segunda-feira, 25 de maio de 2020

PRESIDENCIAIS à portuguesa


Uma visita a uma fábrica de automóveis constitui o cenário mais improvável para se fazer um anúncio de apoio a uma recandidatura presidencial. Mas foi o que aconteceu em Portugal, neste ano da (pouca) graça de 2020.
Não é que a recandidatura do actual presidente da República não fosse algo de que praticamente todo o país tivesse a certeza a começar pelo próprio, correndo-lhe o actual mandato como correu. Recordo que, no Verão de 2015, numa conferência de Marcelo em Coimbra, lhe perguntei se confirmava a intenção de se candidatar às presidenciais de Janeiro de 2016, ao que me respondeu com a sua ironia que era algo em que ainda não tinha pensado até então, mas que ia pensar nisso, provocando uma gargalhada geral na sala.
Eventualmente, o momento e o local para a indicação da decisão não terão sido propriamente do agrado do Presidente Marcelo, mas também não foram da sua escolha e, às vezes, não se pode fugir às circunstâncias. O «affaire» Centeno foi uma situação muito desagradável para o primeiro-ministro que, perante uma situação penosa que o colocava em cheque perante o país, viu Marcelo dar-lhe a mão, enquanto abandonava politicamente o ministro das Finanças. Foi assim possível ver um Costa todo prazenteiro dizer a Marcelo que contava voltar a encontrar-se de novo com ele como Presidente no mesmo local, numa altura que será depois das presidenciais. Como lhe costuma acontecer jogou bem e, no que lhe diz respeito quanto às presidenciais e como se diz no casino, «les jeux sont faits».
Claro que esta nova situação tem consequências. À esquerda do PS deverão aparecer candidaturas às presidenciais, como é tradição. Quanto ao PCP, apresentou sempre os seus próprios candidatos presidenciais, pelo que decerto fará o mesmo desta vez. O Bloco de Esquerda desejará fazer o mesmo, havendo mesmo quem adiante a recandidatura da conimbricense Marisa Matias que nas anteriores presidenciais obteve um honroso 3º lugar com 10,12% dos votos, deixando muito para trás o candidato do PCP Edgar Silva que se ficou por uns míseros 3,95%.
O anúncio do apoio de Costa a Marcelo deixou sem respiração uma boa parte do PS que muito dificilmente apoiará o actual presidente. Contudo, e muito convenientemente, o Congresso socialista foi postergado para depois das eleições presidenciais, pelo que as discussões internas se ficarão a um nível mais privado e, eventualmente, mais controlado pela direcção do partido. Espera-se, no entanto, que Ana Gomes ou outra personalidade semelhante capaz de surfar a onda do populismo «anti sistema» à esquerda se veja alvo de pressões no sentido de uma candidatura independente da área socialista, podendo mesmo avançar como Manuel Alegre já fez no passado. 
Recorda-se que em 2006 Manuel Alegre obteve quase 21% contra o vencedor Cavaco Silva (50,54%), tendo Mário Soares, que era o candidato oficial do PS, obtido apenas 14%. Ana Gomes poderá fazer melhor, caso o BE não apresente candidatura própria.
À direita, de forma algo surpreendente estabeleceu-se a confusão, como que a querer provar ser mesmo «a direita mais estúpida do mundo», lançando nomes cada um mais implausível que o anterior. É certo que o Presidente Marcelo não corporizou oposição aos governos Costa, desde 2016, havendo mesmo muitos momentos em que se pode legitimamente considerar que foi a mão mais ou menos visível que os segurou. Mas alguém minimamente atento à coisa pública pode afirmar que os partidos tradicionais à direita do PS têm exercido oposição forte e susceptível de afirmar uma clara alternativa política, desde a saída de Passos Coelho da liderança do PSD? Será que estariam à espera que o presidente da República fizesse esse trabalho por eles? Mais uma vez o PSD vai chegar atrasado a uma tomada de posição importante, quando já poderia e deveria ter publicamente afirmado que o seu antigo líder Marcelo é o candidato que, sem quaisquer dúvidas, irá apoiar de novo. André Ventura tentará levar o voto de uma direita também «fora do sistema» para o seu nacionalismo populista, mas o resultado deverá surpreender pela sua irrelevância política.
Claro que Marcelo Rebelo de Sousa pode ter sido irritante para a direita pela forma como se relacionou com o Governo neste mandato, mas é evidente que veio dessa área política. Direita que, em vez de saudar grande parte da esquerda por reconhecer que o seu antigo candidato Marcelo teve um bom mandato como Presidente a ponto de lhe dar agora o seu apoio, mais parece andar perdida e ciumenta por causa desse apoio.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 25 de Maio de 2020

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