segunda-feira, 4 de novembro de 2019

DA REPRESENTAÇÃO POLÍTICA DOS PORTUGUESES



Depois da tomada de posse do novo Governo saído das eleições de 6 de Outubro e da apresentação e discussão do seu Programa na Assembleia da República, já é possível tirar algumas conclusões sobre a actual situação política e o que esperar para o futuro próximo.
Das últimas eleições saíram dez partidos com representação parlamentar, um número até hoje nunca visto. Como novidades entraram o Livre, a Iniciativa Liberal e o Chega, cada um com um representante. O PAN surpreendeu ao obter 4 lugares, apenas menos um que o CDS que viu a sua representação diminuída em treze lugares. Já o PSD perdeu dez lugares, ficando com 79 deputados. O BE manteve os seus 19 lugares, tendo a CDU perdido cinco lugares e ficando com 12 deputados. O PS, ao ser vencedor das eleições, obteve mais vinte e dois lugares ficando o seu grupo parlamentar com 108 deputados. Sobre quem ganhou e perdeu, estes são os números.
Contudo, os números têm ainda outros significados, para além da conversa habitual para enganar crédulos que é afirmar que o eleitorado quis isto ou aquilo. Um significado profundo é o da abstenção que subiu a um valor nunca antes visto, acima de metade do eleitorado: 51,43%. Pese embora se pressinta um empolamento artificial dos cadernos eleitorais, é certo que há uma grande parte de eleitores que não participam nesse momento crucial da vida democrática, que são as eleições.
Como resultado das eleições, tudo mudou. O partido Socialista é, desta vez, o maior partido e o PSD o segundo, numa alteração radical da situação. Embora não tenha tido a almejada maioria absoluta, desta vez o PS sente que está à vontade para governar, não necessitando de firmar acordos escritos com os partidos que o apoiaram durante a anterior legislativa. Basta-lhe lembrar, como o fez com completa clareza o ministro Santos Silva no encerramento do debate do programa do Governo, e cito: "Só é possível retirar as condições básicas de governação ao Governo do PS através da constituição de uma coligação negativa e contranatura entre o centro-direita e direita e todas as forças à esquerda do PS - e todos sabemos, na maioria parlamentar, que isso seria uma traição ao nosso eleitorado".
Isto é, o PS sente-se finalmente na confortável situação de ser o fiel da balança da democracia portuguesa que desde sempre almejou. Se na anterior legislatura os acordos foram com a esquerda apenas para evitar o governo da direita, nesta nova situação o PS considera-se o centro, o que lhe permite ir acordando à esquerda ou à direita. Entretanto vai fazendo juras de amor com a esquerda que lhe proporcionou a vantagem da paz nas ruas e nos sindicatos nos últimos quatro anos, pelo que serão de prever negociações, mas desta vez privadas.
O que nos traz à situação da direita, principalmente do PSD, já que o CDS está com outros problemas que têm mais a ver com a sobrevivência a curto prazo.
A questão do défice, que foi motivo de discussão e de querela ideológica durante todo o século XX, foi finalmente ultrapassada por força da pertença à União Europeia e ao Euro. À sua maneira, claro, o PS aderiu às “boas contas” e mesmo o resto da esquerda fala agora apenas em evitar grandes excedentes orçamentais que coloquem o investimento em causa, como o disse o BE no Parlamento. Isto é, deixou de ser uma bandeira típica da direita para ser hoje um consenso. Se houve alguma vantagem trazida pela “Geringonça”, esta não será certamente a menor.
O PSD está, assim, perante uma situação completamente nova, tendo que se assumir como alternativa ao PS, eliminando todo e qualquer sentimento de que lhe possa servir de “muleta” como fizeram o BE e o PCP durante 4 anos inteiros. Não poderá nunca deixar que se instale a ideia de que o PS é o centro do regime e terá que encontrar os temas que lhe permitam afirmar-se como a alternativa ao PS, sem o que se verá reduzido à irrelevância. Até porque o sistema mexicano de um grande partido ao centro produz a normalidade de que hoje tanto se fala como necessária, mas normalidade essa que foge à mudança, não produz crescimento que se veja e só ajudará a esse lento deslizar que já está a levar Portugal para o lugar de “lanterna vermelha” da Europa.
Desenho reproduzido do jornal Público

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 4 de Novembro de 2019

Sem comentários: