segunda-feira, 7 de março de 2022

Guerras de Inverno

 


Em Novembro de 1939, a União Soviética que era basicamente a designação comunista da velha Rússia imperialista dos czares, atacou a Finlândia com bombardeamento da sua capital, Helsínquia. Tinham passado escassos dois meses sobre o ataque alemão-nazi à Polónia, e três meses sobre a assinatura do pacto Molotov-Ribbentrop que, sob a capa de um acordo mútuo de não-agressão entre a Alemanha e a União Soviética, previa, em cláusula secreta, a divisão dos países bálticos e de leste entre as duas potências, ficando a Finlândia na «esfera de influência» comunista. Mas a Finlândia reagiu e não aceitou as exigências territoriais de Moscovo que decidiu invadir aquele país. Para tal inventou um pretexto, procedendo a um bombardeamento de uma povoação russa e acusando a Finlândia da autoria do ataque. E não, não era o Donbas, embora pareça. A vila russa situava-se evidentemente no Norte perto da fronteira com a Finlândia, não no Mar Negro, e chamava-se Mainila. Na guerra desproporcionada que se seguiu, os finlandeses fizeram das tripas coração e aguentaram até Março do ano seguinte, quando se verificou um cessar-fogo. Os russos/soviéticos sob o mando de Estaline sofreram pesadas derrotas com que não contavam, embora tivessem invadido a Finlândia numa daquela «operações militares especiais» em que são especialistas, e tenham movimentado mais de 400.000 homens enquanto a Finlândia tinha apenas 180.000 soldados. Só por exemplo, no chamado Incidente de Raatteentie uma unidade finlandesa de apenas 6.000 homens destruiu uma divisão soviética de 25.000 soldados através de tácticas de guerrilha sob um comando finlandês de altíssima competência e pela excepcional bravura dos finlandeses a lutarem até ao fim pela sua pátria. 

Foi nesta guerra, que ficou conhecida como «Guerra de Inverno», que os finlandeses utilizaram em larga escala uma bomba artesanal a que foi dado o nome de «cocktail Molotov» em honra do ministro soviético.

Evidentemente, qualquer semelhança com a actual invasão da Ucrânia pela Rússia não é pura coincidência. Desde os argumentos utilizados para a invasão de outro país, até à utilização de pretextos fabricados, passando por invenção de «repúblicas populares» na fronteira, tudo parece tirado a papel químico. Só que, como o próprio Karl Marx escreveu, a História repete-se, da primeira vez como tragédia, a segunda como farsa e, quem deveria saber isto muito bem, é Vladimir Putin que se formou nas fileiras do KGB da antiga União Soviética.


Há 82 anos a «guerra do Inverno» passou-se lá longe, no extremo Norte da Europa e a derrota dos soviéticos quase passou despercebida face ao conflito que começava a incendiar toda a Europa e que rapidamente se estenderia a todo o mundo no que foi a Segunda Guerra Mundial. Esta «guerra do Inverno» em que a Rússia invade a Ucrânia passa-se às portas da Europa reunida na União Europeia a que a Ucrânia, no uso da sua legítima soberania, pretende pertencer, para além da NATO. E nestes tempos de «aldeia global», todos assistimos em tempo real nos televisores, mas também nos telemóveis, ao heroísmo e sacrifício dos ucranianos face à agressão russa. E é a tragédia do povo ucraniano que primeiro impressiona o mundo inteiro, verdadeiramente com homens, mulheres e crianças a morrer perante os nossos olhos, antes das questões estratégicas da política, dos artefactos militares e da eficácia das sanções económicas. Entre nós impressiona igualmente que preconceitos ideológicos impeçam de ver quem é que invade outro país e quem é que está a ser atacado, para além de ver quem está a ameaçar países neutrais como a Suécia e a Finlândia, enquanto vai falando de armas nucleares. Mas esta guerra está a ter uma consequência certamente inesperada para muitos e claramente não pretendida por outros, a começar pelo próprio Putin. Aquilo que Trump não conseguiu com as suas ameaças sobre a participação financeira dos países europeus na NATO, está esta guerra a conseguir: os países europeus uniram-se perante um cenário de guerra no continente europeu e mais, decidiram finalmente que precisam de prevenir o futuro e investir nas forças armadas de forma firme, a começar pela própria Alemanha. E, nas Nações Unidas, a Rússia apenas teve o apoio do triste grupo formado pela Eritreia, a Síria e a Coreia do Norte, o que demonstra que a invasão da Ucrânia é condenada por praticamente toda a comunidade mundial. Assim Putin perceba que está solitário nesta guerra verdadeiramente imperialista, se lembre dos exemplos históricos dos homens que decidiram enfrentar todo o mundo e do que lhes aconteceu, e decida fazer regressar os seus soldados, deixando os ucranianos decidir o seu futuro.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 7 de Março de 2022

Fotos retiradas da internet

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