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quinta-feira, 30 de janeiro de 2020
PERGUNTA
Alguém me pode esclarecer se em Portugal pode haver crime de branqueamento de capitais se o eventual crime que lhe deu origem teve lugar noutro país, em Angola por exemplo?
quarta-feira, 29 de janeiro de 2020
terça-feira, 28 de janeiro de 2020
RUI PINTO E ISABEL DOS SANTOS
PARA MEMÓRIA FUTURA
«Comunicado de Imprensa
Os advogados abaixo assinados declaram que o seu cliente, o Sr. Rui PINTO, assume a responsabilidade de ter entregue, no final de 2018, à Plataforma de Proteção de Denunciantes na África (PPLAAF), um disco rígido contendo todos os dados relacionados com as recentes revelações sobre a fortuna de Isabel DOS SANTOS, sua família e todos os indivíduos que podem estar envolvidos nas operações fraudulentas cometidas à custa do Estado angolano e, eventualmente, de outros países estrangeiros.
Rui PINTO procurou, assim, ajudar a entender operações complexas conduzidas com a cumplicidade de bancos e juristas que não só empobrecem o povo e o Estado de Angola, mas podem ter prejudicado seriamente os interesses de Portugal.
Rui PINTO esclarece que entregou este disco rígido, no cumprimento do que entende ser um dever de cidadania, e sem qualquer contrapartida, depois de tomar conhecimento das missões realizadas pela organização PPLAAF, permitindo que usassem os dados como entendessem.
Rui PINTO está satisfeito por ver que, graças ao intenso trabalho do consórcio de jornalistas ICIJ, todos os dados foram explorados, verificados, validados e, portanto, encabeçaram as revelações que necessariamente levarão à abertura de investigações criminais em muitos países, incluindo Portugal.
Está feita a prova de que, sem as imensas revelações de Luanda Leaks, tornadas possíveis graças ao nosso cliente, as autoridades reguladoras, policiais e judiciais nada teriam feito. Graças ao nosso cliente, os cidadãos portugueses e o mundo têm acesso à verdade de um extraordinário sistema de predação e corrupção, gravemente prejudicial para Portugal, Angola e outros países.
As decisões já tomadas pelo Banco de Portugal, PWC e outras que estão por vir demonstram a importância excepcional das revelações de Luanda Leaks. A responsabilidade das autoridades é agora agir e abrir as investigações necessárias – já abertas em Angola – e ao mesmo tempo recuperar elevadas somas de dinheiro, mas é preciso dizer que são as mesmas autoridades portuguesas que mantêm Rui Pinto na prisão há quase um ano, sob o pretexto de uma tentativa de extorsão, e que, até este momento, apenas pediram a sua colaboração com o exclusivo intuito de o autoincriminar.
O nosso cliente gostaria de lembrar que esta colaboração com o PPLAAF e o ICIJ está relacionada exclusivamente com a entrega deste disco rígido e que não prejudica a cooperação histórica que tem realizado com o consórcio European Investigative Collaborations (EIC) desde as primeiras revelações do Football Leaks.
William BOURDON & Francisco TEIXEIRA DA MOTA
27.01.2020»
«Comunicado de Imprensa
Os advogados abaixo assinados declaram que o seu cliente, o Sr. Rui PINTO, assume a responsabilidade de ter entregue, no final de 2018, à Plataforma de Proteção de Denunciantes na África (PPLAAF), um disco rígido contendo todos os dados relacionados com as recentes revelações sobre a fortuna de Isabel DOS SANTOS, sua família e todos os indivíduos que podem estar envolvidos nas operações fraudulentas cometidas à custa do Estado angolano e, eventualmente, de outros países estrangeiros.
Rui PINTO procurou, assim, ajudar a entender operações complexas conduzidas com a cumplicidade de bancos e juristas que não só empobrecem o povo e o Estado de Angola, mas podem ter prejudicado seriamente os interesses de Portugal.
Rui PINTO esclarece que entregou este disco rígido, no cumprimento do que entende ser um dever de cidadania, e sem qualquer contrapartida, depois de tomar conhecimento das missões realizadas pela organização PPLAAF, permitindo que usassem os dados como entendessem.
Rui PINTO está satisfeito por ver que, graças ao intenso trabalho do consórcio de jornalistas ICIJ, todos os dados foram explorados, verificados, validados e, portanto, encabeçaram as revelações que necessariamente levarão à abertura de investigações criminais em muitos países, incluindo Portugal.
Está feita a prova de que, sem as imensas revelações de Luanda Leaks, tornadas possíveis graças ao nosso cliente, as autoridades reguladoras, policiais e judiciais nada teriam feito. Graças ao nosso cliente, os cidadãos portugueses e o mundo têm acesso à verdade de um extraordinário sistema de predação e corrupção, gravemente prejudicial para Portugal, Angola e outros países.
As decisões já tomadas pelo Banco de Portugal, PWC e outras que estão por vir demonstram a importância excepcional das revelações de Luanda Leaks. A responsabilidade das autoridades é agora agir e abrir as investigações necessárias – já abertas em Angola – e ao mesmo tempo recuperar elevadas somas de dinheiro, mas é preciso dizer que são as mesmas autoridades portuguesas que mantêm Rui Pinto na prisão há quase um ano, sob o pretexto de uma tentativa de extorsão, e que, até este momento, apenas pediram a sua colaboração com o exclusivo intuito de o autoincriminar.
O nosso cliente gostaria de lembrar que esta colaboração com o PPLAAF e o ICIJ está relacionada exclusivamente com a entrega deste disco rígido e que não prejudica a cooperação histórica que tem realizado com o consórcio European Investigative Collaborations (EIC) desde as primeiras revelações do Football Leaks.
William BOURDON & Francisco TEIXEIRA DA MOTA
27.01.2020»
segunda-feira, 27 de janeiro de 2020
Munda: da Serra da Estrela ao Atlântico
Para pensar o futuro, devemos questionar-nos
sempre sobre as razões da actualidade que conhecemos, suportada pela Natureza e
pela História.
O Rio Mondego, o Munda dos romanos e
da Idade Média, determinou Coimbra onde a conhecemos. Nasce nas faldas dos
montes hermínios e, ao contrário do seu irmão gémeo Zêzere, desce pelas
encostas viradas a Norte. O seu percurso é montanhoso e agitado até que chega
um ponto em que não tem mais obstáculos até ao mar, passando a espraiar-se por
campos onde vai deixando o que arrastou no seu caminho. Este é também o último
ponto até onde as embarcações marítimas conseguiam chegar desde os tempos
imemoriais em que os povos fenícios passavam além das portas de Hércules,
deixando o conhecido Mediterrâneo e se aventuravam pelo oceano sem fim,
procurando os minerais preciosos da costa ocidental da península que seria
Ibérica. A situação estratégica do monte aí localizado levou a que fosse
habitado desde muito cedo. Antes da ocupação romana lhe chamar Aeminium, outros
povos celtas já aí se tinham estabelecido. Depois dos romanos, foi a vez dos
chamados «bárbaros» visigodos, dos mouros e, por fim, fez parte do reino de
Portugal, de que foi a primeira capital, já como Coimbra.
É por tudo isto que o Mondego é,
para Coimbra, muito mais do que motivo para poesias e canções românticas e
mesmo de preocupações por causa das suas cheias. O rio Mondego É a razão da
existência de Coimbra. Se hoje já não é a via de circulação de bens e pessoas
como foi até aos séculos XVI/XVII em que ainda havia portos na cidade por onde
se escoavam produtos industriais como cerâmica, o rio continua a ser a ligação
natural da gente beirã que vive entre o interior serrano e o litoral atlântico.
Desde aqueles tempos é evidente que
muito mudou, e ainda bem. Coimbra já não é a única cidade universitária,
havendo diversos estabelecimentos de ensino superior espalhados pela região.
Significa isto que Coimbra deve encontrar outros atributos para se afirmar, ultrapassando
de vez a sua dependência social e económica da Universidade. A área da saúde é,
evidentemente, uma delas. Já não apenas a formação de médicos, mas também a
formação de enfermeiros e técnicos de saúde e a prestação de serviços de saúde.
Isso está a acontecer, havendo hoje em dia diversos hospitais particulares que
concorrem entre si, para além do Centro Hospitalar e Universitário que continua
a ser um farol de capacidade e qualidade dentro do Serviço Nacional de Saúde
devendo ser defendido e acarinhado por todas as instituições políticas e
sociais da Cidade para que assim continue e ultrapasse mesmo as deficiências,
que também as tem.
Mas o papel de Coimbra tem que ser
muito mais do que isso. Para ultrapassar as suas dependências crónicas, deve
construir laços sólidos com as comunidades vizinhas sendo que as que
historicamente se lhe encontram socialmente próximas são mesmo as da bacia
hidrográfica do rio Mondego. Para qualquer cidadão desta região é
incompreensível a situação de costas voltadas entre Coimbra e Figueira da Foz,
por exemplo. Não é de agora, mas ambas as cidades ganhariam se juntassem forças
para defender e promover o que lhes é comum e ainda as suas complementaridades.
Sei do que falo, porque trabalhei em cada uma delas, para além das memórias que
guardo carinhosamente das férias da meninice na Praia da Claridade ouvindo
Maria Clara a cantar a partir do altifalante na torre do relógio e apreciando o
movimento do «pátio das galinhas» depois do jantar.
Entre a Figueira e Coimbra
está Montemor-o-Velho onde, também no monte mais elevado, se ergue um dos mais
antigos e maiores castelos de Portugal, de onde é possível ver os magníficos e
ricos campos do Mondego, assim as autoridades saibam cuidar deles. Esta é,
entre outras como o turismo, uma área em que, pelo menos estes três municípios
poderiam e deveriam estabelecer laços de colaboração efectiva, a bem do futuro
dos seus cidadãos.
Mas Coimbra tem ainda muito a ganhar
com um relacionamento mais íntimo com os municípios ribeirinhos do Mondego, a
montante. A ganhar e a dar a ganhar, em colaborações mutuamente vantajosas,
desde Penacova até Oliveira do Hospital onde o Instituto Politécnico de Coimbra
até já tem um pólo com áreas de investigação pioneira e duplamente frutífera como
sobre o cultivo da maçã bravo de esmolfe.
A capacidade de Coimbra partilhar recursos, capacidades e sonhos com os
seus vizinhos históricos será, certamente, o factor de metropolização, hoje já
visível embora ainda incipiente, que definirá o seu papel nacional, no futuro.Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 27 de Janeiro de 2020
domingo, 26 de janeiro de 2020
sexta-feira, 24 de janeiro de 2020
TROTSKY
Notável a série russa da Netflix sobre a vida de Trotsky. Como fundo, a revolução russa e as questões que se colocam sobre essa realidade trágica. É possível apreciar as diferentes personalidades de Trotsky, Lenine e Estaline, as suas lutas e como Estaline acabou por ganhar e ficar como líder da URSS até morrer.
Penso que qualquer pessoa que ainda hoje seja comunista perceberá que os diferentes caminhos comunistas irão sempre desembocar numa hecatombe de que a principal vítima é sempre o próprio povo em nome de que dizem fazer a revolução. Uma verdadeira tragédia. Mas percebe-se como intelectuais com mentes frágeis e "boas intenções" se deixaram, ao longo anos, enfeitiçar por Trotsky.
Penso que qualquer pessoa que ainda hoje seja comunista perceberá que os diferentes caminhos comunistas irão sempre desembocar numa hecatombe de que a principal vítima é sempre o próprio povo em nome de que dizem fazer a revolução. Uma verdadeira tragédia. Mas percebe-se como intelectuais com mentes frágeis e "boas intenções" se deixaram, ao longo anos, enfeitiçar por Trotsky.
terça-feira, 21 de janeiro de 2020
segunda-feira, 20 de janeiro de 2020
«POESIA É MAIS SABOR QUE SABER»
Há alturas em que revisitar o
passado nos oferece, não só a possibilidade de trazer à tona factos e
personagens históricas que nos podem apontar caminhos de dignidade e progresso,
mas também relembrar como a mentira e a traição constituem parte integrante da
vida e tantas vezes elas próprias moldam o futuro.
A descrição da vida de quase todas
as figuras históricas ligadas a Coimbra chega até nós de uma forma em que o
mito impregna a realidade de uma tal forma que se diria que esta se dissolve
naquele, construindo uma figuração em que a pessoa concreta que a originou
provavelmente se reveria com dificuldade.
O Duque de Coimbra Dom Pedro foi
vítima de manipulações, mentiras e traições quer em vida, quer depois de morto,
através dos textos que os cronistas oficiais sobre ele deixaram escritos. A
exaltação do rei D. Afonso V passou, para Rui de Pina, pelo apoucamento de Dom
Pedro, na senda de Gomes Eanes de Azurara.
A manipulação histórica foi tão
profunda e tão eficaz que ainda hoje, se formos pelas nossas ruas perguntar
quem foi Dom Pedro, a probabilidade de encontrar quem saiba alguma coisa sobre
essa relevantíssima figura da nossa História, e em particular da de Coimbra, é
praticamente nula. Não há na nossa cidade um monumento, uma instituição, algo
que leve as pessoas a terem a curiosidade de se perguntar sobre quem foi. Na
toponímia há um arruamento entre a Fonte da Cheira e a Rua dos Trabalhadores.
O facto é que Coimbra ainda hoje não
se reencontrou com o Infante Dom Pedro, Duque de Coimbra. E no entanto…
Dom Pedro era filho do rei D. João I
e de D. Filipa de Lencastre pertencendo, portanto, àquela a que Camões chamou
“Ínclita geração, altos Infantes". Na sequência da tomada de Ceuta, em 1415, foi um
dos dois primeiros Duques portugueses, ele de Coimbra, e o irmão Dom Henrique,
de Viseu.
Na
infância, esteve na corte de Inglaterra onde aprendeu línguas, mas também tomou
conhecimento de outros viveres e adquiriu uma cultura excepcional para um jovem
português da época. Depois viajou pela Europa, tendo ficado conhecido como o
«Príncipe das Sete Partidas». Ao seu irmão mais velho Dom Duarte que seria Rei,
enviou em 1427 aquela que ficaria conhecida como «Carta de Bruges», com
conselhos para a futura governação. Entre outras coisas, nela propunha que na
Universidade de Lisboa fossem instituídos colégios à imitação dos de Oxford e
de Paris, reconhecendo que os clérigos portugueses tinham uma instrução muito
deficiente. Dava ainda conta a seu irmão do atraso português relativamente aos
países mais evoluídos da Europa.
Enquanto
foi regente do reino, após o falecimento de D. Duarte e até à maioridade de D.
Afonso V, Dom Pedro promoveu a compilação das leis do Reino no que ficaria
conhecido como «Ordenações Afonsinas», um verdadeiro código em cinco volumes,
regulando a vida dos súbditos portugueses.
Com base
no tratado de Séneca «De Beneficiis», Dom Pedro foi autor, a partir de certa
altura com o seu padre confessor Frei João Verba, do livro “Da Virtuosa
Benfeitoria” que muitos consideram ser o primeiro tratado de filosofia e
política moral escrito em língua portuguesa. Dedicado a seu irmão D. Duarte e
escrito por insistência deste, nele se dão indicações sobre a melhor conduta de
um príncipe. No «Tratado da Virtuosa Benfeitoria» se distinguem os
vários tipos de benefícios, como devem ser requeridos, como devem ser
recebidos, as formas de agradecimento e como pode ser destruída a relação entre
o autor e os destinatários dos benefícios.
Dom Pedro concebeu o projecto de uma
universidade em Coimbra, sede do seu Ducado, tendo mesmo estabelecido os processos
para o seu estabelecimento e financiamento, ideia abandonada após a sua morte.
Sobre a personagem fascinante de Dom
Pedro que foi o primeiro Duque de Coimbra, príncipe da Idade Média com uma
sensibilidade que lhe permitia afirmar que «POESIA É MAIS SABOR QUE SABER» e
que morreu de forma traiçoeira e trágica na chamada batalha de Alfarrobeira em 20
de Maio de1448, aqui ficam apenas alguns apontamentos. São mais do que
suficientes para mostrar o Príncipe das Sete Partidas como uma figura cimeira
das mais cimeiras da História da Cultura da nossa Cidade.
Como de Coimbra, que se quer
candidata a Capital Europeia da Cultura, continua a ser difícil extrair algo
sobre o seu primeiro Duque, aqui se cita o PRANTO PELO INFANTE D. PEDRO DAS
SETE PARTIDAS de Sophia de Mello Breyner Andersen:
Nunca choraremos
bastante nem com pranto
assaz amargo e forte
aquele que fundou glória e grandeza
e recebeu em paga insulto e morte
assaz amargo e forte
aquele que fundou glória e grandeza
e recebeu em paga insulto e morte
domingo, 19 de janeiro de 2020
segunda-feira, 13 de janeiro de 2020
A EPIFANIA DA ESQUERDA
Numa reunião de apresentação da
proposta governamental do Orçamento Geral de Estado para 2020 ao partido
Socialista, o ministro das Finanças Mário Centeno garantiu, por mais de uma
vez, ser este OGE de esquerda. Ao contrário de muita gente, à direita e mesmo
na comunicação social, eu dou toda a razão ao ministro das Finanças nesta sua
observação.
As «contas certas», como agora o
Primeiro-ministro não se cansa de dizer, são fundamentais para o funcionamento
da economia e, essencialmente, para o pagamento da dívida pública que cresce
nominalmente de cada vez que o Estado tem défice. Para a esquerda, trata-se de
uma verdadeira descoberta e só podemos ficar satisfeitos com isso, já que deixa
de ser apenas a direita a defender as «contas certas», passando as mesmas a ser
uma base comum, o que só pode ser saudado pela própria direita ao ver a
esquerda juntar-se a ela neste seu novo entendimento. Para não ir mais longe,
todos nós nos recordamos de José Sócrates, ainda há poucos anos, defender que
«a dívida pública não é para se pagar, é para se ir gerindo». Um proeminente
político socialista, hoje ministro, chegou mesmo a declarar que «basta
ameaçarmos não pagar, que as pernas dos banqueiros alemães até se lhes tremem».
E atribui-se a outro político socialista, que foi presidente da República, a
afirmação de que «há mais vida para além do défice», em que se resumia uma
posição política de toda a esquerda naquela matéria que seria, precisamente, a
que estabelecia a maior clivagem ideológica entre esquerda e direita portuguesas.
Não será preciso mais para concluir que houve, portanto, uma alteração radical
da posição da esquerda portuguesa sobre o significado do défice e da dívida
pública. As razões profundas desta mudança crucial serão, eventualmente,
conhecidas um dia, mas não deverão andar longe da imposição da realidade sobre
a fantasia, muito pela participação na União Europeia e, em particular, pelas
ambições de alguns políticos socialistas.
Digo epifania da esquerda, e não
apenas do partido Socialista, por boas razões. Bem poderão o PCP e o BE soltar
uns resmungos (chamam-lhes avisos) sobre a falta que os dinheiros para pagar a
dívida fazem na falta de investimento público e na degradação da prestação dos
serviços públicos, de cujo estado os portugueses começam, finalmente, a
aperceber-se. Na realidade, andaram quatro anos a aprovar OGE’s cuja principal
característica era precisamente fazer aproximar o défice de zero, a todo o
custo. E no OGE para 2020 não deverá ser diferente, ainda que por abstenção, já
que o objectivo será o mesmo: conseguir que o Orçamento seja aprovado.
Eis-nos, portanto, chegados,
finalmente, ao primeiro OGE, depois do 25 de Abril, em que não se discute a
necessidade de «contas certas». Demorou, mas chegámos. A partir daqui, já não
se discutirá o défice zero ou mesmo excedente, mas partir-se-á desse ponto para
depois se discutir o resto. E o resto são a qualidade da despesa pública e o
montante e justiça dos impostos, isto é, a receita. Aqui, sim, entram as
diferentes propostas da direita e da esquerda.
É nesta perspectiva que,
pessoalmente, defendo que o ministro das Finanças tem toda a razão em
considerar o OGE para 2020 como sendo de esquerda. A carga fiscal é altíssima,
talvez a maior de sempre, já não se devendo tal apenas aos impostos indirectos
que, como todos sabemos, são os socialmente mais injustos, mas também à subida
do próprio IRS para as famílias. Bem pode a esquerda argumentar que não somos o
país europeu com a carga fiscal mais elevada, porque o que as famílias sentem é
a «pressão fiscal» que relaciona os impostos com o nível salarial e, aí, somos
mesmo dos piores. Como é bem conhecido, se há matéria em que direitas e
esquerdas divergem é precisamente nos impostos, com a direita a propor a sua
diminuição e a esquerda a usar todos os argumentos para os manter ou aumentar.
A outra diferença histórica entre direita e esquerda reside na despesa. À
defesa pela direita da reestruturação do Estado para a reduzir, as tais
reformas estruturais, a esquerda tem respondido sistematicamente que está a
defender o «estado social». Também aqui o OGE 2020 é bem de esquerda.
Tal como na questão do défice e da necessidade de diminuição da dívida a
esquerda se juntou à direita, resta aguardar que o faça noutras matérias
essenciais para que o crescimento efectivo e sustentável de Portugal se torne
numa realidade. Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 13 de Janeiro de 2019
quarta-feira, 8 de janeiro de 2020
segunda-feira, 6 de janeiro de 2020
E TUDO O RIO LEVOU
Uma conversa que ouvi na rua na
semana passada levou-me a escrever sobre o sucedido no baixo-Mondego, em
consequência da passagem da tempestade Elsa nos dias 19 e 20 do passado mês de
Dezembro. Nessa conversa aludia-se a que «quando se vai contra a Natureza, ela
viga-se sempre». Trata-se de uma consideração que se ouve entre nós com
frequência e que reflecte algum pessimismo crónico mas, sobretudo, uma aceitação
de inevitabilidade de derrota do Homem perante a Natureza, com a consequência
imediata de desculpabilizar eventuais responsabilidades. Esquece-se que toda e
qualquer obra de Engenharia desafia a Natureza, ao criar ambientes artificiais
que permitem ao Homem não só proteger-se de ambientes naturais agressivos, mas
igualmente desenvolver tecnologias que permitem fabricar dispositivos para
ultrapassar as leis naturais limitativas como a gravidade. As cidades, as
estradas, as barragens, mas também os aviões, os automóveis, os telemóveis ou a
internet são a prova diária disso mesmo, tal como o foi a ida do Homem à Lua.
Claro que, daqui a uns 5 mil milhões de anos o Sol, a estrela que nos fornece a
energia para existirmos, entrará em processo de expansão e posterior redução
drástica até se tornar numa inofensiva anã branca. A vida na Terra terá
terminado há muito com o aumento extremo da temperatura e o nosso planeta
provavelmente vagueará morto pelo espaço. Mas isto é a uma escala de tempo que
não nos diz nada a nós que aqui vivemos, hoje.
O chamado «empreendimento do
Baixo Mondego» é uma obra pensada precisamente para defender os terrenos
agrícolas dessa área contra as cheias do rio que, periodicamente, destruíam
tudo com grandes prejuízos. É uma obra projectada e construída nos anos 70 e
80, constituída por diversas grandes obras hidráulicas: as barragens da
Aguieira, Fronhas e Raiva e os diques de contenção do Baixo-Mondego. Também o
Açude-Ponte fez parte desta obra enorme, criando um lençol de água permanente
em Coimbra.
Curiosamente, embora poucos conimbricenses o saibam, dele sai um
canal dedicado apenas a fornecer água às celuloses da Figueira da Foz que,
aliás, não permite que a cota de água desça abaixo de determinado valor. O
projecto do «empreendimento do Baixo Mondego», contudo, não foi executado na
sua totalidade. Por construir ficou a barragem de Girabolhos, necessária para o
controlo das cheias. A sua construção foi iniciada mas, em 2016, o anterior
governo decidiu pará-la e suspender o Plano de Barragens do governo Passos
Coelho. Uma obra desta dimensão e com estas características necessita de duas
coisas; manutenção e adaptação. A necessidade da manutenção é óbvia mas, como é
tantas vezes habitual entre nós, não tem praticamente existido, não havendo
sequer uma entidade específica com essa finalidade. Por exemplo, das seis
bombas de extracção de água previstas, apenas uma funciona e os sifões de
escoamento encontram-se sistematicamente entupidos com vegetação. Já a
necessidade de adaptação deve-se a vários factores: as alterações climáticas
que provocam regimes de chuva muito diferentes dos que se verificavam quando o
projecto foi elaborado e que são agora mais gravosos com grandes picos de chuva
intensa e períodos mais longos de estiagem; o número elevado de incêndios na
área altera também gravosamente as condições hidrológicas, ajudando a aumentar
as cargas no sistema.
E vieram os dois dias de chuva
muito intensa na bacia hidrográfica do Mondego que provocaram caudais no
Açude-Ponte, dizem-nos que de 2.400 m3 por segundo, quando o projecto previa um
máximo de 2.000.
O inevitável sucedeu: as águas do
Mondego tudo levaram na frente. Os diques do canal ficaram danificados a
juzante do Açude-Ponte, logo a partir do Choupal e rebentaram mesmo em dois
locais, provocando a invasão dos terrenos agrícolas pelas águas, com prejuízos
económicos que ainda ninguém sabe contabilizar. Boa parte das areias retiradas
do rio no último ano e que foram depositadas a juzante do Açude-Ponte pela
Câmara Municipal de Coimbra sob indicação impositiva da (in?)competência
técnica da Agência Portuguesa do Ambiente foi também levada pela águas,
espalhando-se pelos terrenos agrícolas, ajudando aos prejuízos.
Mas houve algo mais levado pelas
águas: a credibilidade de governantes e instituições. Desde logo a
credibilidade do ministro do Ambiente que, perante o sucedido, não encontrou
nada mais oportuno do que afirmar que as aldeias têm que mudar de local.
Depois, o governo da «geringonça» que suspendeu a construção da barragem de
Girabolhos; uma das suas personalidades mais representativas, quando a
necessidade de acumular água para os verões secos é premente, chegou a afirmar
que as barragens têm um problema, «a água evapora-se»! Apetece citar o meu
colega e Prof. Catedrático de Hidráulica Alfeu Sá Marques que costuma dizer que
«até os camelos sabem que, para atravessar o deserto, é preciso levar uma
reserva de água». Por fim, todos os governos que, desde os anos oitenta, se
mostraram incapazes de completar a obra e, em particular, de constituir uma
entidade responsável pela exploração deste importante dispositivo económico da
região.
Texto publicado originalmente no Diário de Coimbra em 6 de Janeiro de 2020
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