terça-feira, 27 de outubro de 2020

 Este é o Editorial do jornal Público de hoje, que reflecte a posição do jornal. Não é um artigo de opinião da jornalista. Veja-se a "independência" do jornal em todo o texto e com a utilização do termo «infelizmente» relativamente à não subida eleitoral do PCP. E a "Modelo Continente" a pagar isto. Ainda um dia hei-de perceber porquê, embora a quase não existência de problemas laborais na SONAE possa dar uma ideia. Sobre a hipocrisia e funcionamento do PCP e da Intersindical.




segunda-feira, 26 de outubro de 2020

Mulheres reais na Idade Média

 


Não sendo historiador, cada vez me espanto mais com os mitos que se foram criando sobre a História, umas vezes criados para glorificar determinadas personagens em desfavor de outras, outras apenas para criar uma base de explicação histórica para a narrativa que interessa ao regime de um determinado momento histórico.

Desde a Escola Primária que ouço falar na Idade Média como uma «idade das trevas» que se seguiu ao desaparecimento do antigo Império Romano às mãos dos invasores denominados Bárbaros. Esta designação, só por si, leva-nos ao engano, porque era assim que os Romanos designavam todos os povos exteriores ao seu Império, quando entre nós, hoje em dia é um adjectivo que qualifica quem pratica crueldades ou manifesta falta de civilização. Contudo, como Umberto Eco nos mostra na obra «Idade Média – Bárbaros, Cristãos e Muçulmanos» por si organizada, essa designação está longe de corresponder ao que historicamente se passou na Europa, e não só.

Um dos aspectos mais vincados da Idade Média como idade das trevas é certamente o papel supostamente subalterno das mulheres nas sociedades desses tempos. É por isso, pelo menos surpreendente, descobrir como há muitos exemplos em que esse papel não corresponde minimamente à realidade.

Em 1122 nasceu em Poitiers Leonor filha do duque Guilherme X da Aquitânia e de Leonor de Châtellerault. Sendo nesse tempo Poitiers um centro cultural importante, a jovem Leonor aprendeu a andar a cavalo e a jogar xadrez, mas também estudou latim, aritmética e música. Aos 15 anos, já duquesa da Aquitânia, casou com o filho do rei de França que, pouco depois se tornaria Luís VII pela
morte do pai. Ao passar para a corte de França nunca permitiu que o ducado da Aquitânia fosse integrado no reino que era do seu marido. E modificou por completo os hábitos dessa corte sombria e rígida, levando para lá usos da corte de Poitiers na alimentação, no modo de vestir e na Cultura, recebendo trovadores e organizando jogos e torneios. Tendo acompanhado o marido ao Oriente na segunda cruzada entre 1147 e 1149, as difíceis relações do casal atingiram um ponto de ruptura e Leonor acabou por se relacionar com Henrique Plantageneta. Para grande escândalo de muitos, Leonor exigiu e obteve do Papa a anulação do seu casamento com Luís VII, com o qual tinha duas filhas, alegando consanguinidade. Poucas semanas depois do divórcio, Leonor casou-se com Henrique, filho do duque da Normandia e de Matilde, filha e herdeira do rei Henrique I de Inglaterra. Foi assim que, em 1154 Leonor se tornou rainha de Inglaterra com o seu marido Rei Henrique II, vindo o casal a ter oito filhos, cinco rapazes e três raparigas. Entre os seus filhos contam-se Ricardo Coração de Leão e João Sem Terra. Depois de lutas com seu marido ao lado seus filhos, esteve presa durante 16 anos mas, depois disso, teve ainda uma actividade política extraordinária apesar da idade, incluindo organizar um exército e ir a Viena libertar o seu filho Ricardo, prisioneiro do duque de Áustria.


Por volta de 1080 nasceu Tareja filha de Afonso VI rei de Leão e Castela e de Ximena Moniz, considerada filha bastarda e meia-irmã de Urraca filha da rainha Constança. Viriam ambas a casar com nobres vindos de França, Urraca com Raimundo, filho do conde da Borgonha e Tareja ou, como hoje diz Teresa, com Henrique. O conde D. Henrique era bisneto de Roberto II, rei de França. O que é facto é que Teresa, senhora de uma personalidade fortíssima, nunca deixou que a considerassem de algum modo inferior a sua irmã, exigindo mesmo que, a partir de certa altura, a tratassem por rainha. Pelo casamento com Henrique, Afonso VI entregou-lhes o governo das terras entre os rios Minho e Tejo, o Condado Portucalense. Ao morrer em 1112 o conde D. Henrique deixa Teresa com quatro filhos: D. Afonso Henriques nascido em 1109 e com apenas 3 anos de idade e as suas irmãs Urraca, Teresa e Sancha. Exerceu a regência de forma vincada, nunca perdendo de vista o objectivo de fortalecer o Condado e de o expandir territorialmente. Anos depois de ficar viúva, casou com o poderoso nobre galego Fernão Pérez de Trava, assim apoiando os que defendiam a união da Galiza com Portugal. A facção contrária veio a obter a concordância do Infante Afonso Henriques que defrontou e derrotou a Mãe e os seus apoiantes em S. Mamede em Junho de 1128. A partir daí estabeleceu-se a História de Portugal, separada da da Galiza, pertencendo à especulação o que teria acontecido se Galiza e Portugal se tivessem unido. O que é certo é que D. Teresa foi uma personalidade histórica com uma afirmação surpreendente para a época, sob os pontos de vista pessoal e político.

Não pode ser mera coincidência o facto de duas mulheres do mesmo período histórico há quase mil anos, em locais europeus tão distantes, se terem afirmado com tal força, capacidade pessoal e determinação. Prova de que a Idade Média bem merece ser estudada com um olhar bem diferente daquele que a apelida de «idade das trevas».

 Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 26 de Outubro de 2020

Jacques Offenbach - Barcarolle from The Tales of Hoffmann, Belle nuit, ô...

Jacques Offenbach - Barcarolle from The Tales of Hoffmann, Belle nuit, ô...

quarta-feira, 21 de outubro de 2020

TRICANA

 

Homenagem à mulher tricana no Quebra-Costas, em Coimbra.

COLAPSO DO SNS?

 Em Portugal, desde Março até hoje terão morrido 2.018 pessoas por ou com COVID. Contudo, o excesso de óbitos no país relativamente aos anos anteriores é de 7.477. A diferença entre estes dois números é impossível de esconder, por mais especialista em manipulação de números que a ministra da Saúde seja. Se não significa um colapso do SNS, não andará lá longe.

Para melhor compreensão do fenómenos, aqui fica um gráfico elucidativo.




segunda-feira, 19 de outubro de 2020

mozart le nozze de figaro; overture berliner phil ¬claudio abbado

A verdade na mentira

 


Todos teremos guardada, algures no cérebro, a memória de uma mentira dita por nós ainda enquanto crianças, na sequência de fazermos algo que não queríamos que se soubesse que tinha sido da nossa autoria. Algo sem qualquer importância, nem consequência de maior para ninguém. Importância teve, e grande, a reacção do responsável adulto perante a descoberta da mentira, quer fosse em ambiente familiar ou escolar. É muito provável que essa reacção tenha determinado a nossa relação pessoal com a mentira, pela vida fora. A pura rejeição para a vida ou a aceitação e prática de mentiras pequenas que aplanam o caminho para as grandes poderá ter aí o seu início.

Não se pense que se trata de uma questão menor das nossas vidas. Grandes filósofos e pensadores lhe dedicaram o seu tempo e escrita, havendo historicamente duas escolas sobre o assunto. Em primeiro lugar, porque as palavras têm muitas vezes significados diferentes em função de quem as lê ou as ouve, será conveniente definir o significado da palavra “mentira”. Indo aos dicionários é fácil descobrir que «uma mentira é a afirmação deliberada de uma falsidade com o objectivo de enganar ou iludir um público». Assim sendo, ficam fora da mentira aquelas situações em que se diz uma falsidade inadvertidamente, ou se diz uma falsidade sem saber que quem a ouve irá interpretar como verdadeiro algo que de facto não o é.

Da escola dos que rejeitam a mentira em absoluto, fazem parte Santo Agostinho e Kant, que a consideram uma prática imoral. Santo Agostinho escreveu mesmo dois tratados em que desenvolve a análise da mentira e justifica a sua posição de total rejeição, como posição cristã. Mais simplesmente, Kant defendeu que os indivíduos não têm o direito de mentir. Noutra perspectiva colocam-se outros pensadores que consideram aceitáveis certas mentiras, em função do contexto. Se para Benjamim Constant «devemos dizer a verdade quando o ouvinte tiver direito a ela», já Schopenhauer acreditava que «temos o direito de mentir em determinadas condições». Como se vê, seria o próprio agente que definiria a validação da possibilidade de mentir. Para complicar ainda mais a questão, Oscar Wilde afirmava que a verdade raramente é pura e nunca simples.

Para se perceber mais facilmente as duas posições limite, posso citar o caso de alguém a quem é descoberta uma doença fatal e fulminante. Deverá ser-lhe dada informação completa de imediato? Ou será aceitável, ou mesmo preferível, uma mentira dita piedosa e poupar-lhe o sofrimento mental até ao fim da sua curta vida?

De propósito, o título desta crónica leva a preposição “em” em vez da proposição “de” que vemos utilizada tantas vezes. O filme “True Lies” teve em português o nome “”A Verdade da Mentira”. Um livro que surgiu há alguns anos sobre o desaparecimento da pequena Maddie tem também o título “A Verdade da Mentira”. Um filme muito recente utiliza a mesma expressão: “Mr. Jones – A Verdade da Mentira” sobre, como diz o resumo publicado do filme, «a história nunca contada do jovem Gareth Jones, um ambicioso jornalista galês que viaja até à URSS em 1933, revelando a verdade escondida por detrás da “utopia” soviética e do regime estalinista que inspirou a famosa alegoria de George Orwell – O Triunfo dos Porcos».

A utilização, tão espalhada, da preposição “de” sugere que a própria narrativa sobre uma falsidade se constitui como “A Mentira”. Diferentemente, ao utilizar a preposição “em” pretendo significar que a mentira transporta em si mesma a verdade. Os destinatários da mensagem mentirosa têm a possibilidade, diria mesmo o dever, de detectar a mentira como tal, denunciando-a. Como o que se passa no espaço público em que as mensagens são submergidas numa onda definida pela comunicação pública dos diversos agentes políticos. Não se trata de um fenómeno exclusivo dos dias de hoje, sempre aconteceu, mas a grande e imediata difusão proporcionada pela internet facilita a emissão e circulação praticamente global das chamadas “fake news” que, como diz o jornalista Carlos Magno se deveriam mais apropriadamente chamar “oax news” por serem puras farsas. A questão que se pode colocar é se, muitas vezes, alguém quer mesmo ver a verdade que se esconde na mentira.

A comunicação começa e acaba nas pessoas, pelo que é em todas e em cada uma delas que a mentira e a verdade se organizam e definem o seu carácter essencial. Por isso mesmo, termino esta crónica com uma citação de “Os Irmãos Karamázov” de Fiódor Dostoiévski:

«O principal é não mentir para si mesmo. Quem mente para si mesmo e dá ouvidos à própria mentira chega a um ponto em que não distingue nenhuma verdade nem em si, nem nos outros e, portanto, passa a desrespeitar a si mesmo e aos demais. Sem respeitar ninguém, deixa de amar e, sem ter amor, para se ocupar e se distrair entrega-se a paixões e a prazeres grosseiros e acaba na total bestialidade em seus vícios, e tudo isso movido pela contínua mentira para os outros e para si mesmo.»
 
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 19 de Outubro de 2020

Maria Callas, Norma - Casta Diva - Bellini

BOAS NOTÍCIAS: A POBREZA VAI ACABAR EM PORTUGAL

 Há poucos dias houve um «dia da erradicação da pobreza». E o que fez o Governo português? Criou uma Comissão com esse fim. Parabéns. Está feito. Num dia destes criam a comissão de extinção da comissão para erradicar a pobreza. Valente Portugal. Não aprendemos mesmo.

sexta-feira, 16 de outubro de 2020

A TAP É DO POVO

 


 

O ministro disse que agora a TAP é do povo, depois de correr com os accionistas privados (ainda está para se saber quanto é que lhes pagou, na verdade).

Devo dizer que acho muito caricato um ministro armado em gestor de carreiras aéreas, de que obviamente não percebe nada, em plena Comissão da Assembleia da República. Ainda por cima quando faz afirmações sobre determinadas carreiras que depois tem que explicar ou mesmo corrigir em comunicado oficial quando um Presidente da Câmara o coloca no sítio, isto é, no ridículo.

Mas mais impressionante ainda é que dantes, a TAP tinha que proteger os empregos dos seus funcionários. Agora que é do povo despede às centenas ou milhares e nem um piu das centrais sindicais ou dos partidos de esquerda. Maior demonstração de hipocrisia será difícil.

Pacheco-Torgal: Engenharia Civil___O inconseguimento do curso da Universidade de Coimbra

Pacheco-Torgal: Engenharia Civil___O inconseguimento do curso da U...: https://pacheco-torgal.blogspot.com/2020/09/acesso-ao-ensino-superiorengenharia.html Depois dos muitos promissores resultados da primeira ...

ELECTRICIDADE, HIDROGÉNIO E NÃO SÓ

 O Prof. Clemente Pedro Nunes ajuda aqui a perceber como é que a electricidade em Portugal é um custo de contexto que puxa a economia para baixo não a deixando atingir os níveis dos outros países europeus e afecta a saúde de milhões de portugueses que não podem aquecer convenientemente as casas . Isto enquanto algumas empresas têm lucros fabulosos dados pelo Estado, à nossa custa. E agora querem os mesmos fazer algo idêntico com o hidrogénio.

Do Diário de Coimbra de hoje.

 

quinta-feira, 15 de outubro de 2020

Stayaway Covid

 Até parece que o novo problema magno de Portugal passou a ser a obrigatoriedade da utilização da aplicação Stayaway Covid.

Sucede que, apesar de todos os apelos de Costa argumentando que era um meio fundamental para combater a epidemia, aquilo não serve para nada. 

Já há mais de 1,5 milhões de telefones com a aplicação. Mas como dos mais de 90.000 infectados apenas uma escassa centena deles têm essa informação carregada na aplicação, o resultado é praticamente nulo.

Perante o bruaaa que para aí vai provocado pela intenção de tornar a aplicação obrigatória por lei, já se fala em levar a questão ao Constitucional. Uma boa oportunidade para desviar as atenções dos portugueses do que é verdadeiramente importante, que é a notória incapacidade do SNS de lidar com a pandemia em simultâneo com as questões normais de saúde.

 

 

SOCRATICES

O arguido Lalanda  veio acusar o Super-Juiz por ter tido um professor primário que era seu tio-avô que, ainda por cima,  lhe terá oferecido uma gramática aos 10 anos.

 Um dia vai-se descobrir que descendemos todos do Afonso Henriques, pelo que só poderemos ser julgados na Finlândia!

 

ABANÕES

António Costa: “Senti que era preciso haver um abanão”

 

Eu sei bem quem é que precisa de ser abanado.  

TRÊS ANOS DEPOIS

 Passam hoje três anos sobre os terríveis incêndios nas Beiras que destruíram grande parte dos matos e florestas da região das Beiras a que alguns resolveram chamar Centro, retirando-lhe a sua personalidade histórica. De caminho, o incêndio levou 50 vidas, provocou ainda mais feridos e destruiu umas mil e quinhentas casas e centenas de empresas.

Depois de todas as juras de governantes aos mais diversos níveis, salta aos olhos de quem passa nas estradas da região o aspecto desolador destes montes e vales.

Ao menos, recordemos os que faleceram e manifestemos a nossa solidariedade para com os que ainda sofrem com o que ocorreu.


 

 


quarta-feira, 14 de outubro de 2020

O que faz falta

 O que falta no OGE. Verba para oferecer um exemplar deste livro a todos os governantes, a começar no Presidente da República e no Primeiro Ministro.



Recorde

 Ontem este blogue teve um recorde de visitas: 1113




terça-feira, 13 de outubro de 2020

FRA - Revista da Associação dos Antigos Estudantes de Coimbra Set 2020

 

Veja a revista inteira aqui:

https://mail.google.com/mail/u/0?ui=2&ik=ad5510217c&attid=0.1&permmsgid=msg-f:1680346327606099225&th=1751ca150497fd19&view=att&disp=safe&realattid=f_kg6gmcn60

 

O meu artigo neste número:

Tempus fugit

Histórias de relógios

O relógio é um dos instrumentos mais banais do nosso dia-a-dia tendo hoje, com a tecnologia electrónica, uma precisão que está muito para além das nossas necessidades correntes, embora essencial para muitos dos equipamentos modernos como computadores, telemóveis, microscópios electrónicos, leitores de CD e muitos mais. Contudo, existe um mundo mais restrito de relojoaria, que utiliza ainda hoje uma capacidade mecânica de elevada complexidade e precisão que é uma demonstração de engenhosidade humana que ultrapassa o facilmente imaginável.

A capacidade de medição do tempo foi um dos conhecimentos científicos mais importantes e significativos da História da Humanidade que, desde tempos imemoriais, se voltou para o céu na tentativa de encontrar parâmetros que lhe permitisse organizar a sua vida, principalmente quando começou a praticar a agricultura. Se a passagem dos dias sempre pareceu algo de automático e de fácil previsibilidade, já as estações do ano tão importantes para determinar as sementeiras e colheitas eram muito mais difíceis de prever com alguma exactidão.

Sabemos hoje que a duração dos nossos dias é calculada em função da translação da Terra à volta do Sol, que demora 365,242199 dias a fazer-se.

O calendário gregoriano introduzido pelo papa Gregório XIII em 1582 veio substituir o calendário definido por Júlio César e Cleópatra que, por partir de uma duração do ano de 365,25 dias levava já no século XVI um erro de 10 dias inteiros. A adopção dos anos bissextos veio corrigir este erro.

Mas a astronomia é muito mais complicada. Na realidade, a precessão dos equinócios devida ao facto de a Terra girar em torno do seu eixo como um pião leva a que o ano sideral medido em relação às estrelas dure ainda mais 20 minutos e 24 segundos. Só este pormenor deita por terra toda a “capacidade científica” da Maya e demais astrólogos.

Mais interessante ainda é o facto de o dia definido em cima ser o “dia médio”, porque os dias não têm todos a mesma duração. Como a Terra, na sua translação à volta do Sol, segue uma elipse imperfeita, a duração real dos dias varia entre 23 horas 44 minutos em 3 de Novembro e 24 horas e 14 minutos em 11 de Fevereiro, havendo quatro dias por ano com uma duração igual à duração média. A diferença entre estas duas durações chama-se “equação do tempo” e, pasme-se, existem relógios mecânicos de pulso capazes de resolver a equação do tempo no mostrador.

No mundo dos relógios mecânicos existe uma área chamada das «complicações mecânicas» e, no seu topo encontra-se o TURBILHÃO. Esta tecnologia foi inventada em 1801 pela casa BREGUET, num tempo em que os relógios ainda eram fixos, estando permanentemente na posição vertical, portanto sujeitos a que a gravidade terrestre afectasse o movimento do "escape", introduzindo variações indesejáveis com influência negativa na precisão da máquina. O TURBILHÃO consiste numa cápsula móvel que contém o "escape" e o "balanço" que assim rodam em conjunto, efectuando normalmente uma rotação completa em cada minuto, compensando assim as variações. Hoje em dia, os relógios andam nos nossos pulsos, mudando constantemente de posição, pelo que o turbilhão não seria necessário para compensar a gravidade, sendo uma curiosidade e, acima de tudo, um desafio para os construtores. O turbilhão aparece normalmente colocado às 12 horas ou às seis horas, havendo modelos, com o turbilhão no centro dos ponteiros, o que dá aos relógios um aspecto perturbador, pela quase magia do movimento perceptível aos nossos olhos. Há mesmo fabricantes que desenvolveram modelos com um turbilhão esférico, que roda sobre dois eixos, parecendo flutuar livremente no espaço de uma forma absolutamente extraordinária. A micro-engenharia mecânica necessária para fabricar estes dispositivos destinados a trabalhar dentro do reduzido espaço de um relógio de pulso é uma das façanhas mais impressionantes da capacidade inventiva do Homem. O efeito do turbilhão a rodar perante os nossos olhos tem, no entanto, um efeito quase mágico, pelo que as grandes marcas (muito poucas têm a capacidade técnica para produzir esta maravilha de miniaturização) apresentam modelos muito exclusivos, e dispendiosos, com esta função.

Existe uma confusão muito vulgarizada, mesmo entre quem aprecia bons relógios mecânicos. Trata-se de saber a diferença entre cronógrafo e cronómetro. Um cronómetro é actualmente um relógio mecânico que atinge um determinado patamar de precisão, que lhe permite obter um certificado específico passado pelo CSCO (Contrôle Officiel Suisse des Chronomètres) após a realização com sucesso de uma série bem definida de testes. A necessidade desta precisão nasceu na navegação marítima, para se calcular a longitude. Ainda me lembro de, a bordo dos navios da Armada de Guerra, haver sempre um cronómetro, cuja responsabilidade de manutenção cabia ao Oficial de Navegação. O procedimento de dar a corda ao cronómetro que estava guardado numa caixa de madeira e possuía dois eixos de rotação a fim de absorver as movimentações do navio, era perfeitamente definido e era mesmo um ritual, com o fim de garantir que a sua variação era controlada. Claro que isto se passava antes da era do GPS. Um cronómetro é, portanto, um relógio que tem uma precisão garantida acima de determinados padrões estabelecidos internacionalmente.

Já um cronógrafo é um relógio que permite medir e mostrar períodos de tempo, isto é, que possuem mecanismos que se põem a trabalhar e se param através de botões. Um exemplo de cronógrafo é o famoso Speedmaster da OMEGA que foi até hoje o único relógio usado na Lua, por ter sido adoptado pelo programa Apollo que levou o Homem ao nosso satélite natural pela primeira vez em Julho de 1969.

Há uma expressão vulgar que me habituei a considerar como representativa de ignorância por parte de quem a emprega: «Espaço de tempo».

Na física clássica, o espaço é definido por três eixos ou apenas dois se considerarmos um plano. Para além disto, havia o tempo que definia o momento do acontecimento, independentemente da localização geométrica, mas que se lhe podia associar para o definir completamente. Após a teoria da relatividade, a distância passou a ser definida em função do tempo e da velocidade da luz, isto é, o metro passou a ser definido como a distância percorrida pela luz em 0,000000003335640952 segundos medidos por um relógio de césio. Este valor corresponde à distância entre duas marcas numa barra de platina guardada em Paris, que é a definição que aprendemos na escola primária.

Curiosamente, vista desta forma, a expressão “espaço de tempo” já não parece tão ignorante, o que mostra que estamos sempre a aprender.

 

segunda-feira, 12 de outubro de 2020

Um país no “cul de sac”

 


Em engenharia de tráfego é habitual chamar “cul de sac” a um beco sem saída. Acontece quando uma estrada termina sem outras ligações à rede viária, tendo que se encontrar uma solução adequada para que os veículos que aí chegam consigam voltar para trás.

É essa a situação em que o nosso país parece estar. Quando, na sequência das eleições de 2015 nem o PS nem o PSD coligado com o CDS conseguiram maioria absoluta, o PCP ofereceu a célebre mão ao PS pela voz do seu Sec. Geral Jerónimo de Sousa- «o PS só não forma governo se não quiser». Foi o abrir do caminho para o que se veio a chamar «Geringonça» na base de acordos escritos entre o PS, o PCP e o BE. Acordo perfeitamente legítimo, porque assente entre partidos representados na Assembleia da República. Mas com evidente significado político, e as inerentes consequências na governação do país, que evidencia uma desconfiança quando não aversão às empresas que constituem a economia real geradora dos resultados de que saem os impostos que pagam o funcionamento do Estado. Foi assim que nunca se conseguiram atingir níveis de crescimento económico que nos fizessem subir na classificação de riqueza dos países europeus mas que, muito antes pelo contrário, conduziram à descida de um lugar por ano nesse ranking. Como aliás seria de prever, dado que não há memória de algum país que algum dia tenha enriquecido aplicando as fórmulas políticas dos dois partidos associados ao PS na geringonça que, assim, serviu apenas para a sua manutenção no poder.

A descida do défice das contas públicas até quase zero foi conseguida com malabarismos contabilísticos de cativações forçadas que desvirtuaram sucessivamente os diversos OGE aprovados na Assembleia da República e ainda pela não efectivação dos investimentos públicos previstos. Tudo isto com a participação activa dos partidos apoiantes do Governo no Parlamento que, sabendo do que acima ficou escrito, foram aprovando todos os Orçamentos do Estado com as consequências que se conhecem. Como exemplo podem apontar-se os problemas gravíssimos no Serviço Nacional de Saúde onde, além do mais, a falta de pessoal decorrente da adopção das 35 horas não foi compensada com novas contratações.


A situação foi caminhando sob os avisos de muitos que alertavam para a falta de capacidade do país perante uma qualquer crise inesperada, dado o elevado nível de endividamento que foi sempre crescendo. E essa situação chegou, sob a forma de uma pandemia. Como, por azar, a crise veio pelo lado da saúde, o SNS viu-se obrigado a dedicar-se quase em exclusivo ao novo vírus, deixando milhares de portugueses sem consultas, sem exame, sem cirurgias e sem alternativa de poderem ir ao sector privado da saúde. Dadas as característica da crise todos os países sofreram os efeitos nefastos nas suas economias mas lá está, uns têm umas couraças fortes perante os ataques e outros têm apenas uns escudos de papel. E Portugal está na situação de depender por inteiro de dinheiros vindos da União Europeia, desta vez sob a forma de subvenções ditas a fundo perdido. Vemo-nos, de novo, na situação humilhante de dependermos totalmente dos nossos parceiros internacionais, chegando ao ponto de apelar por uma «bazuca» de dinheiro, sem qualquer pejo.

O historial dos últimos cinco anos, associado à pandemia, trouxe-nos a esta situação que todos sentem ser um beco sem saída e que é, na verdade, a verdadeira razão para a dramatização do Governo ameaçando com uma crise enquanto diz que não a podemos ter. Acresce a situação própria da proximidade das eleições presidenciais. Há muitas semanas que o Presidente deixou de poder dissolver a Assembleia e durante mais seis meses depois da sua reeleição também não o poderá fazer.

Assim se percebe o drama artificial criado que vai desembocar numa nova aprovação do OGE com a colaboração, mais uma vez, do PCP e do BE, é certo. Por pura sobrevivência o governo socialista coloca-se de novo nas mãos das exigências dos dois partidos, entre as quais a não previsão no Orçamento dos 900 milhões de euros para o Novo Banco para cumprimento do contrato assinado pelo Governo socialista com o apoio dos seus companheiros de estrada. Sem capacidade nem vontade de fazer as reformas cada vez mais necessárias, vamo-nos entretendo com propostas de recriação de 600 freguesias.


O beco sem saída em que o Governo meteu o país pelas suas escolhas políticas vai acabar por ser resolvido porque, felizmente, a Democracia tem essa grande vantagem sem que haja necessidade de se recorrer a cortes de regime. Mas, até lá, a complexidade da situação vai trazer grandes custos a assumir mais uma vez pelas carteiras dos portugueses, disso não tenhamos dúvidas.

 

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 12 de Outubro de 2020