinense literalmente saltou para cima do Muro e, de todas as formas, destruiu-o em pouco tempo, perante a passividade e espanto dos polícias, mudando o mundo já que, depois disso, nada mais foi como dantes em toda a Europa e mesmo no mundo, numa História ainda a fazer-se.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra de 11 de Novembro de 2019

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