Como acontece regularmente desde há mais de quatro mil milhões de anos, a eclíptica passou, no passado dia 20 de Março, para o lado de cima do equador celeste. Como a eclíptica é a projecção na esfera celeste da trajectória aparente do Sol, observado a partir da Terra, tal significa que, a partir daquele momento, os dias começaram a ser mais longos do que as noites no hemisfério Norte, o que acontecerá até ao próximo Outono. A importância daquele momento do Equinócio da Primavera é tão grande, que tem até uma designação própria: é o Ponto Vernal, a partir do qual se calculam todas as coordenadas astronómicas. Não se pense que este ponto é fixo, dado que as forças gravitacionais do Sol e da Lua levam a que o Ponto Vernal vá «viajando» ao longo da eclíptica cujo plano é inclinado em cerca de 23,5º relativamente ao plano do equador celeste. É a famosa Precessão dos Equinócios, voltando o Ponto Vernal a passar pelo mesmo local em cada cerca de 25.000 anos, movimento já conhecido dos antigos egípcios.
Esta harmonia de movimentos dos corpos celestes, qual dança pelo Espaço de que o sistema solar a que pertence a nossa Terra é apenas um grão de areia resulta de leis umas já conhecidas há séculos como as gravitacionais, outras ainda em permanente descoberta como as quânticas. Mas há uma beleza difícil de descrever nestes movimentos, para além da sensação de perfeição na sua regulação que nos maravilha em permanência.
Mas, apesar de o cosmos funcionar como habitualmente, há algo desregulado na Europa neste início de Primavera de 2022. Trata-se de, de novo, o Homem a conseguir trazer o caos à Terra em que vive, através da guerra e consequente dor e sofrimento indescritíveis levados a seus semelhantes, em particular civis completamente inocentes.
Para se ter uma ideia do que estão a sofrer os ucranianos, transcrevo uma notícia do dia em que escrevo esta crónica, da responsabilidade da SIC-Notícias: «…O momento em que os russos bombardeiam uma fila de pessoas à espera de ajuda num centro médico em Kharkiv. Aguardavam no exterior, em fila, por ajuda humanitária quando o local foi bombardeado. Com Mariupol arrasada, a invasão russa concentra-se agora também na cidade de Kharkiv. Pelo menos quatro pessoas morreram e várias ficaram feridas num bombardeamento a um centro médico».
Para além dos avanços e recuos militares, dos tanques destruídos, dos drones, dos generais abatidos, é isto que verdadeiramente interessa e esta notícia é bem exemplar da verdadeira face da guerra: o sofrimento dos povos. Claro que é importante e mesmo admirável a resistência patriótica à invasão de um país soberano e espera-se que venha a vencer. Mas a destruição de cidades inteiras, as mortes de homens, mulheres e crianças, a separação forçada das famílias e o número gigantesco de desalojados e refugiados como não se via na Europa desde a 2ª Grande Guerra é aquilo que mais nos deve interpelar e levar a agir em solidariedade.
Esta é mais uma guerra civil europeia, a mais trágica desde a última que foi chamada Segunda Guerra Mundial mas que, na realidade, foi essencialmente e na sua origem europeia, surgindo como consequência das ideologias extremistas que se desenvolveram com base em teses filosóficas europeias. Tal como a anterior, a designada como Primeira, que foi uma guerra entre os antigos impérios europeus.
A Europa ocidental e liberal do século XXI surge como uma luz atraente aos povos do leste europeu que não desejam mais do que se integrarem num espaço que tem demonstrado, desde os anos cinquenta do séc. XX, ser de paz colocando o bem-estar e a felicidade dos seus cidadãos acima de tudo. Não deve ser por esse desejo que fiquem à mercê de outros que detestam o modo de vida europeu e que ressuscitam conceitos imperialistas de «espaços vitais» de triste e trágica memória.
É por isso mesmo que, para além da desejável e mesmo necessária solidariedade para com os ucranianos, europeus como nós, a Europa sinta e se consciencialize de que este é um momento crucial para o seu futuro que queremos em paz e harmonia. Como a harmonia que de que a Natureza neste início de Primavera nos é exemplo.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 28 de Março 2022
Imagens recolhidas na internet.
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